O estacionamento gratuito numa rua movimentada concede um benefício pequeno e temporário a apenas alguns condutores sortudos, mas cria grandes problemas para todos os outros. Donald Shoup explica porquê.
“Quantas mais provas sobre a perigosidade de algo são necessárias até agirmos?”
Malcolm Gladwell
O condutor que ocupa o último espaço de estacionamento livre provoca uma série de custos para todos. Não há nenhum problema em encontrar um espaço junto à berma se, pelo menos, um espaço estiver livre num quarteirão. Contudo, quando esse último espaço for ocupado, não há espaço para estacionar e os condutores circulam à volta do quarteirão, nos seus casulos de metal com bancos de pele tão macios como uma mousse de caramelo. Estas “voltas” aumentam o fluxo de trânsito, enquanto os condutores procuram um espaço livre. Deste modo, ocupar o último espaço livre num quarteirão cria rapidamente um problema de congestionamento.
Quando o fluxo de trânsito aumenta para além de um ponto crítico em que os automóveis ficam muito próximos entre si, de repente, todos os automóveis e autocarros ficam presos “pára-arranca”. Quando se forma o “pára-arranca”, o consumo de combustível dos automóveis, as emissões poluentes e as emissões de gases de efeito de estufa por quilómetro aumentam rapidamente. E os condutores que se distraem enquanto procuram o estacionamento aumentam os riscos de acidentes para peões, ciclistas e outros condutores. Assim, o veículo que ocupar o último espaço livre num bloco cria um efeito dominó de consequências prejudiciais. A escassez enlouquecedora do estacionamento na via pública também leva a reivindicações políticas por requisitos de estacionamento fora da via que têm consequências ainda mais catastróficas nos mercados de habitação e transporte. O estacionamento gratuito junto à berma numa rua movimentada concede um benefício pequeno e temporário a apenas alguns condutores sortudos, mas cria grandes problemas para todos os outros. Procurar lugar para estacionar é individualmente racional, mas coletivamente insano.
Ocupar o último lugar de estacionamento livre num quarteirão tem consequências semelhantes às do provérbio sobre a falta de um prego na ferradura:
À falta de um prego, perdeu-se a ferradura.
À falta de uma ferradura, perdeu-se o cavalo.
À falta de um cavalo, perdeu-se o cavaleiro.
À falta de um cavaleiro, perdeu-se a mensagem.
À falta de uma mensagem, perdeu-se a batalha.
À falta de uma batalha, perdeu-se o reino.
E tudo por causa de um prego de uma ferradura.
A falta de um espaço de estacionamento livre pode parecer tão insignificante como a falta de um prego de ferradura, mas cria uma situação desastrosa. Deixar de cobrar os preços certos para o estacionamento junto à berma do passeio pode levar ao aumento das disfunções nos mercados relacionados e provocar resultados graves que poucas pessoas encontrarão na falta de um espaço de estacionamento livre. Seguindo a mesma linha de raciocínio, a cobrança dos preços adequados pode produzir uma série de benefícios que poucas pessoas encontrarão num espaço de estacionamento livre. Um lugar de estacionamento livre ajuda toda a gente, não apenas os condutores.
Ninguém gosta de pagar para estacionar, mas ninguém gosta de andar às voltas para estacionar também. As taxas de estacionamento podem pagar pelos serviços públicos, mas o tempo gasto à procura de estacionamento desaparece para sempre. Quando todas as consequências forem consideradas, o mundo será um lugar melhor se todos os condutores pagarem os preços de mercado pelo estacionamento na via pública e se as cidades não necessitarem de estacionamento fora da via. Os benefícios serão maiores nas cidades mais densas. Agora, a marca de uma grande cidade é a de que nunca existem lugares suficientes para estacionar. Com preços com base na procura para estacionamento junto à berma, as grandes cidades terão mais lugares para estacionar e mais dinheiro para pagar pelos serviços públicos. Alguns espaços livres numa rua movimentada podem parecer subutilizados ou mesmo desperdiçados, mas os lugares vazios são valiosos porque estão vazios.
Debater com os céticos
Apesar de todo o dano causado pelas voltas à procura do estacionamento subvalorizado, convencer as cidades a cobrar preços de mercado pelo estacionamento junto à berma é difícil. Eu sei, porque tenho tentado, durante vários anos, em muitas cidades, defender o estacionamento junto à berma ao valor de mercado. Os condutores que querem estacionamento gratuito tendem a gritar e a dominar a maioria dos debates públicos.
