A integração de elementos ambientais e de sustentabilidade tem sido uma das principais receitas do planeamento urbano para aumentar a resiliência climática dos municípios. Para apoiar a tomada de decisão nessas matérias, várias cidades europeias testaram uma ferramenta de cálculo que permite quantificar o contributo dos projectos para as metas climáticas municipais e cuja aplicação ao nível da fiscalidade verde pode incentivar os privados a optar por implementar soluções mais sustentáveis.

Mitigar os efeitos da crise climática e preparar a adaptação dos territórios a esta realidade fazem hoje parte das preocupações de quem planeia e gere as cidades. A integração de elementos verdes e azuis no espaço urbano tem sido uma das respostas do planeamento a esta preocupação, contribuindo não só para atenuar os impactos das alterações climáticas e aumentar a resiliência dos territórios, mas também para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, melhorando a qualidade do ar, reduzindo o ruído e diminuindo a poluição das linhas de água urbanas. Mas como avaliar e quantificar o impacto destes elementos no território e, assim, tomar decisões mais informadas sobre que soluções adoptar?

Algumas cidades europeias têm testado uma metodologia que permite responder a esta pergunta e que consiste no cálculo de um índice para os factores ambientais com base no seu contributo para os diferentes serviços de ecossistema e biodiversidade. A metodologia Blue-Green Factor (BGF) é ainda pouco conhecida em Portugal, mas é considerada pelos especialistas como uma “boa prática de governança para um desenvolvimento urbano integrado”. A sua aplicação pode resultar na definição de um requisito mínimo de elementos ambientais e de sustentabilidade para projectos ou assumir a forma de mecanismo de discriminação positiva de boas práticas através da fiscalidade verde municipal, o que pode ser particularmente útil para a execução dos programas de incentivo à transição climática que se avizinham.

A ferramenta é apenas uma parte da receita para uma maior sustentabilidade urbana, mas o seu resultado, defende o antigo presidente do Laboratório da Paisagem de Guimarães, Jorge Cristino, será o “aumento da qualidade de vida das pessoas, a diminuição da pegada ecológica, a promoção de sistemas sustentáveis e a protecção dos serviços de ecossistema e da biodiversidade urbana”.

Serviços de ecossistema: o que são?

Os serviços de ecossistema são os benefícios que as pessoas podem retirar das funções dos ecossistemas e podem ser agrupados em quatro categorias:

• Suporte – os serviços naturais necessários para a produção de outros serviços (formação do solo, ciclo de nutrientes, etc.);

• Aprovisionamento – produtos obtidos dos ecossistemas, como a madeira, água ou alimentos;

• Regulação – benefícios que resultam da regulação e controlo sobre os processos naturais, como a purificação do ar, filtragem da água, regulação climática através da captura de carbono;

• Culturais – todos os benefícios e experiências que se obtêm na proximidade à natureza em actividades de lazer e recreio, turismo, reflexão ou contemplação da paisagem.

Uma ferramenta de cálculo de inspiração nórdica

Alguns anos antes de ser proclamada Capital Verde Europeia 2019, Oslo desenvolveu e testou a metodologia BGF como instrumento de planeamento para ajudar a controlar a ocorrência de cheias na cidade e, assim, melhorar a adaptação às alterações climáticas. Com base num sistema de critérios técnicos que avalia a importância de cada serviço de ecossistema, a ferramenta atribui uma pontuação aos diferentes elementos verdes e azuis, tendo em conta o objectivo pretendido – que, no exemplo norueguês, se prendia com a regulação hidrológica.

Através de uma folha Excel e de uma aplicação móvel, o rácio entre a soma da pontuação dos elementos verdes e azuis previstos e a área total em causa é calculado, resultando num indicador BGF/m², que pode ser comparado entre diferentes projectos. A ferramenta foi testada e aperfeiçoada em diversos casos de estudo na cidade, e pretende-se que o seu uso, voluntário, não se limite ao sector público, com os promotores privados a serem incentivados a aplicar a ferramenta nos seus projectos e quantificar, assim, o seu contributo para os objectivos climáticos do município.

Oslo não é a única a aplicar o uso de um mecanismo semelhante. Cidades como Helsínquia, Berlim, Malmö, Seattle ou Toronto têm também experiências com este tipo de índices. Na capital finlandesa, com o objectivo de “mitigar os efeitos da construção através da manutenção de um nível suficiente de infraestrutura verde enquanto se melhora a qualidade da vegetação remanescente”, foi desenvolvido o Green Factor, neste caso, como forma de mitigação das alterações climáticas reduzindo as áreas impermeabilizadas e aumentando os elementos verdes para captação de emissões.

A ferramenta, que calcula o rácio entre a área verde e a área construída total de um lote, foi testada em Kuninkaantammi, uma zona residencial piloto, com edifícios de dois a seis pisos. Para o empreendimento, cuja área construída total era 10 8000 m² num lote com 9 500 m², foi definido um objectivo para o factor verde de 0,8 (mínimo 0,7) e a obrigatoriedade de preservar, pelo menos, um dos elementos remanescentes dada a existência de um corredor verde nos limites do lote. O projecto explorou três opções para as áreas exteriores com diferentes níveis e combinações de elementos de vegetação, cada um correspondendo a um factor verde variando entre “média” (0,7), “mais ecológico do que o habitual” (0,9) e “muito ecológico” (1,1).

Mais tarde, o instrumento voltou a ser explorado num outro projecto na cidade, iWater, passando a incluir, para além dos elementos verdes, elementos de águas pluviais e melhorando a sua usabilidade, acabando por ser também usado nas cidades parceiras da iniciativa – Riga, Jelgava, Tartu, Gävle, Söderhamn e Turku. No entanto, em nenhum dos casos esta foi integrada nos códigos ou regulamentos municipais.

