As notícias das últimas semanas sobre os sismos que abalaram a Turquia e a Síria lembram-nos de que uma catástrofe não reconhece limites geográficos ou administrativos. Para os municípios do Algarve, esta não é uma preocupação de agora e, em meados de Janeiro, a Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL) assinou um memorando para a Constituição da Plataforma Regional para a Redução do Risco de Catástrofes (PRRRC) do Algarve, a primeira do género a nível nacional. António Pina, presidente da AMAL e da câmara municipal de Olhão, explicou à Smart Cities no que consiste esta iniciativa, que quer ser um “espaço de cooperação, reforçando o potencial de coesão e o aumento de sinergias locais, associado à obtenção de um conhecimento mais aprofundado dos riscos e à sua comunicação mais eficaz”.

O que motivou a criação da PRRRC do Algarve?

A principal motivação decorre da necessidade de optimizar a governança que envolva toda a sociedade, do espectro social, ambiental, económico, académico e político, dos diferentes sectores privado, público, das instituições de ensino e investigação, da sociedade civil e representantes do sector do turismo, no desafio de termos uma melhor coordenação de esforços na prevenção de acidentes graves ou catástrofes, de forma a incrementar uma maior resiliência da nossa comunidade.

Não sendo possível neste contexto, nem desejável, dissociar os temas de redução do risco de catástrofe e de adaptação às alterações climáticas, condicionantes do que é um desenvolvimento sustentável, existe, também, a motivação que decorre do compromisso com os normativos internacionais, nomeadamente o Quadro de Sendai 2015-2030 para a Redução do Risco de Catástrofe e com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

antónio pina

Também a necessidade de, na gestão do risco, reforçar o patamar preventivo, a articulação e a cooperação, apoiada pela Estratégia Nacional para uma Proteção Civil Preventiva 2030, a iniciativa vem cumprir com um dos objectivos operacionais: o de incrementar a criação de plataformas e implementar estratégias para a redução do risco de catástrofes (até 2025). Num âmbito regional, é expectável que a plataforma seja uma ferramenta de apoio à implementação do Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas do Algarve.

A adesão de todos os municípios à campanha das Cidades Resilientes complementa a motivação do reconhecimento, para a população e para os visitantes, de termos uma plataforma – a primeira plataforma regional, a nível nacional – que pensa e considera os riscos de forma consistente e robusta e que potencia um espaço aberto de confiança para partilha de conhecimentos e de ideias entre os diversos actores da comunidade.

Que preocupações existem actualmente no vosso território na prevenção/resposta a catástrofes?

A região do Algarve encontra-se sujeita a diversos riscos naturais, tecnológicos e mistos; podemos salientar a seca, as ondas de calor, os incêndios florestais, os sismos e as substâncias perigosos como riscos extremos (com base na matriz de risco do PDEPC de Faro que considera o grau de probabilidade e o grau de gravidade), alguns destes riscos são críticos quando analisados à luz das alterações climáticas.

Paralelamente, a região é confrontada com o maior crescimento populacional, a nível nacional, que se associa à elevada concentração urbana no litoral e à população flutuante, gerada pelo turismo, que contrasta com o despovoamento do barrocal e da serra.

Importa salientar o trabalho de continuidade que visa a garantia da segurança e do bem-estar da população, dos bens e do ambiente, pelas autarquias locais, agentes de protecção civil e outras entidades, com a resposta articulada já existente e o incremento de estudos, programas e medidas neste sentido.

Como é que a plataforma poderá minimizar essas preocupações?

Este trabalho de continuidade é um desafio e há sempre espaço para melhoria; neste sentido, a plataforma será um instrumento fundamental e estratégico na criação de uma cultura de risco, ao aprofundar o conhecimento sobre os riscos, promover a sua divulgação e criar mecanismos de apoio aos órgãos ligados à Protecção Civil.

A acção da plataforma será co-criada pelos próprios membros fundadores, nas fases que se seguem, pelo que ainda há muito a definir. Mas são várias as preocupações regionais quando falamos das fases de prevenção e de resposta a catástrofes. Por exemplo, na questão do turismo, muitas vezes, as equipas que trabalham neste sector têm uma rotatividade muito elevada. [Existe] Também a percepção de que os turistas são indivíduos privilegiados na região no caso de catástrofes, o que não é de todo verdade. [Por estes motivos] É necessário considerar e incluir nas acções da plataforma a formação, a capacitação e a resposta de forma abrangente, inclusiva e com capilaridade organizada.

“Estão já definidos quatro grandes objectivos da PRRRC do Algarve, nomeadamente: criar um espaço de cooperação dos municípios com os sectores privado, académico e social; melhorar a coordenação de esforços para prevenir acidentes graves ou catástrofes; promover actividades com valor acrescentado para a população e entidades; e, estabelecer redes com vista à transferência e valorização do conhecimento.”

