“Comida, agricultura e diversão” fazem parte do pacote de experiências proposto pelo CO Project Farm. O primeiro “brain spa” de Portugal abriu as portas numa quinta biológica perto de Tomar e, para além de uma pausa ao stress citadino, é um convite à experiência, à criatividade e ao conhecimento sobre o ambiente rural. Tudo isto com zero desperdício e em total equilíbrio com a natureza.
É na Serra, nos arredores de Tomar, que se “constrói”, desde 2017, o CO Project Farm. Nesta quinta centenária, os últimos domingos de cada mês são “dias da comunidade”. Abrem-se as portas e os visitantes podem conhecer e desfrutar do espaço, experimentar, aprender, trocar ideias, ao mesmo tempo que participam nas várias actividades programadas, que vão desde a agricultura orgânica, à fermentação ou à cozinha sem desperdício.
Para o primeiro dia aberto de 2019, que teve lugar a 30 de Junho, esperavam-se cerca de 15 pessoas. O início estava marcado para as 11 da manhã, mas, ainda antes de o ponteiro chegar ao seu destino, apareceram, de rompante, os convidados. Entre miúdos e graúdos, vieram famílias e amigos em número suficiente para preencher a mesa do almoço. “Bom dia, bem-vindos”, exclama Leyla Acaroglu, anfitriã e fundadora do CO Project Farm. Primeira missão do dia? Preparar o almoço com os ingredientes produzidos na quinta e numa lógica de desperdício zero. O menu?! Não podia ser melhor: pizza! Entre preparar a massa, “acender” o fogo no forno de lenha, fazer o molho suculento e organizar as entradas, todos tiveram uma tarefa. O objectivo é participar, aprender e levar dali um pedaço de conhecimento que possa tornar a nossa vida mais sustentável.
A propriedade está a ser recuperada e transformada numa quinta de ecoturismo e “brain spa”. O conceito é inovador, mas, ao conhecer o percurso de Leyla Acaroglu, é fácil imaginar o que este vem propor. Oriunda de Melbourne, na Austrália, Leyla é, hoje, uma empreendedora social reconhecida internacionalmente. Designer e socióloga, desenvolveu o Método de Design Disruptivo, no qual convida à resolução dos problemas “aprendendo a amá-los”, e fundou a UnSchool, que ensina e estimula a mudança criativa. Tem dado nas vistas como promotora da sustentabilidade, sendo que, em 2016, as Nações Unidas distinguiram-na como Champion of the Earth e as suas palestras têm incentivado centenas de pessoas em todo o mundo. De Melbourne, voou para Nova Iorque, e, agora, passa algum do seu tempo na Serra, transformando aquela quinta num “laboratório de aprendizagem vivo” para todos que ali vão e dando forma ao CO Project Farm.
“Food, farming and fun”
“Porquê Tomar, porquê Portugal?”. A pergunta impõe-se, mas Leyla confessa-se cansada de a responder – “Imagino que se tivesse escolhido o Sul de França, ninguém me perguntaria porquê, mas a verdade é que gosto de fazer as coisas de forma diferente e, há dez anos, visitei Portugal em férias e gostei muito”. Já a escolha desta quinta em particular foi um tanto ou quanto “aleatória”. Queria um ambiente rural, pouco explorado, ou uma propriedade que tivesse áreas dormentes. Pesquisou na Internet e foi ali, na Serra, que encontrou esta quinta. “É uma propriedade maior do que estava previsto e mais cara também, mas, quando cá vim, apaixonei-me por ela!”. Habituada a “transformar” as coisas, a australiana rapidamente viu um enorme potencial não só nos edifícios velhos e no lagar por reconstruir, como nos terrenos circundantes, que permaneciam sem utilização. A propriedade tinha mais de 100 anos e, depois de ter pertencido a uma família, estava, na altura, nas mãos da paróquia, ao abandono. Este era um local perfeito para “criar um projecto com impacto positivo”.
A renovação dos edifícios – onde hoje ficam os quartos para os hóspedes, a adega-bar para os workshops de fermentação (aprender a fazer kombucha) ou a cozinha-laboratório (antigo estábulo) – foi feita tendo em vista o mínimo impacto possível e com mão-de-obra local. A reconstruir há ainda o lagar, mas esse é o grande desafio do futuro próximo. Usando materiais reciclados e reutilizando maior parte do mobiliário, é um “edifício totalmente circular”, diz Leyla, com orgulho. O mesmo princípio se aplica à sua utilização, como acontece, por exemplo, com a água: os produtos de higiene que são fornecidos aos hóspedes não dispõem de químicos, de forma a que essas águas cinzentas possam ser usadas para a rega. A piscina, por sua vez, dispensa qualquer cloro e, dividida em três secções, recorre a sistemas de filtragem naturais que preservam a água apta para banhos. Juntamente com o charco que existe na propriedade, esta piscina serve também de dispositivo de emergência contra incêndio. Do alpendre, onde a mesa do almoço se estende e o forno a lenha aquece, o panorama é, no seu modo rústico, encantador: as hortas orgânicas dividem-se em culturas bem cuidadas e apetecíveis; a estrutura de metal do moinho ergue-se no céu azul, rodando à força do vento; enquanto, ao fundo, o charco transmite tranquilidade, assegurando a água para dar vida à agricultura e para matar a sede dos animais. Galinhas, patos, cabras, um casal de burros e Puppy, o cachorro “terrorista”, fazem também parte desta equipa, dando, cada um, o seu contributo neste ecossistema. Por último, imensas oliveiras e outras árvores de fruto dão o toque final nesta aguarela.
