Leonor Antunes no Palazzo Giustinian Lolin. | Fotografia de Agata Wiórko

 

Qualquer percurso pela Bienal de Veneza – seja de pavilhão em pavilhão, seja ao atravessar a exposição principal nos Giardini e no Arsenale – faz tanto mais sentido quanto mais soubermos relacionar pequenas e grandes narrativas, tendências culturais e acontecimentos praticamente invisíveis. Sendo este equilíbrio o objectivo desta breve ‘visita guiada’, convido os leitores a estabelecer relações produtivas entre coisas que, à partida, poderiam parecer distantes; seja a Bienal essa montra de ideias e prácticas projectuais que, pelo mediatismo e investimento, vale sempre a pena conferir. Até 24 de Novembro.

PARTE VII

A seam, a surface, a hinge or a knot [Uma costura, uma superfície, uma dobradiça ou um nó] é o nome da exposição de Leonor Antunes,  com curadoria de João Ribas. Traduz a decisão da artista de reflectir sobre o legado de nomes fundamentais da arquitectura (uma sua recorrente paixão) a partir da escala do objeto artesanal e da noção de craft. A artista é conhecida pela forma como articula a(s) história(s) da arte, da arquitectura e do design a partir de uma conscientização produtiva dos objectos quotidianos (que ela traduz em esculturas ‘abstractas’.

O acto é de grande confiança e destreza; somos confrontados com peças que funciona como uma espécie de declinações da linguagem arquitectónica de Carlo Scarpa, Franco Albini e Franca Helg edo legado de figuras  como Savina Masieri e Egle Trincanato, nomes fundamentais numa ideação de Veneza para além do Antigo e Turístico. No belíssimo Palazzo Giustinian Lolin – que Leonor Antunes ‘limpou’ de adereços por forma a permitir o máximo atravessamento da luz – as peças funcionam como presenças (véus, redes) acentuadamente verticais, quais desenhos no espaço, cuja materialidade diáfana acaba por dar dos seus materiais – o metal, a cortiça, o cabedal, o vidro – uma dimensão experiencial rara e sensível.

A aliança entre um curador de enorme profissionalismo, uma artista absolutamente competente no que faz e um espaço belíssimo mas em que – como a própria artista fez questão de afirmar – foi difícil fazer a intervenção, resultou numa exposição assaz conservadora, não desprovida de charme, é certo, mas onde não há lugar para a surpresa.

Seja como for, as peças representam um elegante encontro entre a arte conceptual e uma fenomenologia do artesanal como que nos lembrando de uma utopia modernista sempre adiada, já que algo de essencial se foi perdendo (de vez?) com a industrialização desmesurada.