Auroral é o nome do projecto europeu que pretende derrubar as barreiras tecnológicas no Alentejo e dotar a região e a comunidade de ferramentas e competências digitais. O objectivo? Aplicar as políticas e as estratégias de smart cities ao conceito de região, criando um ecossistema digital capaz de responder aos desafios que se impõem nas zonas de baixa densidade.
Quatro anos de projecto, mas dez de ambição. O projecto Auroral – Architecture for Unified Regional and Open digital ecosystems for Smart Communities and wider Rural Areas Large scale application, liderado, a nível europeu, pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo (CCDR-A), arrancou oficialmente em Janeiro e já está a traçar caminho para alcançar a ambição de uma década.
Orçado em mais de 16 milhões de euros e focado em resolver barreiras tecnológicas e em dotar a região e as respectivas comunidades de um ambiente digital comparável ao das regiões urbanas, o Auroral pretende contribuir para o crescimento económico e para a criação de emprego nas zonas rurais, proporcionando as condições necessárias para que todos tenham acesso aos serviços. Para que esse objectivo seja cumprido, o projecto irá não só capacitar a comunidade, mas também reforçar a conectividade e a interoperabilidade das plataformas existentes através de serviços de data brokerage, mobilizando e interligando os agentes relevantes. Tendo por base esse objectivo, o Alentejo vai também ser palco de acções piloto para o desenvolvimento de comunidades rurais inteligentes.
O consórcio do projecto junta parceiros de dez países europeus, entre os quais Noruega, Finlândia, Espanha, Grécia e Bélgica. O Alentejo é, na verdade, o líder do consórcio do projecto, sendo que se manteve na linha da frente com uma proposta “bem classificada” no Horizonte 2020 (H2020), e que definiu como prioridade os aspectos tecnológicos que permitem que as smart communities se afirmem.
Embora o projecto esteja “verdadeiramente no início”, Marcos Nogueira, coordenador do Auroral e representante permanente da região do Alentejo em Bruxelas, garante que o arranque foi “muito forte”, essencialmente em três aspectos: no plano tecnológico, já que o projecto se foca em resolver barreiras tecnológicas que permitam às smart communities afirmarem-se; na própria definição do quadro comum ou framework das smart communities, que está agora “muito mais clarificado do que estava, por exemplo, no momento em que foi escrita a proposta”; e no plano da mobilização, uma componente essencial do projecto. Segundo o responsável, o Auroral foca os seus recursos e a sua atenção, essencialmente, nos desafios tecnológicos, mas também na “construção e no lançamento dos instrumentos de governança e de organização das smart communities” para conseguir cumprir o objectivo da década. “Temos um projecto que, em quatro anos, tem de colocar no terreno a tecnologia, desenvolvendo aspectos que são absolutamente internos do ponto de vista digital e que permitam trazer e repatriar para a Europa instrumentos de programação que, por vezes, temos de ir buscar fora”, avança o responsável.
Uma região de oportunidades e com potencial
Ainda que os desafios sejam muitos, o objectivo é que a região tire proveito de um projecto desta dimensão e consiga aplicá-lo de forma transversal naquilo que são as suas potencialidades. “O Alentejo é uma região de baixa densidade, que sofre de todo o tipo de condicionantes, mas, pela sua dimensão, é também uma região de oportunidades”.
Carmen Carvalheira, vice-presidente da CCDR-A, acredita que a região do Alentejo está preparada para enfrentar os desafios que a iniciativa internacional acarreta, evidenciados pela baixa densidade populacional. “É preciso que as pessoas não sintam falta daquilo que são os serviços básicos. A nossa intervenção no território tem de conseguir dar resposta a isso, e é por isso que ligamos também o Auroral aos projectos de mobilidade, de sustentabilidade e de economia circular”, acrescenta.
