Desde 2021 que uma equipa de investigadores da Escola de Direito da Universidade do Minho desenvolveu o projecto Smart Cities and Law, E.Governance and Rights: Contributing to the definition and implementation of a Global Strategy for Smart Cities. (Cidades Inteligentes e Direito, E.Governação e Direitos: Contribuindo para a definição e implementação de uma Estratégia Global para as Cidades Inteligentes). Composta por juristas, engenheiros da computação e engenheiros civis, dedicou-se ao estudo do impacto da transição digital na governação pública local, em particular em torno do conceito de cidades inteligentes.
Entrevistada pela Smart Cities, a coordenadora e investigadora principal, Isabel Celeste Fonseca, falou sobre os objectivos e actividades desenvolvidas durante este período, bem como sobre a importância do direito na construção das cidades inteligentes.

O que é o projecto Smart Cities and Law, E.Governance and Rights e quais os seus principais objectivos?

O projeto Smart Cities and Law, E.Governance and Rights: Contributing to the definition and implementation of a Global Strategy for Smart Cities (com a referência NORTE-01-0145-FEDER-000063) é um projeto de investigação cofinanciado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do Sistema de Apoio à Investigação Científica e Tecnológica – “Projetos Estruturados de I&D&I” – Horizonte Europa (Aviso NORTE-45-2020-75), no quadro do Programa Operacional Regional Norte 2020, sendo desenvolvido, desde 2021, na Escola de Direito da Universidade do Minho, por uma equipa multidisciplinar de investigadores permanentes do Centro de Investigação em Justiça e Governação e do Centro Algoritmi, e de investigadores internacionais colaboradores, 4 bolseiros (BI e BPD) e 3 investigadores contratados.

O projeto tem como objeto de estudo as Cidades Inteligentes e o lugar do Direito no processo de implementação de indicadores de sustentabilidade, resiliência e inclusão, procurando esboçar uma estratégia global para a implementação das cidades inteligentes portuguesas.

Igualmente, e em sentido estrito, centrando-se no estudo da proteção de direitos fundamentais no processo de transição digital na governação pública local, o projeto compreende o estudo das normas que disciplinam o tratamento de dados pessoais e das que dispõem sobre interoperabilidade, dados abertos e reutilização de dados, tendo procedido ao mapeamento de práticas administrativas em sete municípios do norte e à elaboração de recomendações a seguir através da elaboração de uma proposta de um Código de Boas Práticas para a Governação Pública Digital  Local.

Quais são os principais desafios que as cidades enfrentam no futuro e que papel podem desempenhar o direito e a lei na construção de uma cidade mais inteligente e sustentável?

A implementação de Cidades Inteligentes é, em primeiro lugar, um tema de estudo emergente, por muitas razões: é possível que em 2050, 70% da população seja urbana; que as cidades continuem a ser grandes centros de consumo de recursos e sejam responsáveis pela produção de 80% dos gases responsáveis pelo efeito de estufa.

Depois é um desafio global, de todos. Corresponde, em boa verdade, ao 11.º Objectivo de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030-ONU, que é tornar as cidades e os aglomerados urbanos mais inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis, justifica o estudo das Cidades Sustentáveis.

O desafio é maior se pensarmos que o tema da implementação das Cidades Inteligentes na Europa e em Portugal está associado a estratégias de transição digital e de criação de sistemas abertos e interoperáveis de dados, ao mesmo tempo que são publicados diversos quadros normativos na Europa e em Portugal em matéria de protecção de dados, cibersegurança, de AI, de criação do Espaço Europeu Comum de Dados, da digitalização administrativa e da interoperabilidade.

Por estas razões e tantas outras, estamos certos de que a investigação em torno da concretização do princípio da sustentabilidade e da intensificação da digitalização da Governação Pública local, da inclusão digital, da protecção de dados, do acesso a dados abertos e da reutilização de dados em posse das Autarquias Locais é um desafio gigante.