Que mais-valias representa o facto de esta ser à escala regional vs. escala municipal?

O valor do patamar local é amplamente reconhecido, quer pela proximidade, quer pelo aprofundamento e pela partilha do conhecimento específico. Não é desejável dissociar estas duas escalas e pretende-se, com a plataforma, fortalecer a relação entre as mesmas, funcionando como um fórum agregador das valências que existem, criando um grau de resiliência transversal à região.

A região apresenta diversas assimetrias (sociais, ambientais e económicas), e se, por um lado, os limites geográficos são coincidentes com os limites administrativos, potenciando uma visão estratégica da região como um todo, no âmbito da redução do risco de catástrofes, por outro lado, as catástrofes não reconhecem estes limites.

A oportunidade de criar uma rede formal de resiliência regional/ intermunicipal potencia o envolvimento coordenado de todos os stakeholders – nos quais se incluem entidades de caráter regional, com competências próprias –, reforçando o potencial de coesão, aumentando as sinergias locais e fortalecendo a escala local através da incorporação de diferentes conhecimentos e perspectivas (por exemplo, com a melhoria das acções locais, através da elaboração de planos de acção integrados).

A iniciativa resulta do projecto Região Resiliente 2.0. Que conclusões retiraram do trabalho feito que podem agora ser aplicadas?

A iniciativa de criação da Plataforma Regional para a Redução do Risco de Catástrofes do Algarve (PRRRC do Algarve) surge no âmbito do projecto Região Resiliente 2.0, cujo protocolo foi aprovado por unanimidade em sede do Conselho Intermunicipal do Algarve, tendo-se constituído o Algarve como a região piloto para implementar a solução desenvolvida.

Este percurso reforça o compromisso e a vontade política dos 16 municípios da região em adoptar mecanismos inovadores e robustos para uma melhoria contínua da resiliência na região, e esta foi uma das conclusões: a necessidade e o factor facilitador do apoio político.

Pode contar-nos mais sobre o Região Resiliente 2.0?

Este projecto resultou de uma parceria entre a ANEPC, a AMAL e o parceiro metodológico LabX da AMA, que teve como base uma metodologia inovadora que consistiu em quatro fases: capacitação, investigação, concepção e a última fase que corresponde já aos primeiros momentos da operacionalização plataforma.

Esta metodologia permitiu extrair várias conclusões, nomeadamente a necessidade de garantir o envolvimento dos stakeholders em todas as fases do processo de construção e de decisão para que existisse, logo à partida, um sentimento de pertença e de compromisso associado à optimização dos resultados. A investigação permitiu, com trabalho de campo, avaliar os desafios localmente existentes, incluindo a auscultação de várias partes interessadas, a fase seguinte permitiu de forma colaborativa e em cocriação, a definição das bases da PRRRC do Algarve.

[Há] A necessidade de garantir recursos humanos que promovam a acção da plataforma e a manutenção das relações, a partilha e o reporte frequente dos resultados. A principal conclusão, além das mais práticas e específicas dos riscos e temáticas tidas em consideração na investigação (dispostas e acessíveis no relatório elaborado), é que tudo se faz com a vontade de todos para o bem comum de aumentar a resiliência na região.

O processo de criação da plataforma inicia-se agora. Que desafios antecipam?

Encontramo-nos na fase inicial da constituição da PRRRC do Algarve. O primeiro momento ocorreu no passado dia 19 de janeiro de 2023, com a cerimónia de assinatura do Memorando de Adesão entre os membros fundadores, nomeadamente, a AMAL, enquanto entidade coordenadora, os 16 municípios da região, a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, a Águas do Algarve, a Associação de Turismo do Algarve, a Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, o Centro Hospitalar Universitário do Algarve, a Guarda Nacional Republicana, a Safe Communities Portugal e a Universidade do Algarve.

Já temos uma base sólida, um fórum que agrega diferentes entidades com diferentes conhecimentos e perspectivas sobre a região e cuja acção se orienta pelos princípios do compromisso, da participação, do trabalho em rede, da transparência, da partilha e da boa governança.

Percebemos, no decorrer do projecto, que existe já muita informação disponível e muitas oportunidades de acção e começámos apenas com os riscos de sismos/tsunamis e incêndios rurais. Um desafio que antecipamos é o de incluir todos os outros riscos relevantes para a região, bem como a inclusão de outras entidades já identificadas e outras que possam surgir.

Nesta primeira fase, antecipamos [também] alguns desafios decorrentes da própria operacionalização, gestão e definição da natureza da plataforma, mas que consideramos que o processo de serem ultrapassados irá reforçar as relações que já estão construídas.

