Severamente afectadas pela Covid-19, as cidades foram obrigadas a responder à crise e começaram, desde cedo, a traçar caminhos com vista à recuperação. Ao longo deste ano e meio de pandemia, algumas estratégias foram ganhando forma como requisitos para uma maior resiliência e sustentabilidade dos centros urbanos. Num relatório lançado na passada terça-feira, a Deloitte identifica 12 tendências que podem marcar o ritmo da transformação urbana mundial.

Apresentado durante a última sessão do ciclo de webinares Urban Future with a Purpose, o relatório Urban Future with a Purpose: 12 trends shaping the future of cities by 2030 consultou especialistas internacionais em assuntos urbanos para elaborar um conjunto de 12 tendências “que as cidades podem seguir no seu caminho para a sustentabilidade, a resiliência e a prosperidade, tirando partido da tecnologia e inovação”, lê-se no documento. Divididos em seis áreas, as tendências identificadas reflectem estratégias adoptadas por cidades de todo o mundo ao longo deste último ano e meio e que têm ajudado na resposta aos efeitos da pandemia. O estudo inclui referências a mais de 30 casos de estudos de áreas urbanas mundiais, incluindo Lisboa, Porto e Cascais.

Receita para a recuperação pós-Covid-19

Em matéria de qualidade de vida e saúde, o relatório destaca a afirmação dos espaços públicos, planeados com novos corredores e áreas verdes, como “centros da vida social”, e o desenvolvimento de ecossistemas de cuidados de saúde que visam o bem-estar através da prevenção e intervenção precoce e que têm nas tecnologias digitais ferramentas para a conexão entre os profissionais de saúde e as pessoas. Na mobilidade, a referência aos modelos de proximidade, em particular a cidade dos 15 minutos, é incontornável, assim como a adopção de modos mais sustentáveis e inteligentes, com base no conceito de mobility as a service (MaaS).

Um dos grandes impactos da pandemia foi o facto de acentuar as desigualdades existentes a todos os níveis e, por esse motivo, trabalhar para uma maior equidade é uma preocupação actual. No campo económico, refere o relatório, tal pode ser feito pela adopção de planeamento e serviços inclusivos, focando, em particular, o acesso a habitação e infraestruturas, a igualdade de direitos e participação, e a criação de empregos e oportunidades. Para tal, as cidades devem também promover a dinamização de ecossistemas de inovação digital, assumindo-se como palcos para a experimentação, criação de laboratórios vivos e de hubs remotos para os nómadas digitais.

Sem esquecer o desafio da crise climática, nas áreas da energia e ambiente, o relatório destaca a importância das acções para a economia circular e produção local e ainda uma transformação do ambiente construído em edifícios e infraestruturas sustentáveis e inteligentes. O uso e a gestão eficientes de recursos – água, energia e resíduos – têm um papel fulcral neste propósito, esperando-se que a utilização de tecnologias digitais, a implementação de medidas passivas, como as coberturas verdes, e de novos materiais de construção se tornem práticas comuns.

O aumento da participação cívica como reflexo de cidades cada vez mais centradas nas pessoas – e que, por isso, estimulam essa participação – e o recurso à inteligência artificial (IA) e à análise de dados para processos e operações urbanas fazem parte das tendências apontadas pelos especialistas no que se refere à governação e educação. Por último, nas áreas da segurança e protecção, é possível identificar uma preocupação crescente com a cibersegurança e questões relacionadas com a privacidade, assim como o uso de vigilância e de soluções preditivas com base em IA para a monitorização de áreas que são mais vulneráveis não só ao crime, mas também a riscos naturais. O desafio aqui, refere o documento, passa por introduzir estas novidades sem pôr em causa a privacidade e as liberdades dos cidadãos.

“Vivência humana” como meta

Transformar a vivência urbana em “vivência humana” é uma das grandes propostas da Deloitte para o futuro das cidades e que foi reforçada neste webinar por Miguel Eiras Antunes, que assume as funções de global smart city, smart nation and local government leader na consultora. Para o gestor, as 12 tendências “não só podem ajudar os governos [locais] a desenvolver e fazer evoluir as suas estratégias de transformação urbana, como podem também ajudá-los a encontrar um equilíbrio entre as pressões de curto prazo e as necessidades de longo prazo”. Acompanhado pela eurodeputada Lídia Pereira enquanto anfitriões da sessão virtual, Eiras Antunes mostrou-se convicto de que as mudanças propostas “são possíveis” e que devem ser “feitas em conjunto”, sendo que, nessa união de esforços, as “parcerias público-privadas devem ser privilegiadas”.

Para além da apresentação do relatório, o webinar, que foi encerrado pelo presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, contou ainda com dois painéis de debate com alguns dos especialistas consultados para o trabalho. Kishore Rao (Deloitte), Sameh Wahba (World Bank Group), Maimunah Mohd Sharif (UN Habitat) e Mami Mizutori (ONU) foram os primeiros intervenientes, numa conversa na qual a importância do planeamento integrado e de uma abordagem holística se revelou evidente para os especialistas. Já na segunda sessão, moderada por Jeff Merrit (World Economic Forum), os autarcas Yvonne Aki-Sawyerr (Freetown), Mohamed Ridouani (Leuven) e Miguel Pinto Luz (Cascais) partilharam algumas das suas experiências no comando municipal no último ano, face aos desafios impostos pela Covid-19.

Por seu lado, Marcelo Rebelo de Sousa apelou ao “apoio e cooperação de todos” na resposta aos desafios actuais e futuros, cuja pressão é sentida mais intensamente nos centros urbanos, reforçando, por isso, a necessidade de “cidades mais resilientes e adaptadas às alterações climáticas” e a urgência de uma “acção global com vista à neutralidade carbónica”. Tendo isto em conta, o governante pediu ainda responsabilidade na aplicação dos fundos europeus para a recuperação e resiliência, assim como na do quadro financeiro plurianual que se avizinha.

O relatório da Deloitte pode ser consultado na íntegra aqui.

 

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