Sendo o Alentejo uma grande região, alguns dos problemas tornam-se comuns a todas as regiões com as quais faz fronteira. Com características “muito particulares”, o Alentejo prepara-se para capacitar as suas comunidades digitalmente e para, assim, conseguir captar e atrair pessoas para o território. Para tal, várias áreas estarão interligadas, como o turismo, a agricultura, a saúde, ou a cultura. “Temos de dar condições a quem já vive aqui, e uma das grandes preocupações, ligadas também ao Auroral, é a questão da mobilidade”, avança a responsável. “Fixamo-nos nos sítios onde sabemos que temos forma de chegar rapidamente à saúde e educação. Só assim teremos maior facilidade e disponibilidade para alterarmos os nossos modos de vida e fixarmo-nos longe”, aponta.
Qual será o impacto nos territórios e nas comunidades?
Para Carmen Carvalheira, não há qualquer dúvida de que as comunidades rurais do Alentejo estão preparadas para avançar com um projecto desta dimensão. Numa óptica de sensibilização, mas também de formação, em interligação com os municípios, a CCDR-A acredita que o Auroral “pode ser o motor desta grande engrenagem de capacitar ao nível de região e não só localmente”, avança a vice-presidente. “Cada pequeno território, dentro do grande território que é o Alentejo, pode usufruir dos bons exemplos que sejam aplicados em cada região piloto, porque tudo aquilo que é aplicado e tratado pode ser duplicado e disseminado pelo total do território, naturalmente adaptado às características e às circunstâncias de cada local”, sublinha.
Se é verdade que o Alentejo é uma região de baixa densidade populacional, assim como uma boa parte das regiões europeias, também é verdade que existe neste território uma predominância do que é rural. Marcos Nogueira acredita que o facto de não existir um elemento urbano “impõe responsabilidades adicionais”. Nessa óptica, e segundo o responsável, a baixa densidade resolve-se tecnologicamente “com a necessidade de integração”. “Se estamos a falar de smart cities ou de comunidades inteligentes, então façamos as coisas inteligentemente. E é muito inteligente integrar para que as coisas sejam fiáveis tecnologicamente e economicamente, do ponto de vista de modelo de negócio”, afirma o responsável.
Integrar através da digitalização e da interoperabilidade
Integrar multisectorialmente e com outras regiões que têm desafios comuns é um passo crucial do projecto, que irá combinar, no plano tecnológico, a interoperabilidade, a segurança e os dados. “Quando nos preocupamos com a integração para fazer funcionar uma solução inteligente numa comunidade ou região com uma densidade mais baixa é porque, garantidamente, não queremos deixar ficar ninguém para trás”, garante Marcos Nogueira. Ainda que, até agora, tenha sido levado a cabo no Alentejo um modelo de desenvolvimento que “deixou muito para trás”, a vaga da digitalização pode revelar-se uma oportunidade histórica para reverter a situação. Isto consegue-se, segundo o responsável, com capacitação e com serviços que funcionem, adaptados aos modelos de negócios que beneficiem da interoperabilidade. “O que define exactamente a agenda tecnológica da solução que estamos a implementar nas comunidades inteligentes é o aspecto humano”, refere Marcos Nogueira.
A interoperabilidade e a integração são hoje requisitos de qualquer projecto de inteligência territorial, em ambiente urbano ou rural – algo que está visível nas oito regiões piloto que fazem parte do projecto. Trabalhar em rede com as outras regiões, a nível nacional ou europeu, é uma das estratégias que poderá garantir o sucesso do Auroral, pondo de lado a secundarização para dar lugar a uma ambição comparável à das regiões mais inovadoras. Da mesma forma, o projecto estará integrado num “quadro nacional consistente com as áreas de capacitação digital e todas as outras dimensões”, sublinha Marcos Nogueira.
Como podem os fundos comunitários apoiar as smart communities rurais?
