As políticas públicas têm um “papel crítico” na promoção de sistemas alimentares mais sustentáveis, defende um estudo recentemente publicado pela Universidade de Aveiro (UA), no qual se aponta que a alimentação pesa 30% na pegada ecológica dos portugueses. Os governos locais estão numa posição crucial para ajudar a reduzir esta percentagem, concluem os investigadores, mas faltam ainda recursos humanos especializados ou estruturas municipais e também compromisso político para o fazer.

Olhando para seis cidades portuguesas – Almada, Bragança, Castelo Branco, Guimarães, Lagoa e Vila Nova de Gaia –, o estudo “Transição alimentar sustentável em Portugal: uma avaliação da pegada das escolhas alimentares e das lacunas nas políticas de alimentação nacionais e locais”, publicado recentemente na revista científica internacional Science of the Total Environment e que conta com a autoria dos investigadores da UA e da Global Footprint Network, identifica ainda pontos fortes e fracos nas políticas de alimentação implementadas nestes municípios.

Falta de recursos humanos adequados e com conhecimento especializado ou de estruturas municipais para a promoção integrada de uma política de alimentação, uma colaboração “frágil” entre autarquias e os diferentes sectores e a falta de compromisso político são algumas das dificuldades que persistem nesta matéria e que se reflectem na inexistência de estratégias alimentares municipais ou de políticas integradas dedicadas à alimentação saudável e sustentável. Para além disto, o estudo identifica também o suporte “frágil” a circuitos agroalimentares curtos que aproximem os produtores dos consumidores e a produção alimentar periurbana às cidades, a inexistência de regulamentação que promova compras públicas sustentáveis e a redução do desperdício alimentar.

Não obstante as dificuldades, existem também boas práticas a decorrer nos municípios portugueses. A sensibilização da população para o tema através das Calculadoras Municipais da Pegada Ecológica, disponíveis nos portais digitais de algumas autarquias, a promoção das hortas urbanas, hortas sociais e hortas pedagógicas e a implementação de iniciativas inovadoras, como o Banco de Terra em Guimarães, a investigação agroalimentar promovida por Castelo Branco em parceria com o CATAA – Centro de Apoio Tecnológico Agroalimentar ou as acções contra o desperdício alimentar levadas a cabo nas escolas de Vila Nova de Gaia, são alguns dos exemplos positivos do contributo dos governos locais analisados pelo estudo.

Filipe Teles, Sara Moreno Pires e Armando Alves integram a equipa da UA responsável pelo estudo.

Face a este diagnóstico, os investigadores reforçam a necessidade de investir em “mais informação, mais recursos humanos e na capacidade dos governos locais para promover sistemas alimentares equitativos, resilientes e sustentáveis”. Não menos importante são as acções de sensibilização de todos os intervenientes e a coordenação entre agentes e políticas, em particular a nível intermunicipal ou mesmo nacional, referem.

“Urge mudar hábitos alimentares e ter tolerância zero quanto ao desperdício”, sendo que “o papel das políticas públicas é igualmente crítico para promover sistemas alimentares mais sustentáveis, desde a produção agrícola, ao processamento, à distribuição, ao consumo ou ao reaproveitamento dos alimentos, e para envolver todos nesta mudança”, afirma Sara Moreno Pires, que integra a equipa de investigadores da UA, juntamente com Armando Alves e Filipe Teles.

 Comemos acima das nossas possibilidades

Ao representar 30% da pegada ecológica nacional, a alimentação pesa mais do que sectores como os transportes ou até mesmo o uso de energia. Para além disso, o estudo da UA e da Global Footprint Network dá conta de uma balança “muito desequilibrada” na pegada alimentar dos portugueses. Segundo as conclusões, Portugal “o pior país de 15 do Mediterrâneo no que diz respeito à pegada alimentar”, uma vez que grande parte da biocapacidade necessária para a nossa alimentação (73%) provém de outros países.

A situação fica ainda mais insustentável ao acrescer o facto de a pegada ecológica nacional, por habitante, ser superior à biocapacidade do país e até mesmo do planeta. “A pegada alimentar avalia em hectares globais (gha) a quantidade de recursos naturais que necessitamos para produzir o que comemos num ano. Sabendo que o país tem anualmente um ‘orçamento natural’ de 1,28 gha por habitante [valor de 2016], percebemos que só para nos alimentarmos ‘gastamos’ 1,08gha, ou seja, 84 por cento desse orçamento”, explica Sara Moreno Pires.