A 1 de outubro, assinala-se o Dia Nacional da Água. Como podemos maximizar o uso eficiente deste recurso? A resposta está numa abordagem holística, inteligente e integrada ao ciclo urbano da água.

Todos sabemos que a água é um bem essencial para a humanidade. A sua disponibilidade, gestão e distribuição ao longo dos tempos moldaram o território e as cidades, em particular. As sociedades têm uma relação íntima com a água, tão profunda no mundo moderno, e de total dependência destas correntes ocultas que nos passam por baixo do chão e nos chegam às torneiras.

Nos meios urbanos, estamos tão habituados à presença e à facilidade de acesso à água, que só damos conta da sua importância e do seu valor quando esta nos falta. As cidades e o setor da água enfrentam hoje desafios bem mais complexos e indissociáveis das alterações climáticas, sendo, por isso, fundamental a sua capacidade de resiliência face a fenómenos climatéricos cada vez mais extremos.

Num contexto de secas cada vez mais frequentes, o uso eficiente da água nas cidades tornou-se essencial para mitigar a pressão sobre as reservas hídricas e garantir o fornecimento de água de forma resiliente. Esta necessidade evidencia a urgência de (re)pensarmos e transformarmos a forma como usamos e gerimos a água.

O ciclo urbano da água vive de dados

O Ciclo da Água é um dos mais bem conhecidos da sociedade. Para lá do ciclo natural, inteiro e tantas vezes incontrolável, existem outros ciclos dentro “do” ciclo – os ciclos urbanos –, tantos quantas as cidades do planeta, completamente dependentes de grandes infraestruturas que garantem um dos recursos naturais mais importantes e do qual dependemos inteiramente. O Ciclo Urbano da Água corresponde a todas as etapas de utilização da água desde o momento em que é captada até ser devolvida ao meio hídrico em segurança.

No seio do ciclo urbano cabem praticamente todos os usos (agrícolas, industriais, domésticos, recreativos e ecológicos) e o seu ponto mais crítico é a interseção entre o cidadão e a água: o consumo. Em Portugal, o consumo de água divide-se em 75% no setor agricultura, 20% no setor urbano e 5% no setor industrial. Na cidade de Lisboa, 50% do consumo de água deve-se ao setor residencial, o que representa um consumo de 146 litros/dia/habitante. Por sua vez, os consumos de água não residenciais da cidade duplicam este valor por habitante e é nesta face que se inserem os usos não potáveis, como os jardins e as lavagens de ruas.

De forma a promover um uso eficiente e inteligente de água nas cidades, devem ser abordados quatro eixos cruciais: a eficiência hídrica, a diversificação de fontes, a sensibilização e capacitação e a monitorização e avaliação.

Eficiência hídrica – o exemplo de Lisboa

Lisboa aprovou recentemente o seu Plano de Ação Climática 2030, que pretende preparar a cidade para os inevitáveis – e já hoje evidentes – eventos de seca e escassez de água, comprometendo-se a reduzir o consumo de água potável em 30% e a tornar-se watersmart.

No entanto, desde há muito que têm vindo a ser feitos esforços para reduzir os consumos de água, nos quais houve enormes melhorias. Em 2015, a Lisboa E-Nova e o município de Lisboa iniciaram um programa de eficiência hídrica e rapidamente se encontrou a necessidade de medir para gerir. Com a implementação de medidas e monitorização pontual, entre 2014 e 2019, em apenas 30 instalações, o consumo reduziu mais de 60%. Identificou-se, por isso, a necessidade de ter um instrumento holístico que permitisse monitorizar os consumos de água, de forma sistemática, com clareza, e que fornecesse também uma análise dos dados, culminando na criação de um Observatório.

Conhecer para reduzir

Em 2019, foi criada uma primeira versão de acesso público dos Observatórios Lisboa e, mais recentemente, em 2021 – em linha com os objetivos do Plano de Ação Climática Lisboa 2030, para promover uma sociedade mais bem informada através da gestão inteligente da informação –, a Lisboa E-Nova relançou os Observatórios Lisboa com a inclusão de ferramentas para recolha, sistematização e acesso a dados sobre as várias dimensões ambientais da cidade.

Os Observatórios Lisboa são um instrumento de visualização de dados para monitorizar e comunicar o desempenho, e de apoio ao planeamento urbano e à tomada de decisão, seguindo o lema “Conhecer para Reduzir”. Incluem duas ferramentas complementares:

• Acesso público, com informação aberta sobre as dimensões ambientais da cidade (top-down);

• Acesso privado, para entidades individuais, que integra e analisa os dados de consumo de água e energia em instalações (bottom-up).

O acesso público disponibiliza dados numa base anual, informando os cidadãos e convidando-os à participação. O acesso privado está disponível para adesão a entidades cujas instalações dispõem de medição remota da água e de energia, e vem colmatar a necessidade de integrar e analisar dados para melhorar programas de eficiência e promover a adoção e a expansão da digitalização e do smart metering.

A aquisição de dados para uma monitorização contínua permite (re)avaliar continuamente os dados de consumo e monitorizar o impacte das medidas implementadas, originando uma circularidade na monitorização. Contudo, há uma elevada resistência dos utilizadores de água em promover a monitorização, pois vêem-na como um encargo e não como um investimento para promover a poupança de água. Tal como dizia Peter Drucker, “se não se consegue medir, não se consegue gerir”.

