Defendendo um novo paradigma de gestão de políticas públicas assente em dados, o coordenador da equipa de Territórios Inteligentes na Agência para a Modernização Administrativa (AMA) lembra que “o problema não é, e nunca foi, tecnológico”, mas “uma questão de gestão”. Em entrevista à Smart Cities, João Tremoceiro fala dos próximos passos da Estratégia Nacional de Territórios Inteligentes (ENTI) e anuncia vários projetos e financiamentos à espera de municípios e empresas.
A Estratégia Nacional de Territórios Inteligentes (ENTI) foi apresentada em dezembro do ano passado, já na fase final do anterior Governo. Com a mudança de executivo poderá haverá alterações de rumo neste instrumento de política pública?
Como acontece com qualquer legislação, a ENTI poderá vir a sofrer alterações. No entanto, até ao momento, não temos indicação de que isso possa ocorrer.
O documento propõe impulsionar a implementação de 16 iniciativas estratégicas e 31 recomendações locais. Quais considera mais importantes e prioritárias?
Por definição, todas as iniciativas estratégicas são importantes, e o sucesso global da ENTI depende do êxito de cada uma delas. No entanto, gostaria de destacar especificamente as iniciativas relacionadas com a integração e partilha de dados entre a Administração Pública Central, Local e os cidadãos. Estas iniciativas beneficiam do financiamento PRR – Territórios Inteligentes e, como tal, desempenham um papel essencial no sucesso da Estratégia.
Uma das primeiras medidas da ENTI foi o lançamento de um aviso para o financiamento de Plataformas Verticais, que engloba serviços de integração e análise de dados. Em que consiste e quais as áreas a que se destina?
Este aviso irá possibilitar o financiamento de operações destinadas à aquisição de plataformas verticais que permitam a gestão inteligente de atividades como rega de espaços verdes; consumos de água e energia; gestão de equipamentos (por exemplo, desportivos, culturais, saúde); iluminação pública; gestão de resíduos sólidos; gestão de tráfego; gestão do estacionamento; gestão de transportes públicos (incluindo a gestão e otimização de transportes a pedido, como transporte escolar ou de população idosa para deslocações pontuais); gestão de frotas; gestão dos operadores de mobilidade suave; monitorização de incêndios florestais; monitorização de população idosa isolada. É um financiamento que inclui a aquisição de serviços e de hardware para a instalação dessas plataformas, excluindo a aquisição de sensores ou despesas de comunicações entre sensores e a plataforma.
Além de uma oportunidade para a administração local, não deixa de ser também uma boa notícia para as empresas fornecedoras de soluções tecnológicas …
Em Portugal, o desenvolvimento deste tipo de negócio enfrentou desafios desde sempre, em parte devido à pequena dimensão dos nossos municípios. Por isso, este financiamento dá preferência às candidaturas apresentadas pelas entidades intermunicipais, uma vez que isso reduz os custos de investimento e os custos operacionais, e ainda aumenta o impacto no território. Os fornecedores de soluções tecnológicas têm, assim, uma oportunidade única para escalar as suas soluções verticais. Devem agora apresentar os seus serviços às entidades intermunicipais e municípios e preparar-se para concorrer aos concursos que serão abertos.
“O problema não é, e nunca foi, tecnológico. Foi sempre uma questão de gestão. A tecnologia é apenas um facilitador, e cabe-nos a nós tirar proveito dela”
A Agência para a Modernização Administrativa (AMA) tem vindo a realizar sessões de esclarecimento sobre financiamentos PRR no âmbito da ENTI. Quais as principais dúvidas e desafios que surgem nestes encontros?
As principais dúvidas estão relacionadas com o desconhecimento ainda existente sobre as soluções verticais disponíveis no mercado. Por esse motivo, temos enfatizado a importância de os fornecedores dessas soluções se apresentarem aos municípios e entidades intermunicipais.
Depois deste, estão previstos novos avisos para breve?
Ainda neste segundo trimestre, a Fundação para a Ciência a Tecnologia (FCT), em sequência de uma parceria com a AMA, irá lançar um concurso de ID para o desenvolvimento de protótipos de Gémeos Digitais. A este concurso poderão concorrer entidades do ecossistema científico, municípios, entidades intermunicipais e empresas. Os vencedores deste concurso poderão aceder a um financiamento máximo de 1,5 milhões de euros por Gémeo Digital em áreas prioritárias, como água, agricultura, resiliência climática, mobilidade, descarbonização, saúde, energia, turismo e proteção civil.
No terceiro trimestre, serão abertos avisos para a capacitação de técnicos e chefias da administração local. Até o final de 2024, será lançado o aviso para que os municípios e entidades intermunicipais possam ter acesso ao serviço TERRIS. Entre outras coisas, este serviço disponibiliza, aos 308 municípios portugueses, uma Plataforma de Gestão Urbana (PGU), como um serviço da AMA, permitindo a integração de dados dos municípios e entidades intermunicipais, incluindo aqueles provenientes das suas próprias plataformas verticais, sistemas internos e sensores. A PGU, que pode ser personalizada de acordo com as necessidades dos utilizadores, não apenas permite a integração, análise e partilha de dados, mas também oferece três verticais: um para a gestão de ocorrências, outro para a gestão de eventos (estes dois podem suportar um Centro Operacional Integrado) e ainda um que será uma aplicação móvel para que técnicos municipais e cidadãos possam criar ocorrências, receber dados, notícias e notificações.
Além destes avisos, quais serão os próximos passos da ENTI?
Enquanto estamos a trabalhar nas iniciativas já referidas, temos outras em preparação. Destaco os trabalhos para o lançamento do Portal dos Territórios Inteligentes em 2025, que será o ponto de entrada e de partilha de conhecimento entre todos aqueles que trabalham nesta área. Este portal será também o suporte para uma aliança de parceiros que queremos promover, de forma a sustentar todas estas iniciativas a longo prazo.
A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) criticou o facto de apenas ter assento no Conselho Consultivo da ENTI, que considera ser um papel “de segundo plano”, e exigiu uma participação ativa na Estrutura de Coordenação Estratégica. Em que ponto está este tema?
Não comento uma vez que se trata de uma questão a ser gerido a nível do Governo.
Que ambições tem para a ENTI? É desta que será posto em prática, em definitivo, um novo paradigma de desenho e gestão de políticas públicas impulsionado por dados?
Esse é o objetivo, e esperamos que todos os que trabalham nesta área colaborem nesse sentido. O problema não é, e nunca foi, tecnológico. Foi sempre uma questão de gestão. A gestão tem de evoluir e passar a considerar os dados como um suporte essencial à tomada de decisão. A tecnologia é apenas um facilitador, e cabe-nos a nós tirar proveito dela.
Como vê o setor das smart cities em Portugal na atualidade e que evolução prevê para o futuro?
Só posso ter uma visão otimista, senão não estava nesta função.
Fotografia de destaque: © Telmo Miller
Este artigo foi originalmente publicado na edição n.º 43 da Smart Cities – Abril/Maio/Junho 2024