Apresentada oficialmente ao mundo em Nova Iorque, durante o Smart Cities New York, que teve lugar entre os dias 13 e 15 de Maio, a plataforma AYR, desenvolvida pelo CEiiA, propõe uma rota alternativa para a neutralidade carbónica: a valorização das emissões evitadas através de um sistema de créditos.

 

Trocar o automóvel particular por modos mais sustentáveis e receber, pelas emissões de CO2 evitadas, créditos que podem ser convertidos em prémios é a proposta da plataforma AYR. O sistema de créditos, desenvolvido pelo CEiiA, foi apresentado ao mundo em Nova Iorque, durante o mês de Maio, mas, em Matosinhos e Cascais, está já a ser testado pelos colaboradores do centro de excelência, no âmbito do projecto piloto WeShare by AYR.

“Ao utilizarem os modos de mobilidade sustentáveis disponibilizados pelo CEiiA nas suas deslocações quotidianas, nomeadamente os sistemas de partilha de bicicletas e trotinetas elétricas, os utilizadores evitam emissões de CO2 que são quantificadas e convertidas em créditos (token AYR) pela plataforma. Os AYR são acumulados na carteira digital de cada utilizador e são transferidos para uma ‘pool’ do CEiiA em troca de um prémio salarial mensal”, explica Catarina Selada, head do City Lab desta entidade.

 

 

Para além dos colaboradores do CEiiA, pretende-se que o projecto piloto seja alargado aos colaboradores da câmara municipal de Matosinhos e, posteriormente, à restante população. No entanto, a ideia é não se ficar por aqui. Enquanto “resposta ao desafio lançado pelas Nações Unidas de colocar um preço no carbono”, a ambição do CEiiA para esta plataforma é “global”, sendo esta “aplicável em qualquer cidade do mundo que tenha uma política de descarbonização centrada no cidadão”. O objectivo é “alargar a todo o planeta”.

Mas como isto funciona exactamente? De forma simplificada, a ideia assenta numa plataforma de quantificação, valorização e transação de emissões de CO2 evitadas, com base em tecnologia blockchain, que recompensa comportamentos sustentáveis, atribuindo créditos acumuláveis numa carteira digital. Estes créditos podem ser trocados por bens ou serviços verdes, tais como descontos em mobilidade sustentável, nas facturas de electricidade referentes ao carregamento de veículos eléctricos, ou descontos na aquisição de serviços culturais, entre outros. “Quando os AYR são utilizados em troca de descontos em serviços de mobilidade sustentável, gera-se um efeito multiplicador. Ou seja, trata-se de um círculo virtuoso, em que são utilizados créditos AYR para evitar emissões de carbono e gerar novos AYR”, exclama a responsável.

 

 

A solução é centrada no cidadão, mas, para funcionar na plenitude, implica a criação de um “ecossistema integrado por diversos actores – cidadãos, comunidades, operadores de mobilidade, operadores de energia, empresas fortemente emissoras, comércio local, etc. – que vai crescendo gradualmente até à emergência de um mercado local de carbono”. Para a construção deste ecossistema local, numa primeira fase, empresas e organizações poderão aderir por questões relacionadas com responsabilidade social e ambiental, valorização de marca, angariação de novos clientes ou até para a obtenção de incentivos e/ou benefícios fiscais, esclarece Catarina Selada. “A ideia base passa por utilizar os AYR acumulados, por exemplo, distribuindo-os aos seus colaboradores, induzindo comportamentos de mobilidade sustentável ou utilizando-os noutros serviços da cidade”.

Tendo em conta o seu contexto local, “a plataforma AYR deve sempre ser adaptada às especificidades territoriais, como os perfis de mobilidade, o nível de emissões ou as políticas municipais. Além do mais, o ecossistema a criar integrará sempre agentes locais, nomeadamente operadores de mobilidade que actuam especificamente no território”. E como se passa da escala local para a nacional ou global? A resposta é simples: pela criação de uma rede de ecossistemas deste género que poderá também contar com a participação de operadores globais.

Concebida para contribuir activamente para a descarbonização dos territórios, a solução está em linha com os documentos nacionais, nomeadamente o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e com o Plano Nacional de Energia e Clima 2030. Graças a um algoritmo específico, é possível medir o contributo real do sistema, isto porque a recolha de dados relativos aos indicadores de mobilidade, em tempo real, permite a quantificação das emissões evitadas em cada percurso. “Neste momento, estamos a modelar o ecossistema AYR de Matosinhos, com vista a realizar análises preditivas acerca do comportamento do sistema e estimar cenários de redução de emissões”, avança Catarina Selada. No que se refere à privacidade dos utilizadores, a especialista do CEiiA tranquiliza, esclarecendo: “A solução é assente em tecnologia blockchain, em que as directivas de privacidade do Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados (RGPD) foram embebidas, assegurando uma privacidade ‘by design’ logo à partida. A carteira digital é encriptada com base numa chave privada à qual apenas o utilizador tem acesso, criada a partir de uma frase mnemónica de 12 palavras escolhidas de forma aleatória pelo utilizador”.

A plataforma AYR centra-se, para já, na temática da mobilidade sustentável, mas é possível adaptá-la a outras áreas – “a mais óbvia é a da energia, mas o conceito pode alargar-se à alimentação ou à reciclagem de resíduos”. Na sua aplicação para a mobilidade e no âmbito do projecto piloto, a iniciativa está a ter “grande adesão” por parte dos colaboradores do CEiiA, o que se espera que seja um exemplo para a população do município de Matosinhos – não só pela adesão a modos mais sustentáveis, mas também no que se refere a factores, como segurança ou ocupação do espaço público, para os quais não existe ainda “a regulamentação adequada para responder aos desafios destes novos meios de micro-mobilidade em contexto urbano”, conclui Catarina Selada.