Nos últimos anos, o município de Santa Cruz tem investido em tornar a sua iluminação pública mais eficiente, inteligente e com menor impacto na biodiversidade local. O projecto, que já permitiu à autarquia poupanças anuais de 300 mil euros, vai além da substituição de luminárias e destaca-se pela existência de um Plano Director de Iluminação Pública.
Em Santa Cruz, na ilha da Madeira, a sustentabilidade ambiental foi definida como um dos eixos estratégicos para o concelho. Nos últimos anos, o município, que tem perto de 45 mil habitantes, decidiu materializar essa prioridade num projecto de eficiência energética e gestão inteligente da iluminação pública (IP) que se distingue pela forma como junta instrumentos inovadores de planeamento às novas tecnologias.
Reduzir a factura da electricidade “numa óptica de gestão criteriosa dos dinheiros públicos” e abordar “as preocupações ambientais de redução da poluição luminosa” são, segundo o presidente da câmara municipal de Santa Cruz, Filipe Sousa, os objectivos da iniciativa, que representa um investimento de 650 mil euros e permite já “poupanças anuais de 300 mil euros”.
O projecto, que arrancou em 2019, divide-se em quatro fases e assenta na requalificação da IP do concelho, o que inclui a substituição das luminárias para tecnologia LED, assim como a instalação de uma rede de comunicações LoRa, que permite a telegestão da iluminação através de uma plataforma e abre portas para a sensorização do município. Mas nem tudo se resume à tecnologia e, antes disso, foi preciso criar um plano municipal para a eficiência energética na IP que definisse as bases para a componente tecnológica.
Com esta decisão, Santa Cruz tornou-se pioneiro em Portugal na adopção de um Plano Director de Iluminação Pública (PDIP). O instrumento, de cariz voluntário, estabelece “as linhas orientadoras para a implementação de medidas de eficiência energética, incidindo na iluminação dos espaços públicos e nos equipamentos e infraestruturas directamente geridos pelo município”, explica o autarca, dando conta de que o plano permitiu já a redução de consumos energéticos em todos os edifícios municipais, graças à substituição de equipamentos existentes por outros eficientes e a acções de sensibilização para a utilização racional de energia.
Na renovação da IP, a substituição das luminárias existentes por soluções mais modernas e eficientes e a implementação de sistemas inteligentes de controlo dos tempos em que a IP se mantém acesa, de modo a “optimizar consumos e adequá-los aos lapsos temporais em que são mais necessários”, fizeram também parte das acções previstas pelo plano municipal.
Gerir a iluminação, receber reports de consumos e de avarias, consultar históricos, monitorizar a qualidade da rede eléctrica e georreferenciação são funcionalidades a que o município pode aceder através da plataforma horizontal ConnectCity, desenvolvida pela Aura Light. A empresa é a responsável pelo fornecimento das soluções tecnológicas e pelo “acompanhamento diário do projecto, fornecendo os dados compilados dos diversos sensores”, explica Alberto Van Zeller, country manager.
Além do vertical da iluminação, a plataforma tem ainda a possibilidade de incluir informações de outros sistemas de monitorização implementados ou a implementar no município. É o caso, para já, dos dados recolhidos pelo poste Infinity Inteligent, instalado na cidade e que, além de iluminação inteligente e LoRaWAN®, possui funcionalidades de vídeo analítico, estação meteorológica, sensor de ruído, coluna de som, pré-instalação para antenas 4G e 5G, ecrã táctil com software de apoio aos peões e ecrã informativo sobre qualidade do ar, meteorologia e publicidade.
Filipe Sousa destaca ainda a possibilidade de carregamento para viaturas eléctricas, o que faz também parte das apostas municipais no eixo da sustentabilidade ambiental. Outras das acções pensadas é a implementação de um sistema de monitorização de árvores que permita intervir antes de a queda acontecer, assegurando a segurança e o bem-estar dos cidadãos, agindo na melhoria do espaço público e preservando o património arbóreo do concelho. Embora “ainda numa fase muito inicial”, a solução funciona com base num sensor instalado na árvore que mede a sua inclinação em tempo real, alertando o município caso esta ultrapasse o limiar de segurança.
