Em 2018, Curitiba foi eleita a cidade mais inteligente do Brasil, ultrapassando São Paulo. Por esses dias, a capital do estado do Paraná recebe, pela segunda vez, a Smart City Expo Curitiba, um certame que confirma a aposta da cidade na inovação. Rafael Greca (na imagem, ao centro), prefeito curitibano, falou à Smart Cities e explicou como está a “dar um passo adiante” para a inovação, sem, contudo, perder o contacto com as raízes, tradição e assegurando a justiça social.

Em finais do ano passado, Curitiba foi uma das cidades escolhidas para receber a iniciativa Mastercard City Possible, um novo modelo de parceria público-privada com vista à resolução de desafios urbanos. O que isso vai trazer à cidade?

Representa um passo adiante no meu programa de inovação como estratégia de desenvolvimento social e urbano. Curitiba já foi notável para o mundo com a invenção do sistema de transporte BRT, quando desenvolveu o Plano Director mais arrojado, mais bem sucedido e mais bem implementado do país, e também quando manteve, por quase 50 anos, a mesma linha de planejamento urbano. Agora, a cidade precisa de dar um passo adiante e esse passo é o caminho da inovação como estratégia de desenvolvimento urbano. O acordo com a Mastercard e a parceria com cidades como Praga, Atenas, San Diego, Liverpool e outras cidades importantes do mundo vai significar uma nova fronteira de desenvolvimento tecnológico. Quando conversei com o chairman da Mastercard, propus a actuação em duas áreas da cidade: na cidade formal e estabelecida, que é a cidade burguesa, do centro histórico e dos bairros elegantes, onde vivem os consumidores do cartão Mastercard; e na cidade onde não vivem esses consumidores, que é a cidade das comunidades e das antigas favelas, das áreas de reurbanização.

Que não podem ser esquecidos.

Não! Queremos trabalhar nas duas pontas, porque acreditamos que aquilo que não se compartilha se perde. A única forma de unificar a cidade é torná-la socialmente justa.

Há alguma iniciativa específica nesse sentido?

Gostaria muito de tê-los como parceiros na modernização da rede de webs e de fiação que infelicita a paisagem do centro histórico e dos bairros tradicionais. E também como parceiros de iniciativas de justiça social, que podem ser as hortas urbanas, os nossos sistemas de esgoto que podem ser implantados nas áreas de nova urbanização, mas vamos discutir isso no âmbito do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba. O importante é que o chairman me disse que não quer me vender nada – eu até puxei o meu cartão pessoal Mastercard e mostrei para ele, mas fiquei muito feliz que ele não quer me vender nada [risos].

“Se [a ideia de cidade inteligente] servir a grande maioria do povo e for compartilhada com todos, não se perderá. Se ela for fixada na perspectiva de bem de consumo, é uma coisa que se compra e vende, permanecerá como um privilégio e poderá não vingar”.

Curitiba foi também eleita a cidade mais inteligente do Brasil em 2018.

Certo, mas queremos ser ainda mais inteligentes.

E o que têm de fazer para isso?

