Quando pensa em Barcelona, o que lhe vem à cabeça? Cosmopolita, densa, vibrante, diversa, inovadora e inteligente são alguns dos adjectivos que jogam bem com a cidade e é possível senti-los nas ruas. Os fãs de futebol pensam, com certeza, em Messi e em Camp Nou, enquanto os olhos dos arquitectos brilham só de pensar nas extravagâncias de Gaudí, já os urbanistas recordam o Plano Cerdà e vibram com os superblocks contemporâneos e a transformação que estes estão a provocar no espaço público. Os fãs das tecnologias pensam no Mobile World Congress e os entusiastas das cidades inteligentes no Smart City Expo World Congress.

Mas nem todas as emoções são positivas. Há o turismo excessivo (e os que se aproveitam dele) e a especulação imobiliária, que, há largos anos, colidem com os direitos à cidade e à habitação de quem chama Barcelona sua casa. Nas últimas semanas, a cidade tem sido palco de manifestações e protestos. A reivindicação da independência da Catalunha não é novidade, mas a recente condenação dos líderes deste movimento voltou a agitar os ânimos. Os tumultos, nalguns casos, violentos, mancham as ruas da cidade. Quais os efeitos que isto terá na reputação da cidade? Será que o espírito reivindicativo é entendido como sinónimo de insegurança ou faz já parte da personalidade e, até, encanto catalão? Questões como estas são acompanhadas de perto pelo barómetro de resiliência da marca-cidade de Barcelona. A finalidade é avaliar e monitorizar a forma como diversos eventos, positivos e negativos, afectam a imagem desta urbe.

Desde Junho de 2017, a Summa Branding é a entidade responsável pela actual imagem “Barcelona” e, para explicar como se constrói uma marca-cidade de sucesso, organizou, a 16 de Outubro, uma conferência em Lisboa, no Centro Cultural de Belém, que contou com representantes da empresa e Jordi Hereu, um dos alcaldes de Barcelona no período pós-olímpico.

A cidade em transformação e o seu projecto

“Uma cidade não é uma marca, mas pode ter uma marca. Uma cidade é muito mais complexa do que isso”. As palavras de Conrad Llorens, fundador e CEO da Summa Branding, denunciam a dificuldade da tarefa. Definir uma estratégia de city branding não é apenas criar um logótipo ou uma campanha de comunicação, mas passa pela construção e gestão de uma identidade, diz. “Trata-se de algo com significado para as pessoas, que não reduz a complexidade de uma cidade, mas sintetiza”.

Segundo o especialista, “investigar, conhecer, explorar em profundidade” são os primeiros passos para dar forma à marca de uma cidade, de modo a criar uma proposta de valor “clara e focada, distinta, sustentável e atraente”. Quantos mais pólos se conseguirem activar, mais rica vai ser a marca da cidade, numa perspectiva “poliédrica”, mas que tem, sob risco de fracasso, de corresponder à realidade do território. Por esse motivo, defende Llorens, criar uma marca-cidade é um “projecto colaborativo”, no qual todos devem estar envolvidos e cuja coordenação deve ser assegurada por órgãos público-privados.

Para a criação destas iniciativas, há momentos mais oportunos do que outros, durante os quais os recursos, nomeadamente financeiros, estão disponíveis. É o que acontece quando uma cidade é anfitriã de um evento internacional. Foi o caso de Barcelona, na década de 1990, quando a cidade levou a cabo uma tremenda transformação para receber os Jogos Olímpicos de 1992.

Entre os anos 2006 e 2011, Jordi Hereu ocupava o cargo de alcalde da capital catalã. A Barcelona da sua juventude, há cerca de 30 anos, não é a mesma dos nossos dias. Embora tivesse já as linhas de Cerdà, era uma cidade industrial, com os impactos negativos que isso acarreta. A entrada de Espanha na, então, Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986, e a possibilidade de organizar os Jogos Olímpicos em 1992 colocaram a capital da Catalunha num novo curso de pujança económica e projecção internacional. Barcelona não seria mais a mesma e a sua marca evoluiria da mesma forma. “É a prova de que a mudança é possível, através do projecto”, afirma convicto.

