No Dia Mundial do Ambiente (5 de junho), que este ano tem como tema “o Restauro da Terra, Desertificação e Resiliência à Seca”, a Smart Cities desafiou três associações ambientais a traçar um retrato da situação atual e a perspetivar os desafios do futuro.
Francisco Ferreira, da Zero, Alexandra Azevedo, da Quercus, e Bianca Mattos, da ANP|WWF, dizem que ainda há muito por fazer em matéria ambiental, dão exemplos concretos e exigem coragem política para inverter a situação e dar força à transição energética.
Francisco Ferreira – Presidente da Zero
Portugal tem vindo a diminuir a emissão de gases com efeito de estufa, mas continua muito dependente das energias fósseis. Qual a melhor forma de inverter esta realidade?
A prioridade tem de ser a eficiência energética, porque se reduzirmos as nossas necessidades energéticas obviamente que vai ser mais fácil atingirmos as metas daquilo que é fundamental na transição energética: a aposta nas fontes de energia renovável. Portanto, diria que esta realidade se inverte evitando o desperdício, por um lado, e obviamente, fazendo uma aposta diversificada em fontes de energia renovável, que podem ser utilizadas diretamente na produção de eletricidade, ou também para outros fins, como seja, por exemplo, a produção de hidrogénio, ou os gases renováveis, como o biometano, que podem substituir o gás natural fóssil.
Há várias formas de termos uma mudança que nos permita reduzir fortemente a nossa dependência energética, que ronda os cerca de 70%, e onde a eletrificação deve ter um papel preponderante, na medida em que é a forma mais fácil de recorrermos às fontes de energia renovável. Há, portanto, um investimento que, em nosso entender, deve ganhar uma prioridade muito grande nos transportes públicos e coletivos, porque onde temos maiores emissões em termos percentuais e absolutos é no transporte rodoviário e, em particular, no transporte individual. Daí defendermos também um menor uso do automóvel e o recurso a veículos elétricos, o que acaba por ter um impacto muito grande nesta redução da dependência das energias fósseis.
O país tem sido incapaz de lidar com os desafios da área dos resíduos, apresentando números muito abaixo da média europeia. O que está a falhar?
O problema prende-se com a necessidade de termos soluções verdadeiramente estruturais para os resíduos. E isso significa haver um investimento fortíssimo na recolha porta-a-porta, em vez de confiarmos que as pessoas vão entregar os resíduos diretamente ao ecoponto, porque já não estamos com tempo de continuarmos a investir numa educação ambiental cujos resultados ficam aquém do desejável e necessário. Isso também deve ser combinado com novas tecnologias que permitam não estar a pagar a nossa produção de resíduos em função do consumo da água, mas sim fazer uma avaliação direta da produção de resíduos indiferenciados. Para isso há várias formas, a começar por contentores adequados à contabilização daquilo que cada pessoa produz, para depois pagar.
Também defendemos mecanismos de recolha porta-a-porta em matéria de biorresíduos, que é uma fração muito importante, na ordem dos 40%, da produção de resíduos urbanos. E, obviamente, o verdadeiro respeito pelos três “r”, ou seja, tudo o que seja investimento na redução e reutilização. Aqui, destacamos o uso de embalagens (que não apenas plástico) em serviços de restauração e no take-away, ou seja, tudo o que já está presente na lei, mas não tem tido a implementação que seria desejável. Enquanto não tivermos estas diferentes frentes a avançar, não conseguiremos cumprir as metas traçadas.
Alexandra Azevedo, Presidente da Quercus
Quais são os maiores desafios que Portugal irá enfrentar no futuro em matéria ambiental?
Os desafios são muitos e, apesar de haver um histórico de legislação ao nível da proteção do ambiente, o certo é que continuamos a assistir a uma pressão cada vez maior sobre os recursos naturais e o território. Concretamente em Portugal, temos os casos da mineração do lítio e o avanço das monoculturas das espécies florestais, especialmente o eucalipto, em que apesar da legislação condicionar mais avanços, continua a haver uma pressão da biomassa a insistir no cultivo desta espécie com comportamentos de invasora.
