Como desenvolver cidades inteligentes, sustentáveis, inclusivas, resilientes e felizes? E que papel desempenham as comunidades neste processo? Para reflectir sobre estas questões, a iniciativa Aveiro Tech Week, no quadro dos TECHDAYS, preparou a sessão “Citizens and Cities – what lies around the corner?”, no passado dia 13 de Outubro, convidando especialistas de vários países que, todos os dias, tentam alavancar esta mudança no terreno.

Apesar de não haver uma resposta única, o planeamento estratégico aparece como uma necessidade para o desenvolvimento de um projecto sustentável. Neste campo, Pedro Costa, professor do ISCTE, onde dirige o centro de estudos DINÂMIA’CET (investiga a mudança socioeconómica e o território), notou que existe uma crescente orientação dos planos das cidades para ideias como abertura, diversidade, tolerância, cosmopolitismo, etc., e uma maior consciência, potenciada pelas preocupações ambientais, de que são essenciais políticas transversais e que envolvam stakeholders e cidadãos. Não obstante, o investigador criticou que estas tendências que se alinham e articulam com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável e outras metas nacionais e internacionais estejam apenas presentes nos planos enquanto “retórica”, nalguns casos, como meio de receber incentivos financeiros, não se traduzindo necessariamente em avaliações e implementações estratégicas.

Mas que estratégia seguir? Uma smart city pode significar dois modelos de actuação diferentes. Citando Richard Sennet, Jordi Baltà, consultor e investigador na Transit Projectes Barcelona (colabora na definição de estratégias  e metodologias de trabalho para vários agentes) e especialista integrante do Comité de Cultura da rede global United Cities and Local Governments (UCLG), fez notar que existe a “smart city prescritiva”, na qual tudo está preparado para os cidadãos seguirem um modelo específico, servindo-se da tecnologia, e a “smart city coordenativa, que requer a participação dos cidadãos através de debates abertos, acesso a open data, etc. “Isto deixa patente que a inteligência de uma cidade pode vir de quem a desenha e/ou dos cidadãos”, sublinhou.

Foi na questão da participação cidadã e da cultura que a sessão, moderada por Maria Vlachou, membro fundador e directora executiva da associação Acesso Cultura, acabou por incidir mais, através da partilha de boas práticas de co-criação com cidadãos e de abordagens inovadoras para lidar com alguns dos desafios que a sociedade e as cidades enfrentam.

A cultura como aliada para o empowerment e participação dos cidadãos no desenvolvimento sustentável

“A UCLG tem defendido a cultura como o quarto pilar de desenvolvimento sustentável, em adição às dimensões económica, ambiental e social”, declarou Jordi Baltà. Contudo, como advertiu, os aspectos culturais (que incluem artes, património, tal como valores e estilos de vida), bem como os direitos culturais, “são essenciais em si mesmos”, pelo que “a cultura não pode ser vista exclusivamente como um instrumento” para o alcance de objectivos e metas, sejam económicas, ambientais, entre outros domínios.

Neste panorama, Tracy Geragthy, gestora de projectos na instituição Dublin City Council Culture Company, mostrou como a cultura é um bom pretexto para envolver grupos de cidadãos no desenvolvimento de smart cities. Como exemplo, referiu um projecto pré-Covid de actuação junto dos adolescentes designado “Teen Charts”, no qual se averiguou a opinião destes jovens sobre o local onde moravam e os arredores e sobre como interagiam com a cidade, por exemplo, na questão da mobilidade, para perceber como construir novos espaços na cidade. A partir desta iniciativa, estão a ser desenvolvidos um museu, alguns edifícios, um lote comunitário e alguns projectos de creative engagement na comunidade.

A representante irlandesa destacou ainda o projecto com forte vertente tecnológica “Cultural Audit and Map”, inserido na estratégia cultural do plano de desenvolvimento urbano de 2016 a 2021 (embora actualmente independente do city council), que disponibiliza dados actualizados em open source sobre a “vida” cultural da cidade, isto é, sobre todos os sítios onde as pessoas levam a cabo uma actividade artística nas ruas de Dublin, para auxiliar os processos de decisão de outros projectos e agentes.

Ademais, aludiu ao projecto “Culture Club”, cuja origem se deve à pouca ou nenhuma conexão dos locais às instituições nacionais na cidade, por haver uma percepção, nalgumas pessoas, de que estas entidades são para turistas e não para servir as necessidades locais. Para a especialista, este aspecto é particularmente relevante em capitais, onde esta situação se coloca de forma mais flagrante. Com a pandemia, o projecto assumiu uma versão Zoom que foi bem recebida pelas pessoas e que implicou, para os parceiros culturais da empresa cultural de Dublin, “acolher uma forma de pensar sobre os edifícios e as colecções sem haver acesso a eles – uma conversa complicada de início, mas que foi rapidamente adoptada”.

A propósito do caso austríaco, Patrícia Reis, artista plástica no espaço hacker feminista Mz* Baltazar’s Lab, na Áustria, e mentora nas residências artísticas da CRIATECH, falou sobre o trabalho desenvolvido no espaço Mz. Baltazar, onde se procura incidir sobre as “intersecções entre arte, tecnologia e ciência com uma compreensão crítica das estruturas sociais em relação ao uso da tecnologia no dia a dia” para desenvolver acções que, por um lado, tentam consciencializar comunidades que não têm acesso a esse conhecimento e, por outro, tentam criar “espaços mais seguros”, onde as pessoas que se sentem tecno-excluídas podem “expressar-se e experimentar livremente com a tecnologia”.

Estes espaços têm como objectivo facilitar o posicionamento destes indivíduos enquanto “criativos e criadores e não apenas de utilizadores e consumidores” e também dar a conhecer quem está por detrás das políticas inteligentes e das tecnologias que estão a mudar o mundo. Neste contexto, têm várias iniciativas, sendo uma delas um programa de exposições onde se dá visibilidade a artistas não-binários que se identificam como mulheres, trans ou queer – na forma de show a solo, os artistas trabalham os temas da tecnologia, género, arte e ciência, e participam ainda em workshops gratuitos sobre fundamentos de programação, electrónica e outras ferramentas de capacitação e emancipação para terem uma melhor autonomia na sua empreitada artística.

A artista menciona ainda, além do próprio festival CRIATECH, acolhido pela Aveiro Tech Week, o festival austríaco ARS Electronica como “bom exemplo” de uma iniciativa que aproximou uma parte mais conservadora da Áustria, e o país em geral, da tecnologia e despertou a curiosidade da população para o que está subjacente ao aparato que é a internet e a tecnologia e ao seu impacto, convidando a comunidade a serem participantes activos na discussão. Quanto a este aspecto, é da opinião que “a cultura tem um papel preponderante”.

A sessão, disponível em  inglês e em português no canal de YouTube oficial do programa Aveiro Tech City, terminou com o anúncio das duas vencedoras no quadro das residências artísticas da CRIATECH, para estimular e alavancar a relação STEAM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática), uma delas com uma peça interactiva e performativa e a outra com uma peça sonora.

 

Fotografia: ©Aveiro Tech City