Temos de investir cada vez mais na formação da população para a inovação, por isso os nossos Faróis do Saber e Inovação, que eram as antigas bibliotecas e que foram as primeiras lan houses públicas do Brasil e, quiçá, do mundo, que são pequenos edifícios na forma do Farol de Alexandria, estão postos nas portas das escolas em todos os bairros da cidade, com 5000 livros e 25 computadores, e agora têm também um espaço maker. Para cada escola, temos um espaço maker e um programa pedagógico de provocação das meninas e meninos, de acordo com as teorias do MIT, para a tecnologia. Inaugurei também um laboratório Google de pedagogia de inovação – o LAPI –, que vai treinar professores e professoras e alunos para as novas ideias de inovação. Eu também vou abrir um FAB LAB público em Março na Rua da Cidadania do Cajuru e quero fazer mais dez até ao fim da minha gestão. Isto porque eu quero que os liceus de ofício, que são as escolas profissionalizantes que a prefeitura mantém, sejam também ocasião de invenção de empregos. A ideia é que os liceus de ofício que já temos – por exemplo, dentro da fábrica da Electrolux, da Volvo, da Renault e que temos também nos bairros da cidade e nas ruas de cidadania – se estendam para o espaço virtual. E, como liceus de ofício, eles formem pessoas capazes de inventar o seu emprego. Montadores de telefones celulares, de computadores, … vamos dar aulas de robótica, computação, pilotagem de drone e também manutenção dos equipamentos que estarão lá, como a impressora 3D, fresagem. Assim, recuperamos também profissões tradicionais, como corte e costura para a economia criativa, marcenaria com a fresagem de novos produtos e, quem sabe até, com a formatação em 3D, surja uma nova revolução do design e tecnológica, baseada na nova realidade do mundo. Curitiba tem uma grande tradição de artes e ofícios, porque tem uma imensa população de origem europeia. Tivemos sempre muito bons marceneiros, tecelões, pintores…

Não querem perder essa herança, certo?

Não, mas temos de dar-lhe uma capacidade de multiplicação que seja capaz de enfrentar a concorrência da China. A maioria das empresas de Curitiba trata-se de pequenos empreendedores, 97 % das empresas são pequenas. Para essas pessoas, queremos dar um novo olhar de qualificação para que eles possam continuar actuantes.

Como?

Abri um curso de empreendedorismo na Internet, começou em Setembro e a primeira jornada dura quatro meses. Temos 1000 alunos virtuais e 200 presenciais e toda a última semana de cada mês, o nosso teatro mais simbólico – Teatro Paiol [de pólvora] – explode de criatividade com as apresentações de jovens empreendedores, de start-ups, que mostram as suas ideias e eu vou assistir. E tenho ficado fascinado com quanta criatividade guarda a mente dos jovens curitibanos.

Podemos dizer que a sua estratégia é muito focada no empoderamento do cidadão.

Empoderamento dos cidadãos e inovação como processo social, mas sem perder as raízes, da terra. O Paraná é muito agrícola. Tenho 85 hortas urbanas na cidade e vou fazer uma horta urbana oficial, do município. As hortas urbanas são chamadas Hortas do Chef, cada chef adopta uma horta e uma comunidade para daí gerar empregos e rendas. Também acho que a inovação, como processo social, tem de chegar no campo, no saber viver, no saber comer… e não pode prescindir da justiça social.

É engenheiro urbanista de formação. Como vê a tendência tão tecnológica no conceito de cidade inteligente?

Se ela servir a grande maioria do povo e for compartilhada com todos, não se perderá. Se ela for fixada na perspectiva de bem de consumo, é uma coisa que se compra e vende, permanecerá como um privilégio e poderá não vingar.

É impossível não falar na actual situação política do Brasil. Considera que a nova presidência pode ter alguma influência nos seus planos para Curitiba?

Acho que não. O presidente do Brasil foi eleito pela maioria do povo e deve ser respeitado, a população deu um recado de que legitimava o julgamento do ex-presidente pela Operação Lava Jato, a esquerda exagerou. Avançou sinal e foi punida pelo voto.

Curitiba representa a Fira [organizadora do Smart City Expo World Congress] no Brasil, com o Smart City Expo Curitiba, que se realizou pela primeira vez em 2018 e regressa agora, nos dias 21 a 22 de Março. Como foi essa experiência?

A Fira trazida a Curitiba gerou empregos e rendas, mobilização para o sector da inovação, provocou tanto a prefeitura como as empresas para olharem esse lado da cidade. As casas históricas estão ganhando QR Codes com a sua história, feitos pelos alunos da escola tecnológica do Paraná. Eu gostei tanto da Fira que a convidei para abrir a festa de 326 anos da fundação Portuguesa de Curitiba, como Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, que recebeu a visita de Rafael Pires Pardinho em 1721. Vamos abrir os festejos dessa Curitiba lusitana com a inovação que é internacional, mas que eu quero que seja também curitibana.