Se a sensação de risco impede os cidadãos de utilizarem mais a bicicleta, de que forma é possível garantir a segurança dos ciclistas e tornar as cidades seguras para quem opta pela mobilidade ciclável? A CycleAI é um projecto tecnológico que surge para responder a este desafio, através da inteligência artificial, colocando nas mãos dos utilizadores da bicicleta a melhoria da sua própria segurança. A ferramenta foi apresentada, esta semana, à comunidade internacional durante a Velo-City 2021.
Criada em Outubro de 2020 por Miguel Sampaio Peliteiro, médico, e Luís Rita, cientista de dados, a ferramenta CycleAI nasce com o propósito de informar os ciclistas sobre os locais mais e menos seguros de uma cidade, através da análise de imagens e da automatização de um processo de percepção de segurança para quem usa as duas rodas sem motor. Foi devido a um acidente de bicicleta sofrido por Miguel Peliteiro, em Maio de 2020, que surgiu a ideia de desenvolver uma ferramenta que garantisse a segurança dos ciclistas, e, em última instância, a melhoria das infraestruturas cicláveis dos municípios. Ao recorrer a algoritmos que mapeiam pontos de riscos e construindo mapas de segurança ciclável de alta resolução, este projecto pretende também diminuir a taxa de acidentes nas cidades e, no futuro, a uma escala global.
É a partir de ferramentas disponíveis opensource na Internet que a CycleAI consegue receber uma imagem e retirar uma pontuação de percepção de segurança. “Até agora, o que utilizamos são imagens do Google. Processamo-las para identificar o que é que cada uma dessas imagens contém – carros, pessoas, camiões – e, depois, com base nisso, traduzimos a presença desses objectos numa medida de segurança”, explica Luís Rita, responsável pela componente tecnológica da CycleAI. “Os nossos mapas de segurança, criados com o algoritmo que desenvolvemos, vão poder ser integrados em aplicações de planeamento de rotas, e não só dar à população a possibilidade de ir pelo caminho mais rápido e mais curto entre dois pontos, mas também pelo mais seguro. Já temos provas do grau de precisão em que ele está a trabalhar, que é nos 75%”, acrescenta.

Uma ferramenta co-criada
Para quem usa a bicicleta, esta ferramenta estará disponível através de um planeador de rotas, pelo que o algoritmo será integrado numa aplicação, à semelhança do que acontece com o conhecido Google Maps. Na conferência mundial Velo-City 2021, que se encontra neste momento a decorrer em Lisboa, Luís Rita e Miguel Peliteiro apresentaram os mapas de segurança que vão estar por trás do planeador de rotas.
Para a construção deste mecanismo automatizado, foram utilizados dados recolhidos a partir do sítio on-line da CycleAI, nomeadamente a partir do hotspot map, para validar a ferramenta, e do perception poll, para a treinar. No fundo, e como explica Luís Rita, foi com “base na contribuição das pessoas” que o projecto ganhou vida e se compromete, agora, a aprimorar o planeamento urbano e as políticas de segurança no trânsito. Para testar e validar o modelo que o projecto propõe, os utilizadores deste modo de transporte foram convidados a contribuir, ao partilharem os locais que consideram mais perigosos. “Estamos a empoderar o utilizador comum de bicicleta a lutar pela sua própria segurança, de uma forma simples”, explica o co-fundador.
Embora este projecto conte com várias componentes, é na componente tecnológica que se centra o mecanismo por trás da CycleAI. “Não nos temos de limitar, no entanto, a executar uma imagem. Podemos processar [o algoritmo] em muito milhares ou milhões de imagens, e com isso construir mapas de segurança cicláveis para cidades inteiras, para países, desde que as imagens do Google Street View estejam disponíveis”, adianta Luís Rita. Contudo, a ambição do projecto vai além da parte meramente técnica, e traduz-se igualmente numa resposta aos desafios impostos pela União Europeia e outras organizações, no que respeita ao Green Deal e à agenda dos Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável.
“Tem-se feito um grande esforço para que as pessoas façam um shift nos modos de transportes utilizados, esforço esse que esbarra muitas vezes com o facto de a segurança rodoviária para a mobilidade suave não ser a melhor”, diz Miguel Peliteiro, co-fundador do projecto. No futuro, e em última instância, esta ferramenta poderá “proporcionar melhores infraestruturas a nível dos municípios”, ao permitir às autarquias identificar as zonas mais perigosas para andar de bicicleta, e estabelecendo uma “hierarquia, em termos de prioridades, sobre quais são as zonas em que mais prementemente é necessário introduzir infraestrutura ciclável”, explica Luís Rita.
Oficialmente, revela Miguel Peliteiro, a CycleAI está a participar no living lab do município de Aveiro, onde, em Outubro deste ano, será possível comprovar a usabilidade do produto em contexto real. Contudo, já deram entrada duas minutas de cooperação, ainda não oficializadas, para Braga e Lisboa. Sendo que o projecto está “completamente aberto a parcerias”, Luís Rita confirma que também não estão excluídas parcerias com o mundo académico.
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