Aprender a viver sustentável num formato contemporâneo
A quinta apresenta-se como uma unidade de ecoturismo, mas servir de alojamento não é a sua principal missão. Enquanto brain spa, o objectivo é restaurar as forças ao mesmo tempo que se estimula a criatividade, aprendizagem e a mudança para hábitos mais sustentáveis, tendo como pano de fundo a ligação com a natureza. Usando os motes da agricultura orgânica de pequena escala, regeneração do solo, preservação da comida e fermentação, a equipa do CO Project Farm convida a interiorizar a premissa “dar mais do que aquilo que se retira” e aplicá-la nos vários sistemas com os quais interagimos. Isso é transmitido através dos vários programas, workshops e experiências que ali acontecem. “Estas actividades são metáforas para muitas coisas, por exemplo, cozinhar com desperdício zero é uma forma de incentivar as pessoas a dar novos usos a coisas que iam deitar fora. E o que isso nos diz sobre a forma como tratamos as pessoas nas nossas vidas?! As actividades práticas têm também um elemento filosófico associado”, explica Leyla.
Para a socióloga, “não podemos esperar que tudo nos seja dado, temos de contribuir” e é urgente reflectir sobre a nossa postura no mundo. “Substituímos valor e comunidade com bens de consumo. Uma vez que somos animais sociais, temos uma necessidade de estar em contacto com os outros e, por isso, seguimos aquilo que os outros fazem à nossa volta. Se temos comunidades jovens onde toda a gente está só a comprar coisas e tudo o que mostram on-line é sobre o seu sucesso e estatuto associado a ter mais porcarias, é claro que vamos criar gerações hiperconsumistas”, lamenta. “Recebemos aquilo que damos. Não estou a dizer que podemos mudar isso amanhã, mas podemos criar sistemas de valor diferentes sobre o que é o sucesso e o que não é”.
Para além de ser um espaço para “a comunidade passar tempo, se encontrar, conectar e aprender coisas novas”, o CO Project Farm espera ter um impacto económico positivo ao nível local, sendo que a organização frequente de programas de um dia foi uma decisão consciente nesse sentido. “Se alguém nos visitar para um desses programas, vai também a outros locais! Não queremos bloquear a actividade económica só na quinta”, esclarece. Adicionalmente, há também um impacto cultural, nomeadamente no que se refere à agricultura orgânica, e com o qual a iniciativa pode mesmo vir a ser “um caso de estudo”.
Todavia, para a mentora do projecto, o propósito derradeiro é o de servir de inspiração. “Quero ser copiável, inspirar as outras pessoas a fazer algo semelhante”, responde Leyla e não se refere (apenas) ao viver numa zona mais rural com os benefícios que lhe estão associados, mas, acima de tudo, à possibilidade de “proteger o solo da exploração”. “É um problema mundial”, diz, “ajudar na preservação de um pedaço de terra, pequeno ou grande é algo muito poderoso que podemos fazer, mesmo não tendo muito dinheiro, podemos ter um impacto positivo. Queria ver mais pessoas interessadas nestas experiências rurais contemporâneas”.
Entre a vida em Nova Iorque e a vida em Tomar, Leyla Acaroglu desvaloriza as diferenças, mas confessa que, quando chegou, teve de ultrapassar a sua “arrogância” enquanto pessoa da cidade. “Fui posta no meu lugar umas quantas vezes e estou agradecida por isso!”. Leyla admite ainda que a ideia do CO Project Farm foi também um “repto para a disrupção” na sua vida. “Esta quinta dá-me a oportunidade de fazer algo que não iria fazer noutras partes do mundo. Nas várias fases da nossa vida, procuramos coisas diferentes, mas devemos sempre desafiar-nos a aprender coisas novas e é o que estou a fazer aqui: criar um ambiente diferente”. E não é preciso que seja numa grande cidade para ser entusiasmante – “Sabias que Tomar tem uma competição de wakeboard?! E que, no Verão, tem bandas a tocar todos os fins-de-semana?! E sabes que existem quatro lojas de tatuagens?! É verdade, Tomar é uma cidade fixe e o nosso projecto sente-se muito bem-vindo aqui!”, exclama.