Depois, temos também a pressão das grandes centrais fotovoltaicas, que deu origem a uma forte oposição das associações de defesa do ambiente, que sustentam como alternativa uma produção mais descentralizada e mais próxima dos locais de consumo, concretamente nas cidades. Por fim, destacaria também a questão da agricultura intensiva. Apesar de vermos cada vez mais agricultores conscientes, que trilham novos caminhos em práticas agroecologicas, continua a haver problemas tanto ao nível das políticas nacionais como europeias.
Qual o papel dos municípios no processo de transição climática e energética?
O poder local tem um papel muito importante e temos assistido a uma realidade: muitas vezes é mais fácil implementar certas medidas a nível local, porque à medida que vamos subindo no nível de decisão, começam a surgir influências para que as coisas não sigam pelo melhor caminho. Assistimos a isso no caso do Pacto Ecológico Verde, por exemplo, e com a sabotagem e a pressão das indústrias químicas face à redução dos pesticidas na agricultura.
Mas a nível local muitas autarquias têm servido de exemplo e já que estamos a falar de pesticidas devo realçar os municípios pioneiros no abandono de herbicidas. Depois, a nível de dinâmicas da produção de alimentos biológicos, temos o caso das bioregiões, um projeto internacional, mas que junta várias autarquias para partilha de experiências na promoção de boas práticas rumo a territórios livres de pesticidas.
Outro desafio para os municípios passa pelas metas para a recolha de biorresíduos. Também neste caso, ainda há muito trabalho pela frente, mas já sobressaem alguns bons exemplos, como é o caso de Guimarães. Este município tem trabalhado com várias organizações, como a Quercus, no sentido de não cairmos em erros do passado, como a recolha por ecopontos, que se tem revelado ineficaz no caso das embalagens, do papel e do vidro. Em vez disso, defendemos mais recolha porta a porta, associada a mais dinâmicas comunitárias e locais.
Ao mesmo tempo, é fundamental recuperar espaços verdes nas cidades. Na Quercus, estamos a trilhar esse caminho com algumas autarquias em dinâmicas de miniflorestas urbanas, como acontece em Lisboa. Os planos de ação climática a nível municipal devem também integrar cada vez mais estas soluções pouco valorizadas, mas que são muito importantes no conectar dos cidadãos com a Natureza à sua volta e na valorização dos nossos recursos naturais e plantas nativas.
Bianca Mattos, Coordenadora de Políticas da ANP|WWF
Que expetativas tem para a COP29, que se realiza em novembro no Azerbaijão? Acredita que poderá haver avanços significativos ou acha que as principais decisões vão ser adiadas para a COP30, no Brasil?
Há muitas decisões importantes a serem tomadas sobre os compromissos e ações necessárias para dar resposta à crise climática e não podemos esperar. A expectativa é que os países e todos os atores envolvidos ajam com responsabilidade e urgência, e não nos podemos dar ao luxo de adiar decisões, pois as catástrofes decorrentes da mudança no clima já estão a acontecer em várias partes do mundo, inclusive em Portugal.
Concretamente, precisamos que as NDCs [Contribuições Nacionalmente Determinadas] sejam revistas de forma a garantir que o aquecimento global não vai ultrapassar 1,5 grau, avançar com os compromissos financeiros que deem suporte aos esforços de mitigação, adaptação e o fundo de perdas e danos, e que a natureza passe a integrar verdadeiramente as soluções climáticas.
Ocasiões e eventos mundiais, como o Dia Mundial do Ambiente ou a Hora do Planeta, que a WWF organiza, conseguem produzir resultados efetivos e duradouros ou acabam por expor, sobretudo, a relação algo disfuncional que o Mundo tem com a Natureza?
Estes dias servem para assinalar de forma positiva a transformação benéfica que podemos imprimir ao nosso planeta, e para sensibilizar as pessoas para o facto de dependermos da Natureza, muito mais do que a Natureza depende de nós. Isto não nos desresponsabiliza de intervir civicamente, claro, e estas datas servem também para mobilizar as pessoas para a proteção do mundo natural.
Este ano, em particular, o Dia Mundial do Ambiente é dedicado ao restauro ecológico, ou seja, à recuperação da biodiversidade que já perdemos em consequência dos gigantescos impactos negativos que as nossas sociedades têm na natureza, apesar de dela dependermos para termos água, alimentos, matérias-primas para a indústria, locais de lazer, etc. Recuperar a Natureza é também recuperar a nossa ligação com ela.
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