Estamos já organizados no sentido de ultrapassar os dois primeiros grandes desafios da plataforma, cumprindo com os momentos 2 e 3 dispostos no Memorando de Adesão, nomeadamente, a elaboração do Regulamento da plataforma e da Estratégia Intermunicipal de Redução do Risco de Catástrofes.

Já está definido como, na prática, será articulada a interação entre as diversas autoridades e entidades locais?

Ainda existe muito trabalho a ser elaborado no que respeita a esta definição que será co-criada de forma colaborativa e consensualizada entre os membros. Existem já alguns aspectos definidos no âmbito do projecto, baseados nos resultados da investigação que reflectiu sobre o documento “Guia de Orientação para a Constituição de Plataformas Locais para a Redução do Risco de Catástrofes” (ANEPC, 2020) e sobre o exemplo da Plataforma Nacional para a Redução do Risco de Catástrofes, mas também, baseados nos resultados da co-criação pelas próprias entidades que agora pertencem à plataforma.

No passado dia 26 de janeiro de 2023, ocorreu a primeira reunião da PRRRC do Algarve para definição dos primeiros passos e para alinhamento entre os membros. Este é um dos aspectos que se encontra já definido: a dinamização de reuniões, no mínimo, trimestrais.

Existe uma Entidade Focal responsável pela coordenação, representação e articulação da plataforma, de carácter rotativo sendo nomeada pelos restantes membros, a qual se faz representar pelo Ponto Focal; a esta será prestado todo o apoio por parte da AMAL nas suas funções.

O funcionamento terá como base a constituição de Grupos de Trabalho, para cada temática/área e com nomeação de um líder coordenador. Outro aspecto que se considerou fundamental no funcionamento da plataforma é a elaboração de relatórios de resultados e a dinamização de apresentações dos trabalhos em desenvolvimento e dos resultados a todos os membros.

A plataforma assenta num modelo de governança. Há intenções de implementar soluções de tecnologias de informação, por exemplo, plataformas de dados?

A PRRRC do Algarve pretende funcionar com base num modelo de governança (que pode ser definida como o mecanismo em que são criadas as condições para as acções colectivas) inovador que envolve múltiplas partes interessas (onde se incluem as entidades públicas e privadas, da sociedade civil e outras associações de cidadãos) num espaço de cooperação, reforçando o potencial de coesão e o aumento de sinergias locais, associado à obtenção de um conhecimento mais aprofundado dos riscos e à sua comunicação mais eficaz.

Ainda que não estejam definidas as acções a implementar, a importância e a eficácia das soluções baseadas nas tecnologias de informação é amplamente reconhecida e poderá ser um facilitador no cumprimento dos princípios da plataforma e, principalmente, nas acções concretas a desenvolver.

Remetendo, novamente, para os resultados da investigação, não sendo vinculativos, existem alguns dados que apoiam essa possível intenção, tendo sido referida a criação de alguns produtos como uma app, um site, um guia de âmbito regional, uma plataforma de dados única e acessível com a identificação precisa dos riscos, dos meios e recursos existentes e das ocorrências e danos.

Num contexto mais direccionado aos riscos investigados, [prevê-se] a revisão e actualização do PEERSTA com a melhoria dos modelos de previsão e dos sistemas de aviso e alerta, também a criação de uma plataforma informática de partilha de dados entre os diferentes níveis territoriais para carregar dados sobre as características estruturais das edificações existentes.

Com certeza, algumas acções passarão pela implementação de soluções de tecnologias de informação, mas essa definição será ainda feita, em seio da PRRRC do Algarve.

Que vantagens este tipo de soluções poderia trazer para o cumprimento dos objectivos do projecto?

Estão já definidos quatro grandes objectivos da PRRRC do Algarve, nomeadamente: criar um espaço de cooperação dos municípios com os sectores privado, académico e social; melhorar a coordenação de esforços para prevenir acidentes graves ou catástrofes; promover actividades com valor acrescentado para a população e entidades; e, estabelecer redes com vista à transferência e valorização do conhecimento.

Este tipo de soluções pode ser visto na perspectiva de promover a disponibilização, o desenvolvimento, a partilha e a divulgação de informação e de conhecimento (entre os membros e com a população residente e visitante e promovendo sinergias no sentido de evitar sobreposições), potenciando a capacitação, sensibilização e educação para o risco (de forma inclusiva e acessível) e, paralelamente, a participação da comunidade no processo de gestão do risco e de tomada de decisão, no sentido de se obterem soluções que melhor respondem às necessidades locais.

Que desafios poderiam encontrar também aí?

Antevemos alguns desafios, sem prejuízo da aplicação deste tipo de soluções, que se enquadram nas questões do financiamento e da capacitação de técnicos.