Adaptar a metodologia ao modelo português

Qualquer uma destas ferramentas é, em primeira instância, um instrumento de apoio ao planeamento, que, ao nível do ordenamento do território, “promove a criação de mais espaços verdes e azuis e a construção e requalificação de edifícios com maior sustentabilidade e eficiência”, explica Jorge Cristino. No entanto, e uma vez que “tem influência prática e directa nas componentes financeira e de obra”, pode também ser usada como “um modelo económico-financeiro” que torna os “serviços de ecossistema tangíveis”. De que forma? “A medida começa pela quantificação dos elementos que incrementam as áreas verdes ou azuis, ou mesmo as de eficiência energética, desincentivando-se a impermeabilização dos solos nas áreas de construção, sendo os promotores discriminados positivamente através de benefícios fiscais municipais ou incentivos financeiros”, esclarece.

As diversas experiências internacionais têm adaptado a metodologia às suas necessidades locais, com foco naquilo que são os desafios dos seus territórios. Para o caso português, Jorge Cristino, cujo trabalho de investigação se tem centrado no papel das cidades na governança global, defende uma “evolução” e, em vez de BGF ou de um Green Factor, propõe uma versão adaptada às necessidades locais: o Eco-Factor. “A ideia de esta ferramenta se denominar como Eco-Factor serve para potenciar a capacidade de abranger e integrar mais áreas que optimizam os territórios urbanos do ponto de vista do desenvolvimento sustentável, ou seja, permite que sejam introduzidas soluções do ponto de vista da eficiência energética, na área da mobilidade sustentável, do uso eficiente de recursos e materiais, na componente de resíduos e da economia circular, da agricultura urbana sustentável, entre outros, para além dos espaços verdes e azuis propriamente ditos”, argumenta.

Graças à sua elasticidade, será possível personalizar a metodologia consoante a densidade urbanística e as prioridades de planeamento dos territórios. “Os rácios e os factores de ponderação podem ser diferentes se queremos valorizar mais a colocação de árvores ou a requalificação de linhas de água, de telhados verdes, ou a implementação de ilhas ecológicas, de painéis fotovoltaicos, de uma ciclovia, de aproveitamento de águas pluviais ou o uso de materiais reciclados”, ilustra. Ao prever uma discriminação positiva pela adopção de boas práticas, o mecanismo acaba por aplicar à construção um conceito já praticado pelas autarquias noutras áreas, como, por exemplo, na mobilidade, com as isenções de pagamento de estacionamento para veículos eléctricos ou incentivos à aquisição de bicicletas. A solução pode também apoiar o desenvolvimento dos mercados locais de carbono, servindo como uma “primeira medida justa que agrega as componentes fiscal e ambiental na área da construção e reabilitação”, sugere o especialista.

O que é, então, preciso para que os municípios portugueses adoptem esta ferramenta? Para Jorge Cristino, sendo esta uma metodologia “disruptiva”, a principal barreira à sua adopção deverá estar na vontade e comprometimento dos decisores políticos, ao que se soma alguma “complexidade técnica e jurídica na implementação de uma solução integrada” que atravessa várias áreas municipais.

Em teoria, a proposta parece interessante para os promotores, que seriam compensados com uma redução de custos e uma valorização do seu empreendimento. No entanto, na prática, em Portugal, há um outro obstáculo que, por agora, inviabiliza a adopção de uma ferramenta deste tipo: o desconhecimento. Ao que a Smart Cities apurou, do lado dos promotores, este é um tema que não levanta curiosidade, uma vez que estes não reconhecem o interesse da generalidade dos municípios nestas ferramentas.

Em Torres Vedras, a sustentabilidade tem “desconto”

Mesmo sem um exemplo de aplicação directa da metodologia, é possível encontrar em Portugal pontos de contacto com a proposta. Desde 2016, o regulamento municipal de taxas e licenças de Torres Vedras tem prevista uma redução de taxas para operações urbanísticas de construção que disponham de certificados ambientais ou contemplem medidas de eficiência no uso de recursos (energia, água ou uso de materiais reciclados ou com elevado desempenho ambiental).

A inspiração, contou Carlos Bernardes, em entrevista à Smart Cities pouco antes do seu falecimento, surgiu com a criação do Centro de Educação Ambiental municipal, desenhado segundo “um modelo de construção sustentável” e que acabou por servir de “living lab” na cidade. “Isso levou-nos a olhar para aquele edifício ainda em projecto, a construí-lo e perceber que havíamos aqui de dar o nosso contributo como montra tecnológica e, a partir daí, [permitir] também [que] os próprios privados, ao fazer o licenciamento do seu edifício ou moradia, pudessem ter um regime de incentivos que os motivasse a dar esse passo”, revelou o presidente da câmara municipal torreense, entretanto, falecido.

Segundo o autarca, o regime de incentivos fiscais “extremamente atractivo” permite que se possa tirar partido dos recursos naturais do território, como é o caso da geotermia, sendo esta uma preocupação que se nota “cada vez mais” tanto nos particulares, como nos promotores. “Há uma consciência colectiva de que os bens e recursos são escassos e, por isso, há que apostar na construção sustentável”, avançou. Das soluções mais comuns, como o aproveitamento da energia solar, Carlos Bernardes deu outro exemplo mais original: uma casa sustentável que está a ser construída com pneus reciclados na localidade de Sirol. “Para licenciar uma habitação nestas condições, há que ter visão estratégica de futuro. [Estes] São bons exemplos e que espero que tenham o efeito de contaminação”, concluiu.

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 31 da Smart Cities – Abril/Maio/Junho 2021, aqui com as devidas adaptações.