Em 2009, fui convidado para fazer uma apresentação em Santa Rosa, na região vinícola do norte da Califórnia. Santa Rosa tem um centro animado com muitos bons restaurantes e um problema de estacionamento. Tive o prazer de ver o grande auditório cheio de pessoas na câmara municipal para escutarem um professor a falar sobre estacionamento. Falei durante uma hora e expliquei porque é que achava que Santa Rosa deveria cobrar preços de mercado pelo seu estacionamento escasso e gastar a receita na melhoraria das zonas pagas.
Os parquímetros da cidade funcionavam das 8h00 às 18h00, mas quase todos os espaços de estacionamento junto à berma estavam livres antes das 10h00 e cheios depois das 18h00. Sugeri que a cidade começasse a activar os parquímetros às 10 da manhã, para que mais clientes pudessem ir aos cafés que abriam mais cedo. Também sugeri activar os parquímetros mais ao fim da tarde para evitar uma escassez de espaços de estacionamento para os restaurantes. Se parquímetros com os preços correctos criarem alguns espaços livres à noite, as pessoas acharão mais fácil conduzir até aos muitos restaurantes. Quem não quiser pagar pelo estacionamento junto à berma pode estacionar gratuitamente nos parques municipais de Santa Rosa. Os automóveis preencherão a grande maioria, mas não todos os espaços, como tal, os parquímetros não podem afastar assim tantos clientes.
O público pareceu concordar, mas a primeira pergunta veio de um homem furioso da fila de cima. Ele não estava a espumar-se, mas as pessoas que estão próximas pareciam recuar perante os bocados de saliva. Ele bradou que, se a cidade activasse os parquímetros à noite, nunca mais voltaria ao centro da cidade para frequentar um restaurante. Ele parecia pensar que a questão ficaria, assim, resolvida.
Respondi que se este homem não conduzisse na baixa, alguém que estivesse disposto a pagar pelo estacionamento iria ocupar o seu lugar. E perguntei: “quem acha que iria deixar uma gorjeta maior num restaurante? Alguém que venha à baixa apenas se puder estacionar de graça depois de conduzir durante 20 minutos, à espera de ver um automóvel a sair, ou alguém que esteja disposto a pagar por um espaço junto à berma conveniente perto do restaurante?”. Também sugeri que, se não quisesse pagar pelo estacionamento no centro da cidade, poderia obter “uma melhor oferta” na praça de alimentação de um shopping suburbano com amplo estacionamento gratuito. O público começou a rir, a bater palmas e a aplaudir. Já não era uma maioria silenciosa.
Nas duas noites anteriores, eu tinha jantado em Santa Rosa e perguntei aos empregados – como sempre o faço quando visito um restaurante – onde é que estacionam. Como os parquímetros deixavam de funcionar às 18h00, os empregados disseram que chegavam antes das 18h00, quando havia alguns espaços pagos disponíveis, pagavam pelo pouco tempo até as 18h00 e tinham estacionamento gratuito para o resto da noite. Se os empregados ocuparem espaços de estacionamento que os clientes poderiam ter usado, isso significa menos clientes para os restaurantes, logo, menos gorjetas.
Os empregados que estacionam junto à berma provavelmente serão “condutores solitários”, mas dois, três ou quatro clientes podem chegar num carro. Se um espaço de estacionamento pago rodar duas vezes durante a noite, cada espaço pode servir dois grupos de comensais para um restaurante em vez de um empregado. Com mais clientes, os restaurantes podem expandir, contratar mais empregados e pagar mais impostos sobre vendas. Parece contraintuitivo que os empregados fiquem numa melhor posição, caso os parquímetros funcionem ao fim da tarde, mas os empregados e todos os demais envolvidos serão beneficiados. Alguns empregados podem estacionar em garagens ou estacionar na via pública mais distante e os clientes dos restaurantes irão ocupar o seu lugar. O estacionamento na via pública será bem utilizado, mas os utentes serão diferentes – serão clientes, não empregados. O negócio irá melhorar, mesmo que a ocupação do estacionamento não pareça muito diferente.
Um dos argumento contra os parquímetros ao fim da tarde é aquele convencional: os limites de uma ou mais horas são inconvenientes para clientes que pretendem passar mais tempo num restaurante ou sala de cinema. Por este motivo, as cidades deveriam retirar os limites de tempo nos parquímetros à noite e permitir preços para criar a rotatividade.
