Miguel Gaspar, vereador do pelouro da Mobilidade da câmara municipal de Lisboa (CML), está satisfeito com o trabalho que a capital portuguesa tem desenvolvido nessa matéria. Reduzir a dependência do automóvel é um objectivo assumido e, para isso, a estratégia lisboeta inclui a melhoria dos transportes públicos, a promoção do uso da bicicleta e criação das redes cicláveis, mas também a transformação do espaço público. Nesta “revolução”, o autarca destaca ainda a colaboração supramunicipal, que vem trazer algo inédito aos residentes na Área Metropolitana de Lisboa (AML): a uniformização do serviço.
Qual é a visão de Lisboa para a mobilidade no médio/longo prazo?
O programa de governo da cidade assume a “Mobilidade Acessível, ao Alcance de Todo” como a sua visão, alinhada com os objectivos do Acordo de Paris e com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, que têm por base o desenvolvimento de políticas que fomentem a coesão e a promoção da qualidade de vida, melhorando a vivência da cidade. Em concreto, reconhece-se que a melhoria da mobilidade em Lisboa tem dimensão metropolitana e passa por criar, no contexto municipal e metropolitano, alternativas ao uso do veículo automóvel e uma transformação do espaço urbano da cidade, devolvendo espaço às pessoas e potenciando, ao nível do bairro, o andar a pé e a promoção de modos suaves, como a bicicleta. Em termos de objectivos, pretende-se reduzir a utilização do carro para cerca de um terço das viagens totais, valor em linha com os melhores exemplos europeus, potenciando o transporte público e os modos alternativos, como a mobilidade partilhada. Pretende-se ainda promover uma sensível melhoria da qualidade do ar da cidade de Lisboa. A qualidade do ar e as alterações climáticas serão os graves desafios que vamos enfrentar na próxima década.
Do que foi feito, em particular a aposta na infra-estrutura ciclável, qual o balanço e o que falta fazer?
O balanço é muito positivo. É o modo que mais cresce em Lisboa, com zonas da cidade a duplicar e triplicar no número de utilizadores. O inquérito recente do INE, embora tenha revelado um aumento da dependência do automóvel na AML, evidenciou uma redução na cidade de Lisboa e uma duplicação das viagens a pé e de bicicleta, o que mostra que a política seguida de transformação do espaço público, de criação de rede ciclável, é a política certa. A infra-estrutura é muito importante para trazer novos utilizadores, que procuram segurança nos seus trajectos, por isso, Lisboa está a construir uma rede que, até 2021, terá cerca de 200 quilómetros (km). Actualmente, essa rede tem 90 km, o que permite perceber a dimensão da nossa ambição. A GIRA tem ajudado a demonstrar que Lisboa é mais plana do que muitos diziam. A adesão ao sistema tem sido muito interessante e, por isso, já estamos a tratar do alargamento da rede a outras zonas da cidade e até a outros concelhos da AML que já demonstraram interesse, ao mesmo tempo que corrigimos aspectos chave do sistema original. Estas têm sido duas formas de alavancar o uso da bicicleta, que, como se sabe, é um dos modos de transporte mais competitivos em curtas distâncias. Estamos também a investir em mais estacionamento na via pública para que seja cada vez mais fácil e seguro deixar a bicicleta na rua.
“O município encoraja, no âmbito da promoção dos transportes sustentáveis na cidade, a prossecução destes serviços de mobilidade partilhada. Contudo, estamos cientes de que estes novos modos de transporte trazem novos desafios às cidades, que precisam de ser adaptar para os receber”.
Falta dar o salto nos transportes públicos (TP). Qual é a estratégia?