“Mais do que fornecer dados, é necessário fornecer informação. Ao fornecer e tornar dados públicos, não significa que as cidades forneçam informação aos cidadãos. Existe a necessidade de trabalhar esses dados para os fornecer como dados inteligíveis, de forma a que os cidadãos se sintam informados.”

Atualmente, as dimensões relacionadas com água dos Observatórios Lisboa fazem parte do projeto europeu B-WaterSmart, que visa acelerar a transformação para economias e sociedades inteligentes em matéria de água e no qual a Lisboa E-Nova participa.

Fontes alternativas de água

No contexto de poupança de água potável, as fontes alternativas de água tornam-se cada vez mais estratégicas para suprir as necessidades de água de usos não potáveis e libertar água potável para usos mais nobres. A ideia-chave é “adequar fontes a usos”.

A reutilização de águas residuais tratadas, também denominadas de águas para reutilização (ApR), é uma das fontes com maior potencial para promover o uso eficiente de água, progredindo para uma abordagem de economia circular deste recurso.

As Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) em Portugal, inclusive em Lisboa, já reutilizam esta água internamente nos seus processos há largos anos. Existem também exemplos de fornecimento desta água para outros utilizadores, como ao sistema de climatização do IKEA em Frielas.

Em Lisboa, o Parque Tejo é o primeiro espaço verde público a ser regado com ApR e, de futuro, o município pretende dar continuidade a esta prática, habilitando mais espaços verdes da cidade para utilizarem ApR.

Educar, educar, educar…

A educação ambiental para o uso eficiente de água é essencial para promover uma alteração comportamental e um uso mais responsável de água. A tomada de consciência de que a água é um bem escasso desperta-nos para a urgência da sua gestão responsável. Cada um de nós, no dia-a-dia, pode contribuir para combater o desperdício e fazer um uso eficiente da água.

A educação deve ser promovida de forma diversificada através de material promocional, disseminação nas redes sociais, envolvimento da comunicação social e entidades locais e da participação ativa da comunidade.

De forma a potenciar a eficácia da educação, é relevante primeiramente envolver os cidadãos em diagnósticos participativos para obter contributos do tema a focar. É o caso do Estudo de atitudes e comportamentos face à utilização de ApR em Lisboa, realizado pela Lisboa E-Nova, que pretendeu aferir a recetividade dos cidadãos de Lisboa à utilização de ApR em espaços públicos exteriores, integrando também o ponto de vista de instituições e entidades interessadas. Em súmula, 41% dos cidadãos são totalmente recetivos à utilização de ApR em espaços públicos e à possibilidade de utilização em agricultura; 17% são muito recetivos à utilização em espaços públicos, mas rejeitando a utilização na agricultura; 26% aceitam a utilização em espaços públicos apenas para a limpeza de ruas; e, por fim, 16% não estão preocupados com a escassez e não estão recetivos à utilização de ApR em espaços públicos.

Um relevante recurso disponível e produzido pela Lisboa E-Nova é o Aquametragem. É uma curta-metragem de animação que promove o uso eficiente da água, com o objetivo de sensibilizar o público em geral para uma mudança de comportamentos no modo de consumo da água e alertar para a escassez deste bem, contribuindo assim para uma maior sustentabilidade hídrica.

O Aquametragem aborda, de modo artístico e lúdico, vários subtemas ligados à água, como o uso eficiente, a água reciclada, a água virtual e o nexo água-energia, dando ênfase aos 5R’s: Reduzir os consumos, Reduzir perdas e desperdícios, Reutilizar a água, Reciclar a água e Recorrer a origens alternativas. Em 2019, o filme Aquametragem venceu a categoria ‘Proteger o nosso planeta’ no festival de cinema sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

Adicionalmente, é também importante não esquecer a pegada hídrica, o indicador da água necessária para produção de bens e serviços. O crescente consumismo aumenta implicitamente a pressão sobre as reservas hídricas, o que evidencia a necessidade de (re)pensarmos e transformarmos a forma como usamos e gerimos a água.

A pegada hídrica também deve ser utilizada como forma de sensibilização dos cidadãos, uma vez que a forma de consumo de bens e serviços impacta também diretamente o consumo de água dos territórios, mediante as necessidades de água para produção de cada produto.

Qual o valor intrínseco da água?

Será que pagamos um preço justo pela água? Mais do que o preço, importa demonstrar o valor de cada litro de água e o quanto estaremos dispostos a abdicar para ter acesso a este bem cada vez mais escasso. Mais do que a energia ou as emissões associadas, importa poupar cada litro de água.

Certamente pagaríamos mais por um copo de água no meio do deserto do que num fresco jardim com bebedouros. Em qualquer cenário, o valor intrínseco do recurso água deverá ser o mais elevado, como forma de preservar eficazmente este bem essencial e garantir que a melhor água é, de facto, a que não se gasta!

A publicação deste artigo faz parte de uma parceria entre a Smart Cities e a Lisboa E-nova, e foi originalmente publicado na edição de Julho/Agosto/Setembro de 2022 da Smart Cities.