Um argumento mais forte contra os parquímetros durante a noite é o de que os empregados e outro pessoal de serviço que trabalham até altas horas e ganham baixos salários não podem pagar o estacionamento. Por esse motivo, algumas cidades cobram pelo estacionamento na via e oferecem passes de estacionamento gratuitos ou com desconto nas garagens municipais para funcionamentos de fim de tarde e nocturnos. Uma vez que os fins de tarde e noites são geralmente um tempo de baixa procura de estacionamento em parques no centro da cidade, há uma abundância de espaços de estacionamento fora da via pública que se encontra disponível. Quando Santa Fé, no Novo México, alargou as suas horas de parquímetro até ao fim da tarde, também começou a oferecer passes de estacionamento de “equidade social” em parques municipais pela metade do preço normal para condutores que trabalham no centro da cidade e têm salários de 15 dólares por hora ou menos. Portland, no Oregon, e Sacramento, Califórnia, possuem programas similares. A mudança de trabalhadores para espaços fora da via pública pode tornar os espaços mais convenientes da via disponíveis para clientes.
Finalmente, para abreviar qualquer debate sobre cobrar estacionamento na via pública, pergunto, por vezes, aos críticos dos preços com base na procura que princípio iriam utilizar para definir preços para estacionamento em cada quarteirão, a todas as horas do dia. Afirmar que os preços com base na procura são injustos é muito mais fácil do que sugerir uma alternativa lógica.
Demorou mais tempo do que eu esperava para Santa Rosa mudar a sua política de parquímetros. Em 2017, Santa Rosa decidiu activar os parquímetros das 10h00 às 20h00 e aumentar os preços dos parquímetros nas zonas com a procura mais alta para $1,50 por hora. Tal como reportado no jornal da cidade, The Press Democrat,
A cidade tem vindo a considerar as políticas de estacionamento progressivo desde 2009, quando Donald Shoup, um influente académico sobre o assunto, visitou Santa Rosa e delineou os seus pontos de vista. É o autor do livro “There Ain’t No Such Thing as Free Parking” (“Não existe tal coisa como estacionamento gratuito”, tradução livre). Shupe argumentou que uma comunidade deveria ter como objectivo 85 % de ocupação dos seus espaços de estacionamento e ajustar os preços para atingir esse nível, se possível.
O jornalista pronunciou mal o meu nome e deturpou o título do livro, mas acertou em cheio na proposta da política.
Terapia de preços ao invés de requisitos de estacionamento
Se os preços de mercado do estacionamento na via pública não funcionarem bem, uma cidade pode facilmente reverter para preços fixos, mas os requisitos de estacionamento pago fora da via possuem efeitos determinantes, quase irreversíveis. Para utilizar uma analogia médica, os preços de mercado assemelham-se à fisioterapia, enquanto os requisitos de estacionamento assemelham-se a grandes cirurgias. Como a fisioterapia é muito mais barata e causa muito menos danos se for a escolha errada, muitos médicos recomendam primeiro a fisioterapia para ver se se pode resolver um problema antes de recorrer a medicamentos ou a cirurgia. Os planeadores urbanos devem tentar a terapia do preço antes de precisarem de asfalto e cimento para resolver problemas de estacionamento.
Os planeadores urbanos diagnosticaram uma escassez de estacionamento gratuito como uma falha do mercado em disponibilizar espaços de estacionamento suficientes. A solução recomendada tem sido a de exigir mais estacionamento fora da via pública, o que resulta num alto custo financeiro bem como em cidades desfiguradas. Como a procura por estacionamento gratuito é muito maior do que a procura por estacionamento a preço de mercado, as cidades devem exigir muito mais espaço fora da via do que o mercado forneceria. A ampla oferta de estacionamentos necessários fora da via pública aumenta o número de automóveis (mais circulação), o que intensifica o congestionamento do tráfego e gera a exigência por estradas mais amplas. O consequente congestionamento de tráfego fez com que muitas pessoas culpassem os automóveis como fonte do problema. Se as cidades definirem os preços junto à berma de forma adequada e removerem os requisitos de estacionamento fora da via pública, os automóveis produzirão mais benefícios privados, menos custos sociais e mais receita pública.