Os TP têm de vir para o século XXI. Têm de ser modernos, de integrar este novo modo de transporte, que é o telemóvel, através do qual conseguimos consumir serviços que nos levam de A para B. Significa isto que o TP tem de se integrar com as restantes soluções de mobilidade partilhada, carros, bicicletas, trotinetes, mas também serviço de táxi ou TVDE. No entanto, também temos de cumprir com o básico e não só recuperar o investimento no sistema de transportes, onde a Carris é hoje um grande exemplo, como temos de alargar a oferta de TP. A Carris tem, mesmo momento, em curso a maior operação de aquisição de autocarros e eléctricos que vai permitir renovar e aumentar a frota e melhorar o serviço. São 250 novos autocarros em 2018/19 que começaram a ser entregues desde Novembro. Estamos em processo de contratação de 30 novos eléctricos, dez clássicos, os primeiros em muitas décadas, e 20 articulados. Está também a decorrer o processo de recrutamento de 220 novos motoristas e guarda-freios [em 2018]*, dos quais mais de metade já estão ao serviço, e que se juntam aos mais de 120 funcionários contratados em 2017. Desta forma, acreditamos estar prontos para aumentar a frequência e a fiabilidade do serviço para que cada vez mais pessoas confiem no serviço de TP da Carris. Finalmente, há a questão dos passes metropolitanos e municipal. É uma revolução. Não só pela redução de preço, que também é um factor de promoção da acessibilidade, mas também pela enorme simplificação da quantidade de títulos existente.
Há uma visão metropolitana. Como tem sido essa experiência?
O primeiro ano deste mandato fica marcado, em termos políticos, por um enorme consenso de afirmação da mobilidade como um desafio do mandato e da próxima década na área metropolitana. A revolução de que precisamos na mobilidade começa aí. Hoje, estão lançadas as bases do passe único de 30 euros para Lisboa e 40 euros de e para qualquer ponto da área metropolitana, do transporte gratuito até aos 12 anos, do passe família. Além disso, há uma grande recuperação no financiamento do serviço público já a partir do próximo ano. Mas foi-se mais longe e, com a anunciada criação da marca Carris Metropolitana e da Empresa Metropolitana de Transportes, será dada uma competência técnica à gestão do sistema como nunca aconteceu até aqui, e, principalmente, para as pessoas, será potenciada uma uniformização do serviço, elevando os padrões de qualidade existentes com autocarros e sistemas mais modernos.
A mobilidade em Lisboa faz-se também com novos modos, como as trotinetas. Como a CML encara e regula a presença desses novos players?
O município encoraja, no âmbito da promoção dos transportes sustentáveis na cidade, a prossecução destes serviços de mobilidade partilhada. Contudo, estamos cientes de que estes novos modos de transporte trazem novos desafios às cidades, que precisam de ser adaptar para os receber. A utilização e o estacionamento destes novos modos de transporte obedecem a regras e os utilizadores devem respeitá-las, tal como devem respeitar os outros utentes da via de forma a garantir a segurança de todos. Zelar pela qualidade do espaço público e pela segurança de todos os utilizadores é a principal prioridade no município. Lisboa é uma das poucas cidades que dispõe de vários sistemas partilhados: Car sharing (incluindo um 100% eléctrico), bike sharing, scooter sharing e trotinetes partilhadas. A entrada da DriveNow, EMov, eCooltra e hertz 24/7 e, agora, da Lime, além da GIRA, reforçam o ecossistema da mobilidade partilhada e oferecem cada vez mais alternativas ao automóvel próprio. A CML reúne regularmente com estes operadores, procurando criar condições para potenciar a sua actividade e corrigir o que for necessário.
Cidades, como Madrid, estão a limitar a entrada dos automóveis. Essa pode ser uma realidade para Lisboa?
Temos feito um elevado investimento na requalificação do espaço público, dando mais espaço ao peão, à bicicletas, construindo mais espaços verdes. A transformação do espaço público da 24 de Julho, do Terreiro do Paço, da Baixa, do Eixo Central, mitigou a circulação automóvel. Lançámos as zonas de emissão reduzidas primeiro do que a maior parte das cidades: a circulação de veículos que não respeitem as normas EURO 2 ou EURO 3 está condicionada. Como referi, a qualidade do ar e minimizar o impacto das alterações climáticas são prioridades para a CML. As cidades devem adoptar as medidas necessárias para garantir a qualidade de vida de moradores e visitantes e é nesse sentido que Lisboa tem vindo a trabalhar.
*Entrevista realizada em Novembro de 2018 e publicada na edição nº22 da Smart Cities