Mitigar os efeitos na biodiversidade local
O uso racional da energia eléctrica na IP e a sua gestão inteligente não foram as únicas preocupações de Santa Cruz neste projecto. O município quis ainda minimizar os impactos ambientais da poluição luminosa na biodiversidade local. Através da parceria com a SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, foi possível definir medidas, apoiadas pelo sistema de telegestão, que mitigassem esse impacto negativo, por exemplo, reduzindo, em zonas críticas, a IP nos meses em que as aves abandonam os ninhos, de forma a não prejudicar as aves mais jovens e mais susceptíveis à luz.
“De acordo com a SPEA, os resultados têm sido bastante positivos, nomeadamente na diminuição da poluição luminosa junto às nossas áreas costeiras com os devidos resultados em termos de diminuição de acidentes com as aves marinhas, frequentemente encadeadas com o excesso de luz”, relata o governante. “Um dos nossos focos tem sido realmente alterar o tipo de iluminação usada na nossa extensa frente-mar, e temos privilegiado a alteração da IP nessas zonas para sistemas de iluminação que preservem os ecossistemas.”
Juntos também no projecto LIFE Natura@Night, a parceria “bastante proveitosa” entre a autarquia e a SPEA merece o destaque de Filipe Sousa, até pela relevância cada vez maior das questões ambientais. “O ambiente é realmente das áreas em que todos temos a ganhar se pensarmos globalmente e agirmos localmente; é isso que temos tentado fazer.” Além da SPEA, também a Empresa de Electricidade da Madeira (EEM) tem sido “crucial” para as medidas implementadas no município, no âmbito do projecto de IP, em particular no que se refere à substituição de luminárias.
Na lista das boas práticas
A iniciativa tem colocado o município madeirense entre as boas práticas nacionais, com a atribuição do prémio UM-Cidades 2021 na categoria “Regiões Autónomas”, e também internacionais, com a presença do projecto, a par da Aura Light, na última edição do Smart City Expo World Congress, em Barcelona.
“É um orgulho ver uma cidade de uma pequena ilha no Atlântico a ter lugar num fórum mundial de cidades inteligentes”, confessa o edil. Determinante no projecto foi o PDIP. “Desde o início, o plano tem sido uma ferramenta chave com o objectivo primordial de operacionalizar a gestão integrada dos eixos de desenvolvimento relacionados com fontes de energia mais eficientes”, admite o autarca.
Também para Alberto Van Zeller, o sucesso prende-se, desde logo, com o “diagnóstico preciso de todo o concelho através do PDIP”. “[Foi] Absolutamente indispensável; sem saber o que temos, onde gastamos, (…) não é possível avançar para um plano de acções para a obtenção dos objectivos esperados pelo município.” Além disso, o gestor destaca ainda o envolvimento “permanente do elenco camarário” e um “plano de acções sustentável”.
Estando o projecto de IP na sua fase final, as ambições do município madeirense para um uso mais eficiente dos recursos não se esgotam aí. O autarca admite haver “toda uma possibilidade de rede Wi-Fi já a ser estudada entre tantas outras potencialidades do sistema”, assim como a introdução de um sistema de rega inteligente dos espaços públicos.
“Embora ainda sem nada em concreto, gostaríamos muito de aproveitar as várias possibilidades de todos estes projectos, nomeadamente apostando num sistema inteligente de rega de espaços públicos, numa monitorização mais eficaz do nosso território e numa aposta cada vez mais ampla numa cidade verdadeiramente inteligente e vocacionada para uma gestão ambiental eficiente e com níveis de poupança criteriosos que nos permitam, com os ganhos, intensificar toda a nossa acção neste domínio”, conclui Filipe Sousa.
Este artigo foi originalmente publicado na edição de Julho/Agosto/Setembro de 2022 da Smart Cities.