Para o ex-governante, a palavra chave é “projecto”, algo que é alheado da política e que é preexistente e posterior à alcaldía. “Tem de haver uma realidade urbana e um projecto por trás”. Hereu vê isto como uma espécie de círculo virtuoso, “uma cidade com identidade será projecto, que será, por sua vez, identidade”. Conhecer a realidade (legado) e construir o projecto vão permitir transformar a cidade.

Debaixo do chapéu capitalista, os efeitos sociais nefastos e a prevalência dos interesses económicos das marcas-cidade são argumentos das posições mais críticas. Para além disso, há sempre o risco de uma imagem de marca não corresponder à sua realidade. “Se a cidade não é o reflexo do projecto partilhado, então, não é marca, trata-se de propaganda”, alerta o especialista. “Há uma corrente que diz que uma marca não é importante, mas isso não é verdade. Quem o diz ou não tem marca ou tem uma má. Fazer isto [transformação de Barcelona] só é possível porque há uma marca”, afirma.

“A cidade para realizar os projectos vitais”

Desde os Jogos Olímpicos de 1992, muitas mais transformações têm acontecido nas ruas de Barcelona, incluindo o seu posicionamento enquanto smart city, durante o mandato de Xavier Trias (2011-2015), e ciudad digital, mais recentemente, com a actual alcaldessa Ada Colau (2015-…).

A Summa Branding é, desde Junho de 2017, a responsável pela marca da cidade catalã. Durante a conferência em Lisboa, Jordi Mateu, director-geral da empresa, traçou, em linhas gerais, a estratégia em curso e que viveu logo momentos delicados, com o atentado terrorista em La Rambla em Agosto de 2017, e que sente continuamente os abalos da actual situação política. “Cidades é das marcas mais difíceis. Tem de ser um processo absolutamente colaborativo e não queremos lobbies, mas, sim, ideias que significam algo para as pessoas”, afirma.

Depois de um intenso trabalho de campo para identificar o “projecto” e dar continuidade à narrativa anterior, chegou-se a um entendimento: Barcelona “quer ser um modelo progressista que possibilite o crescimento pessoal e profissional e onde se desfrute de uma vida plena em todos os aspectos”.  Por outras palavras, “a cidade para realizar os projectos vitais”.

O trabalho resultou numa assinatura “participativa” – “alwaysBarcelona” – que pode ser usada por todos, com vários elementos. É uma referência às “múltiplas Barcelonas que existem e que se juntam aqui”, explica. Na base, estão seis pilares: conexão, iniciativa, alma, contrastes, talento e compromisso. Segundo o responsável, “é preciso demonstrar como isto acontece, não apenas enumerar os pilares”. Avaliar e analisar é também determinante para o sucesso da estratégia de marca e, no caso de Barcelona, existe um barómetro de resiliência, no qual são acompanhados todos os eventos que afectam a imagem da cidade.

Aprender com o exemplo

Que lições podem as cidades portuguesas, em particular Lisboa e Porto, do exemplo de Barcelona? Na lista de factores que contribuíram para este sucesso, há algumas recomendações que Jordi Hereu quis partilhar nesta conferência. A primeira refere que a criação de uma marca-cidade exige um compromisso e liderança sociais. De seguida, deve dar-se a importância devida ao espaço público e à qualidade de vida – “há que reclamar o direito à beleza”, apelou, dando como exemplo a obrigatoriedade da manutenção das fachadas dos edifícios em Barcelona. Adicionalmente, é preciso garantir o desenvolvimento económico, porque “é preciso pagar tudo isto”. Nesta matéria, Hereu faz questão de lembrar que este é um esforço conjunto e no qual a “Europa foi fundamental”. Por fim, há que promover a igualdade e a coesão social, através de políticas de proximidade.

Como notas finais, o ex-alcalde não quis deixar de fazer duas recomendações práticas para atenuar as dores de crescimento das cidades nacionais. A primeira refere-se à necessidade de “governar o turismo, para o gerir de forma sustentável e minimizar os efeitos negativos”. A outra é um apelo à tolerância. Lembrando que Barcelona é uma cidade densa e com muita diversidade, Hereu sublinhou que o “talento quer tolerância e que esta se põe à prova numa cidade global”. No mundo globalizado, “só triunfarão as cidades tolerantes e com diversidade”, concluiu.