Uruguai. La Casa Empática de Yamandú Canosa. | Fotografia de Agata Wiórko

 

Qualquer percurso pela Bienal de Veneza – seja de pavilhão em pavilhão, seja ao atravessar a exposição principal nos Giardini e no Arsenale – faz tanto mais sentido quanto mais soubermos relacionar pequenas e grandes narrativas, tendências culturais e acontecimentos praticamente invisíveis. Sendo este equilíbrio o objectivo desta breve ‘visita guiada’, convido os leitores a estabelecer relações produtivas entre coisas que, à partida, poderiam parecer distantes; seja a Bienal essa montra de ideias e prácticas projectuais que, pelo mediatismo e investimento, vale sempre a pena conferir. Até 24 de Novembro.

PARTE V

O Paquistão é uma estreia em Veneza. Da responsabilidade de Naiza Khan, é mais uma reflexão sobre o território. O trabalho da artista baseia-se em investigação crítica, documentação e mapeamento, focando-se na relação do espaço público com a história. Nesta linha de uma investigação-acção, o que vemos em Veneza são, por um lado, belíssimas ‘maquetas’, híbridos de objectos escultóricos e representação geográfica, registando a evolução de um lugar: a ilha de Manora. Por outro, reflexões visuais sobre outras cidades no mundo, realizadas através da combinação de tecnologia com o craft tradicional. Khan encena este seu papel de artista-mediadora na instalação no pátio, em que podemos interagir com o um telescópio à procura… do que quisermos procurar. Neste jogo de busca e sedução, as peças da primeira sala são particularmente interessantes, já que demostram a condição de mutabilidade dos estados atmosféricos e geográficos. Afinal, o clima conta.

Estreia do Paquistão, pela mão de Naiza Khan. | Fotografia de Mário Caeiro

A questão do território como plano da co-existência social é o tema do colectivo de artistas Isuma, representando o Pavilhão do Canadá.  É uma oportunidade para celebrar o Ano das Línguas Indígenas, com uma vídeo-instalação dedicada ao quotidiano (e ao futuro próximo) do povo Inuit. É a primeira vez que tal acontece. No essencial, são explicitadas – aos nossos olhos naturalmente distantes daquelas realidades – processos de violenta deslocação, vividos por pessoas concretas. Em One Day in the Lufe of Noah Piugattuk é recriado um encontro, acontecido em 1961, quando uma família Inuit foi forçada a deslocar-se para fora dos seus domínios. Precisamente do mesmo lugar, 58 anos depois, Isuma emite o webcast Silakut Live from the Foe Edge, na altura exacta em que uma companhia de minério planeia um caminho de ferro que destruirá o habitat das comunidades de Igloolik e Pond Inlet.

Por outras palavras, o passado – o momento em que a sociedade moderna se constituiu, modelada pelas instituições coloniais – traz sempre lições sobre o futuro, quer queiramos quer não. A arte – aqui um activismo media – procura forjar redes de resiliência bem para além dos estritos limites de cada território em risco.

Há sempre aquelas participações que sem impressionarem pela escala permanecem na memória pelo cuidado ético. É o caso do Pavilhão do Uruguai, transformado pelo artista Yamandú Canosa em La Casa Empática. A instalação responde de forma simbólica a um importante desafio que se coloca hoje à sociedade: como articular o espaço da casa, do lar de cada um, com o da infraestrutura sócio-geográfica. Canosa parte do universo visual da sua própria biografia e quando entramos percebemos que o edifício está transformado num dispositivo para se perceber como na vida do artista – e por extensão de cada um de nós – se interligam os mecanismos da identidade (desde logo de onde sou, onde vivo) e da subjectivação (como torno meu o mundo, através da minha mobilidade, das paisagens que atravesso).

Em tempo de edificação de muros, é curiosa a literalidade da proposta – cada parede (muro em castelhano) é explicitada como Sul (por onde entramos, significativamente), Este, Norte e Oeste e assim e como se o pavilhão se desmaterializasse a partir da noção de (ausência de) fronteira). Ou seja, no interior, o artista desenha perceptivelmente uma linha (o horizonte comum) a toda a volta e estamos fisicamente envolvidos nesta cartografa de referências pessoais, concretizada em múltiplas técnicas (pintura, fotografia, colagem). E é em suma muito subtil e eficaz forma de abordar o tema da instabilidade das identidades contemporâneas – e em concreto a questão sempre premente da miscigenação.