Irá a terapia de preços prejudicar os mais desfavorecidos? Em balanço, não. Irá prejudicar os condutores que preferem passar o tempo a circular pelo quarteirão, a congestionar o tráfego, a gastar energia e poluir o ar, tornando o transporte público mais lento, colocando peões e ciclistas em risco, causando acidentes e contribuindo para as mudanças climáticas em vez de pagar para estacionar. Transporte público mais rápido e mais barato, o ar mais limpo, bem como passeios e mobilidade ciclável mais seguros ajudarão todos aqueles que não têm possibilidades económicas de ter um automóvel. Os serviços públicos financiados com a receita do estacionamento irão ajudar todos.
Existem ainda preocupações de equidade a nível mundial. O estacionamento grátis é uma espécie de promoção para a queima de combustíveis fósseis, aumentando assim as emissões de carbono. Se as cidades cobrarem preços de mercado para o estacionamento junto à berma e removerem os requisitos de estacionamento fora da via pública, elas irão reduzir significativamente as suas emissões de carbono. Como a cobrança pelo estacionamento junto à berma é muito mais fácil do que cobrar as emissões de carbono, os defensores da tributação das emissões de carbono também devem defender o estacionamento pago. O potencial da mudança climática para prejudicar toda a população da Terra torna o estacionamento gratuito na via pública e os requisitos de estacionamentos pago injustos e imprudentes não apenas a nível local, como também a nível global.
Os requisitos do estacionamento fora da via pública reflectem o planeamento para o presente, não para o futuro. Politicamente úteis a curto prazo, mas perigosos a longo prazo, os requisitos de estacionamento criam óptimos locais para carros, mas não grandes cidades para pessoas ou um grande futuro para a Terra.
Anular e substituir
Os requisitos de estacionamento fora da via pública são como um medicamento para a fertilidade para automóveis. Em The High Cost of Free Parking, publicado em 2005 pela American Planning Association’s Planners Press, argumentei que os requisitos de estacionamento subsidiam os automóveis, aumentam o congestionamento de trânsito, poluem o ar, encorajam a propagação, aumentam os custos de habitação, degradam o design urbano, impedem a facilidade de caminhar, prejudicam a economia e penalizam as pessoas que não podem ter um automóvel. Desde então, tanto quanto sei, nenhum membro da profissão ligada ao planeamento argumentou que os requisitos de estacionamento não provocam estes efeitos prejudiciais. Em vez disso, um novo livro da Planner’s Press, Parking and the City, publicado em 2018, relata uma torrente de recentes investigações demonstrando que os requisitos de estacionamento provocam realmente estes efeitos prejudiciais. Os requisitos de estacionamento no planeamento urbano estão a envenenar as nossas cidades com demasiado estacionamento.
Se as cidades querem aumentar a sua oferta de habitação e reduzir a procura por carros, não deveriam exigir que as habitações tenham garagem. Os requisitos de estacionamento fora da via pública reduzem a oferta de casas e aumentam a procura do carro. Ainda assim, apesar de todos os danos provocados, estes são quase um culto estabelecido no planeamento urbano. Ninguém deveria criticar o culto religioso de outros, mas, no que toca a requisitos de estacionamento, sou um protestante e acredito que o planeamento urbano necessita de uma reforma. De quantas mais provas necessitam os planeadores urbanos sobre o perigo dos requisitos de estacionamento antes destes agirem?
Anular os requisitos de estacionamento fora da via pública e substituí-los por estacionamento pago na via pode, à primeira vista, parecer uma gigantesca tarefa social, quase como a Reforma ou a Lei Seca, demasiado grande e transtornante para a sociedade aceitar de forma pacífica. No entanto, a estratégia de anulação e substituição deve atrair eleitores ao longo de um amplo espectro político. Os conservadores irão verificar que isso reduz as regulamentações governamentais e depende das escolhas do mercado. Os liberais irão verificar que aumenta os gastos com serviços públicos. Os ambientalistas irão verificar que isso reduz o consumo de energia, a poluição do ar e as emissões de carbono. Os novos urbanistas irão verificar que isso permite que as pessoas vivam em maior densidade sem serem atropeladas por automóveis. Os construtores irão verificar que isso reduz os custos de fabrico. Os condutores de todas as cores políticas irão verificar que garante o estacionamento conveniente, se não gratuito. Os representantes eleitos irão compreender que isso reduz o congestionamento de trânsito, permite o desenvolvimento de construção e fornece serviços públicos sem aumentar impostos. E, por fim, os planeadores poderão dedicar menos tempo ao estacionamento e mais tempo às cidades.