A pandemia de covid-19 e as medidas tomadas para tentar travar a sua propagação estão a trazer mudanças profundas ao funcionamento de entidades públicas e privadas. Neste novo contexto, em que as pessoas não devem sair às ruas, o teletrabalho se tornou prática comum e as cidades estão cada vez mais a recorrer a soluções de governação digital, a “nuvem” ganhou uma importância sem precedentes. Bruno Santos Amaro é co-fundador e CEO da Vawlt, uma ferramenta “assente em deep tech que visa simplificar, tornar seguro e optimizar o armazenamento de dados sensíveis na cloud”, e falou à Smart Cities sobre a resposta que está a ser dada nesta matéria e como estas mudanças podem acelerar a transição digital das estruturas governativas urbanas.

Nunca precisámos tanto da cloud como agora. Estávamos preparados para uma situação destas?

A resposta directa é que, em geral, não. O movimento da cloud nos últimos anos tem sido declaradamente crescente nas suas diversas vertentes, desde o armazenamento de dados até às ferramentas de comunicação e colaboração. As empresas têm vindo a aderir progressivamente a estas ferramentas e a sua velocidade de adopção é, geralmente, função do seu sector, da sua dimensão e do seu orçamento. Na nossa percepção, empresas mais pequenas e de sectores com menor intensidade tecnológica não estavam preparadas, em termos de ferramentas e de processos, para, literalmente, de um dia para o outro, mudarem a sua forma de trabalhar para um contexto remoto. Esta situação forçou uma rápida adaptação e adopção destas ferramentas de trabalho, e aqui o risco é esta urgência levar a que sejam descurados alguns princípios básicos de segurança das pessoas e dos dados.

Neste novo contexto, o que deve ser assegurado em termos de segurança e privacidade dos dados, de forma geral? Há questões diferentes para o público e o privado?

Existe, de facto, uma necessidade básica que não deve nunca ser posta em causa e que é a privacidade dos dados, principalmente os dados pessoais, seja enquanto clientes de uma empresa, seja enquanto cidadãos, alunos, munícipes ou contribuintes. Empresas privadas e serviços públicos têm a obrigação e, simultaneamente, o desafio de assegurar, a todo o tempo, que qualquer estratégia ou ferramenta de colaboração remota que passem a utilizar segue os princípios básicos de cibersegurança e que são tomadas todas as acções necessárias para escudar estes dados da eventual exploração maliciosa por terceiros. No caso das empresas, acresce ainda a necessidade de assegurar a privacidade dos dados críticos do negócio e, por essa razão, deverão dar especial atenção ao repositório e partilha dos seus documentos estratégicos, financeiros e legais. Por sua vez, existe a preocupação de não perder produtividade, o que, por necessidade, desinformação ou negligência, resulta, muitas vezes, na adopção de processos, técnicas e tecnologias que descuram a privacidade dos dados. Estas decisões trazem normalmente grandes prejuízos às organizações no curto/médio prazo.

Quais são as principais necessidades, neste momento, para assegurar o funcionamento estável das empresas e dos serviços públicos?

As necessidades são diversas e abrangem desde as ferramentas que referi anteriormente até ao assegurar da infra-estrutura necessária (própria, ou cloud) para que essas ferramentas suportem o excesso de carga que se vai verificar neste período. É um grande desafio garantir a continuidade das actividades, uma vez que, nos contextos remotos, a comunicação é, na sua maioria, assíncrona, o que também é espelhado no acesso a documentos físicos, que, nesta altura, é limitado ou, em alguns casos, impossibilitado. Este cenário reforça a necessidade da existência de um repositório digital de acesso simples e seguro, que permita o trabalho colaborativo e que seja auditável e rastreável.

Estatisticamente, mais empresas e entidades públicas estão a contactar com ferramentas e processos assentes na cloud, pelo que é expectável que uma fatia significativa possa adoptar soluções assentes em cloud de forma permanente, tendo percebido as suas vantagens: a automação, flexibilidade, a escalabilidade e a redução de custos operacionais e de manutenção”.

Quando pensamos nos serviços públicos, este movimento está muito associado ao conceito de cidade inteligente. Como avalia a resposta que o Estado e as entidades públicas estão a dar?

Temos sentido que existe uma resposta esforçada e que é tão mais sofisticada quanto os meios e o orçamento à disposição. Aqui, têm beneficiado as entidades que tinham já os seus serviços e comunicações assentes e maioritariamente focados nas redes digitais e que apenas precisaram de pequenos, ou nenhuns, ajustes – e, felizmente, são várias. Outras entidades públicas de menor dimensão, como algumas autarquias e juntas de freguesia, assentam habitualmente num contacto mais pessoal e presencial, nomeadamente para faixas etárias mais elevadas e, por consequência, mais infoexcluídas e essa adaptação é, talvez, o desafio maior que identificamos.

Na sua opinião, no que se refere à utilização da cloud, qual o cenário pós-pandemia que se pode antecipar?

Estatisticamente, mais empresas e entidades públicas estão a contactar com ferramentas e processos assentes na cloud, pelo que é expectável que uma fatia significativa possa adoptar soluções assentes em cloud de forma permanente, tendo percebido as suas vantagens: a automação, flexibilidade, a escalabilidade e a redução de custos operacionais e de manutenção. O cenário económico que resultar deste período terá um impacto significativo nas tomadas de decisão das empresas. Acreditamos que, para alguns casos, a adopção de uma estratégia assente em cloud contribuirá significativamente para a optimização de recursos e processos, contribuindo, assim, para aquele que já percebemos ser foco inicial das empresas: a manutenção dos postos de trabalho e a sobrevivência do próprio negócio.

Em consequência, como espera que este momento possa acelerar a transição digital da gestão das cidades?

Honestamente, gostamos de olhar para estes desafios também como oportunidades de aprendizagem e queremos acreditar que esta experimentação, ainda que forçada, servirá para as governações locais, regionais e nacionais fazerem um bom diagnóstico dos processos que poderão beneficiar de uma transição digital e das ferramentas que poderão ajudar nesse sentido. O incentivo é claríssimo, o desafio posterior será sempre enquadrar estas estratégicas e adaptá-las às diferentes realidades e dimensões orçamentais.