Giardini na bruma… | Fotografia de Agata Wiórko
Qualquer percurso pela Bienal de Veneza – seja de pavilhão em pavilhão, seja ao atravessar a exposição principal nos Giardini e no Arsenale – faz tanto mais sentido quanto mais soubermos relacionar pequenas e grandes narrativas, tendências culturais e acontecimentos praticamente invisíveis. Sendo este equilíbrio o objectivo desta breve ‘visita guiada’, convido os leitores a estabelecer relações produtivas entre coisas que, à partida, poderiam parecer distantes; seja a Bienal essa montra de ideias e prácticas projectuais que, pelo mediatismo e investimento, vale sempre a pena conferir. Até 24 de Novembro.
PARTE IX
Uma das dimensões mais interessantes de cada Bienal é finalmente o próprio enquadramento curatorial. Perceber-se se soube estimular as participações-chave e enquadrar aquelas que não têm tantos meios. A 58.ª Bienal de Arte de Veneza oferece, debaixo do ‘chapéu de chuva’ de um slogan bastante vago – May you live in interesting times – um potencial de narrativas artísticas que se unem de forma complexa e rica, porventura até para além do discurso habitual dos profissionais. E isto diz mais da força simultaneamente sensível e argumentativa da arte que o próprio discurso oficial (do curador Ralph Rugoff), cujo objectivo (meritório) foi assumidamente não muito mais do que o de tornar a arte parte do discurso comum.
Can’t Help Myself, de Sun Yuan e Peng Yu. | Fotografia de Agata Wiórko
Microworld, de Liu Wei. |Fotografia de Mário Caeiro
Nos espaços exteriores do Arsenale, poderíamos alongar-nos sobre a pertinência (ou a obscenidade) de instalar a seco a ruína de um cargueiro em que morreram dezenas de refugiados no Mediterrâneo. Na exposição principal, poderíamos ter destacado as magnânimas instalações de Arthur Jaffa ou Liu Wei, o monstro tecnológico de Sun Yuan e Peng Yu… Can’t Help Myself é porventura um exemplo perfeito do sublime mecânico.
Lc 15: 11-32, instalação da responsabilidade do realizador cinematográfico Alexander Sokurov. No pavilhão da Rússia. | Fotografias de Mário Caeiro
Barca Nostra, de Christoph Büchel. Carcaça-testemunho de centenas de mortes. | Fotografia de Mário Caeiro
Poderíamos ainda ter falado dos intrigantes mecanismos da percepção no obscurecido pavilhão da Rússia. Ou das luminosas imagens, simultaneamente documentais e poéticas, das actividades quotidianas dos povos da tundra ártica no Pavilhão da Finlândia (pelo Miracle Workers Collective), em torno do milagre e do maravilhamento, um tema que a agenda da Arte Contemporânea continua a hesitar em abordar de forma definitiva.
No Pavilhão do Japão, é, aliás, também de (uma narrativa de) maravilhamento que se fala, e mais não digo… pois o mistério tem segredos de grande beleza. Mas os caracteres são contados (mesmo aqui, no infinito da web) e temos de fechar.
Até 24 de Novembro, a Bienal espera por quem aceite o desafio de aprendermos a reconhecer os viver tempos interessantes em que vivemos.