Foi dado a escolher ao povo britânico o nome de um moderno navio de pesquisa polar (de 300 milhões de dólares). Qual foi o nome escolhido? Boaty McBoatface, numa espécie de brincadeira que foi crescendo nas redes sociais. Menos de uma semana depois do anúncio do nome para o novo navio da agência britânica NERC (Natural Environment Research Council), o governo deu a volta à questão (não deve ter achado piada à brincadeira) e resolveu chamar-lhe “RSS Sir David Attenborough”, deixando o nome escolhido pelo público, ao contrário do prometido, para um submarino operado remotamente a partir do navio.
Envolver os cidadãos nas decisões das cidades é hoje um imperativo e traz bastantes benefícios. Todavia, há também casos em que este processo não corre (ou resulta) assim tão bem e são inúmeros os exemplos de citizen engagement (envolvimento dos cidadãos)em que isso acontece. Mas há razões muito concretas para este insucesso. O Smart Cities Council (SCC) tentou explicá-las num artigo recentemente publicado.
Há muito que pode correr mal quando uma cidade decide encorajar o envolvimento dos cidadãos. Iniciativas que causam mais frustração do que resultados, tanto para o cidadão como para as instituições públicas, são comuns num sistema complexo como o governo local.
Para além do navio britânico, o SCC dá outro exemplo: o sítio web MyCity.io, que convida os cidadãos a submeter os seus desejos para a cidade sem qualquer garantia de que o governo local os venha sequer a ler.
Já o “Mayoral Challenge Grants”, promovido pela Bloomberg, que convida centenas de cidades de todo o mundo a apresentar um problema sério e formas de o resolver, acaba por frustar os esforços de envolvimento dos cidadãos a longo prazo devido ao seu carácter limitador na abordagem ao foco do projecto, reduzindo a probabilidade de participação a larga escala dos cidadãos na comunidade, de acordo com o relatório da Bloomberg sobre inovação nas cidades europeias. A maioria das ideias submetidas, com o objectivo de aumentar a participação dos cidadãos, focavam-se de forma específica em como galvanizar as pessoas a agir em projectos no domínio do governo local. Mas estas ideias apresentavam uma tendência a centrar-se em esforços muito localizados, para tornar uma área mais arranjada ou melhorar os níveis de segurança num determinado local. Desta forma, os projectos limitam a oportunidade de envolvimento dos cidadãos em projectos de âmbito governativo mais alargado. Ao invés de ofereceram as ferramentas para uma participação de influência na governação, as propostas focavam-se em arranjar áreas ou serviços específicos.
Apesar do idealismo dos decisores políticos e organizações não governamentais, é uma tarefa árdua incentivar o envolvimento significativo dos cidadãos no espectro mais alargado das decisões governativas. No entanto, quando as iniciativas de envolvimento dos cidadãos têm sucesso, os benefícios podem ser enormes para a cidade: cidadãos satisfeitos, economia saudável e lucros crescentes.
O que corre mal com as iniciativas de envolvimento dos cidadãos?
Um dos maiores problemas apontado pelo SCC é a falta de feedback. Quando um cidadão se depara com uma iniciativa de participação que não apresenta, depois, resultados tangíveis ou benefícios directos, a sua desconfiança e frustração em relação à governação aumenta. Para que uma iniciativa de envolvimento dos cidadãos possa ter sucesso, os benefícios da sua participação devem ser claros. Para além disso, a participação dos cidadãos pode ter significados diferentes para realidades políticas diferentes, tanto ao nível dos cidadãos como dos governos.
De um governo tradicionalmente mais autoritário espera-se uma menor abertura em relação à possibilidade de participação cívica na governação, sendo o oposto esperado de um governo de grande tradição democrática. Neste último caso, os cidadãos têm a expectativa de que as suas vozes sejam ouvidas e as suas sugestões implementadas.
Outro dos casos paradigmáticos são as aplicações de interação entre governos locais e cidadãos. Aqui é necessário que a plataforma de participação ofereça uma gama ampla de serviços e não se foque apenas numa questão (ex. buracos na estrada). Para que uma aplicação deste tipo mereça ser instalada num telemóvel ou ser visita recorrente num computador, a interacção entre entidade municipal e cidadão deve revelar-se verdadeiramente útil para este último.
Da perspectiva governamental, os projectos de participação cívica não devem apresentar custos demasiado elevados em termos de necessidades de staff, atenção e recursos relativamente à utilidade dos dados gerados, sob pena de a autarquia abandonar o projecto. É, ainda, imperativo que seja efectuada uma apropriada gestão das expectativas. Se não é dada, por parte do governo, a atenção necessária a um projecto de envolvimento dos cidadãos, sobretudo quando estes estão, efectivamente, dispostos a participar, a agência municipal responsável corre o risco de ficar com má reputação, perdendo a confiança dos munícipes.