Ao Direito cabe tanto quanto possível prever soluções equilibradas, dando aval à solução que a técnica e a ciência apontam como certa, tanto do ponto de vista da implementação da Cidade Sustentável como do ponto de vista da Cidade-Algorítmica, sendo certo que de ambos os pontos de vista, não se pode ignorar que se transfere para a solução jurídica realidades que são marcadas por circunstâncias de enorme de risco. Por esta razão, a soft law (que inclui Cartas, Códigos de boas práticas, Estratégias e Recomendações) e a ética têm que ser equacionadas no quadro regulatório que envolve a promoção das cidades inteligentes.

Por isso mesmo, entre Outubro e Dezembro de 2023, decorrerá na Escola de Direito da Universidade do Minho, no âmbito do PRR, um Curso de Formação Especializada em Governação Pública e Direitos Fundamentais na Era Digital, que é dirigido aos Decisores Públicos e Dirigentes Locais, procurando capacitá-los para os desafios crescentes da transição digital.

Que balanço faz do projecto Smart Cities and Law, E.Governance and Rights: Contributing to the definition and implementation of a Global Strategy for Smart Cities. Que iniciativas e açcões desenvolveu durante este período?

Esta equipa aceitou aquele que é o grande desafio da actualidade, que é perceber como a aplicação das Tecnologias de Comunicação e de Informação impactam na Governação Pública (Local) e como esta deve promover a sua aplicação de acordo com o Direito.

No âmbito do projecto, procurámos, em primeiro lugar, compreender os modos de acolhimento das tecnologias digitais em cidades do Norte do país. Promovemos o estudo empírico em sete municípios (Amares, Barcelos, Braga, Guimarães, Póvoa de Lanhoso, Vila Nova de Famalicão, Vila Verde), avaliando como tramitam os processos de decisão nestes governos locais e como recolhem (se através de sensores, radares, drones ou se de outra forma e qual) e tratam os dados recolhidos; como procedem à organização e à gestão de serviços públicos locais, e se há concretização de práticas administrativas de interoperabilidade; se existe trabalho em nuvem; como se blinda a segurança da informação nos sistemas locais de governação e se há decisão como base em AI; se existe implementação de plataformas abertas à satisfação de pretensões dos munícipes, de associações e de empresas; e se os decisores públicos locais investem na capacitação digital dos respectivos agentes e funcionários e se promovem a literacia digital dos munícipes.

De entre outras actividades, a equipa procedeu à necessária revisão de literatura e ao mapeamento conceptual de smart cities, incluindo os conceitos de sustentabilidade, governação local, transição digital, abertura e conectividade de dados e protecção e dados pessoais, sendo esta actividade acompanhada pela de disseminação de conhecimento, o que acontecerá através da publicação de obras colectivas a editar em formato aberto pela Almedina, Gestlegal e pela Wolters Kluwer-Cedam).

O ciclo de seminários (em formato híbrido) visou divulgar as medidas de promoção de cidades sustentáveis, nas quais as tecnologias já fazem parte das práticas correntes do tecido urbano e das práticas sociais da comunidade local. Ao mesmo tempo, os seminários procuram discutir e explicar como são acolhidas as tecnologias na prestação dos serviços públicos à comunidade local e como os direitos dos titulares de dados podem ser vulneráveis no respetivo tratamento pelos Governos Locais.

A actividade mais importante foi concretizada através da adopção de recomendações tendo em vista ajudar a corrigir problemas decorrentes da recolha, do tratamento de dados e da abertura de informação, oferecendo ferramentas de resolução, tendo em vista o difícil equilíbrio entre a realização do princípio da economia aberta (ou circular) de dados e o princípio da protecção de dados pessoais (em particular, a protecção da privacidade dos cidadãos e os segredos comerciais dos operadores económicos), uma vez que do estudo empírico realizado foram evidenciadas múltiplas fragilidades a este nível.

Se o Séc. XIX foi o tempo dos Impérios e o Séc. XX o dos Estados, o Séc. XXI será definitivamente o Século das Cidades, e, por isso, tanto há para continuar a investigar e a discutir na Escola de Direito da Universidade do Minho. Prometemos estar atentos.

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