O projecto Auroral conta com o financiamento do programa comunitário europeu H2020, do qual irá receber cerca de 14,5 milhões de euros, com cerca de 2,6 milhões alocados à participação portuguesa. Se vamos entrar num novo quadro de financiamento plurianual europeu e sendo a transição digital uma prioridade nacional e internacional, como é que os fundos comunitários podem apoiar estas smart communities rurais? Segundo Carmen Carvalheira, é possível fazê-lo de forma “totalmente integrada”. “Na realidade, já o estamos a fazer. A CCDR-A acabou de fechar a sua revisitação à estratégia regional de especialização inteligente e, quando o fez, já o fez considerando todos estes pilares que queremos como políticas para a região”, conta.
A par do planeamento da estratégia, tendo em conta aquilo que é a base da programação, foram chamados para o debate todas as entidades da região, com entrevistas específicas a especialistas em cada uma das áreas estruturantes. Para a CCDR-A, é certo que, quanto mais eficazes forem a obter os dados concretos da região em todas as áreas – algo para o qual o Auroral pode contribuir “de forma decisiva” –, melhores serão as decisões tomadas. Da mesma forma, e obtendo dados fiáveis, será possível fazer “tudo de uma forma muito transversal, conseguindo acomodar todas as áreas e todos os intervenientes, e incorporar a população”.
Acções piloto para o desenvolvimento de comunidades rurais inteligentes
No âmbito do projecto europeu, o Alentejo vai também ser palco de um conjunto de acções piloto para o desenvolvimento de comunidades rurais inteligentes. De acordo com Carmen Carvalheira, algumas dessas acções já estão a ser trabalhadas, aguardando-se o início das restantes.
Além de um fórum de economia circular, a CCDR-A lidera também uma plataforma de transporte flexível, que será transformada numa plataforma de mobilidade como serviço, introduzindo a mobilidade ciclável na região. “Estamos profundamente empenhados em estarmos conectados com aquilo que são as estratégias nacionais”, adianta a vice-presidente. “Vamos ligar o Auroral ao projecto de transporte a pedido. Este projecto de transporte flexível está no terreno, tem a plataforma constituída e vai evoluir para um projecto de mobilidade como serviço. Portanto, vamos já entrar também com as políticas da mobilidade sustentável, especificamente de bicicletas, que preferencialmente serão eléctricas”, conta. Para levar a cabo esta ambição, este plano terá de ser coordenado e estruturado, tendo em vista também a construção de ciclovias. O objectivo é garantir a acessibilidade aos serviços, ligando a comunidade, por exemplo, aos cuidados de saúde, que também estão conectados com o projecto.
Sendo este um território com uma população envelhecida, “também isso tem de ser considerado naquelas que são as decisões”. Assim, a saúde à distância será uma das questões a ter em conta. “Temos aqui propostas de projectos que estão a decorrer na CCDR-A, mas também estamos a considerar aquilo que já estava pensado no início, antes de a própria CCDR-A chegar ao projecto”, avança.
Segundo Marcos Nogueira, existem projectos piloto do ponto de vista tecnológico e outros que espontaneamente nascem na região, beneficiando da integração que o Auroral proporciona. Na agenda, estão agora cinco projectos pilotos do ponto de vista tecnológico, nas áreas de turismo, saúde, agricultura, mobilidade e energia. Enquanto coordenador, um dos desafios mais complexos a resolver implica o estabelecimento de uma plataforma de investimento comum às diversas regiões piloto europeias. Essa plataforma de investimento, alinhada ou sincronizada com os mecanismos financeiros, deve apoiar o investimento público, mas também “apoiar investimento e iniciativa privada”, que pode ser empresarial, associativa, académica ou de outra natureza.
“Precisamos de instrumentos que obriguem a colocar no terreno os resultados, que são os resultados das acções de inovação. O Auroral prevê fazê-lo e coloca isso dentro das suas metas, ao mesmo nível que coloca as metas tecnológicas do ponto de vista da geração de resultados”, conclui.
Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 32 da Smart Cities – Julho/Agosto/Setembro 2021, aqui com as devidas adaptações.