Um pouco por toda a Europa, estão a surgiu iniciativas que querem dar ao cidadão o poder sobre a energia. As cooperativas de energias renováveis representam uma autêntica revolução, na qual Portugal está também a participar.

Coopérnico é o nome da primeira e, até agora, única cooperativa de energias renováveis em Portugal. O movimento, que está a ganhar força por toda a Europa, pretende dar ao cidadão o poder sobre a energia que utiliza, numa “revolução” com benefícios ambientais e sociais e retorno financeiro para quem investe, garantem os impulsionadores.

Em menos de um ano [2014], a Coopérnico finalizou já quatro projectos de energias renováveis em Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e tem actualmente um em conclusão numa cooperativa de turismo de natureza. O processo consiste no aluguer do telhado, onde são instalados painéis solares fotovoltaicos que geram electricidade para injectar na rede. Usufruindo das tarifas bonificadas em vigor, a venda de electricidade de origem renovável à rede vai pagar o investimento realizado, desta feita, pelos membros da Coopérnico. “É um contrato de empréstimo, só que quem empresta é o membro e não o banco”, explica Nuno Brito Jorge, um dos fundadores e actual presidente da cooperativa. O retorno do investimento começa logo a ser visto no primeiro ano, “reduzindo o endividamento da cooperativa, que vai, assim, ganhando credibilidade junto das pessoas”.

A completar um ano de existência em Novembro [2014], a Coopérnico, que se apresenta como não tendo fins lucrativos, ultrapassou recentemente a marca dos 100 membros. Para além do investimento em projectos de energias renováveis, a cooperativa oferece um serviço de aconselhamento no âmbito da eficiência energética e vai, muito em breve, comercializar electricidade.

“É uma questão de empowerment do cidadão”, justifica Nuno Brito Jorge. “Ao tornarem-se membros e ao comprarem a electricidade à Coopérnico, as pessoas são donas da sua companhia de electricidade, participam na sua gestão e na decisão do preço a que vão comprar essa electricidade”, esclarece. “Se assim não for, seremos apenas mais um comercializador”.

Ser membro e investir

As regras para entrar na Coopérnico são simples. Com 60 euros é possível fazer parte desta cooperativa, passando a deter três títulos do capital social. Se, entretanto, pretender deixar de ser membro, este valor é-lhe reembolsado na totalidade; se não, caso a cooperativa apresente lucros no final do ano, receberá os respectivos dividendos. A transparência na tomada de decisões é um requisito, já que todas são feitas em assembleias gerais, na qual se espera que participem todos os membros.

A adesão à cooperativa abre também portas a outras iniciativas, como a participação em grupos de trabalho, que vão desde a educação ambiental, com a promoção de acções e sinergias com outros projectos, à inovação e prospectiva, com vista à identificação de novas áreas de actuação, e à análise de projecto. Com o objectivo de criar uma dinâmica a nível nacional, a cooperativa dispõe ainda núcleos regionais por todo o país.

Tanto os serviços de aconselhamento de eficiência energética, como os de comercialização de electricidade estão disponíveis para qualquer membro. No entanto, o investimento em projectos de energias renováveis — por exemplo, a instalação de painéis solares fotovoltaicos em determinada associação — exige um investimento mínimo de 500 euros, o qual terá uma remuneração fixa, a 4% ao ano, num contrato de 12 anos. O retorno ao investimento será feito com base no pagamento das tarifas remuneratórias (para projectos executados em 2014, os valores das tarifas variam, para os primeiros oito anos, entre os 130€/MWh e os 106€/MWh, para micro e miniprodução, respectivamente).

No que toca aos riscos do investimento, Nuno Brito Jorge desvaloriza qualquer preocupação — “são bastante reduzidos, pois temos a tarifa garantida; em caso de avarias, pode haver riscos associados à indisponibilidade de materiais, mas mesmo aí somos prudentes e temos uma margem de manobra, já que os nossos contratos são de 12 anos e as tarifas são garantidas por 15”.

Atenta à redução progressiva dos valores das tarifas para a electricidade renovável e como forma de assegurar esta margem de segurança, a cooperativa adquiriu, recentemente, duas centrais solares fotovoltaicas, sujeitas a tarifas anteriores e mais atractivas, que vão permitir uma maior rentabilidade, explica Nuno Brito Jorge. Todavia, a Coopérnico sabe que tem de caminhar para outras actividades. A comercialização de electricidade, com garantia de origem 100% renovável, é o próximo grande passo.

Estória de uma cooperativa

Nuno Brito Jorge é engenheiro ambiental e “fascinado” pelas renováveis. Rapaz novo, defende com todas as forças a missão da Coopérnico. “De todos os trabalhos não remunerados que pudesse ter, poucos me poderiam dar tanto gozo como este”, confessa. Tudo começou com uma ideia de amigos, que decidiram, em conjunto, investir num projecto fotovoltaico. Para contornar o elevado investimento necessário, os quatro amigos pensaram numa solução de crowdfunding. Porém, este modelo mostrou-se demasiado complexo em termos legais ­— “para fazer crowdfunding em Portugal com retorno ao nível do investimento temos de ser um banco, e não o somos nem tínhamos qualquer intenção de o ser”, conta.

Foi na procura de soluções que Nuno Brito Jorge teve conhecimento do sucesso da cooperativa catalã Som Energía e viajou para Girona, a fim de saber mais sobre o assunto. Embora desconhecesse o modelo, rapidamente foi convencido pelos sete princípios cooperativos (ver informação abaixo). O jovem engenheiro estava disposto a trazer o modelo para o sector da energia em Portugal. No entanto, uma questão continuava por resolver: o financiamento necessário. “Para as pessoas investirem nos nossos projectos, tínhamos de ter a certeza de que o íamos desenvolver e, para registar projectos, precisávamos de ter o dinheiro para o fazer”, revela.

O passo seguinte foi procurar apoio junto da RESCoop (Rede Europeia de Cooperativas de Energias Renováveis). Sendo uma federação, a RESCoop não avançou com o financiamento, mas foi o ponto de contacto com outras três cooperativas europeias  — uma belga, outra holandesa e a catalã  [Som Energía] ­— dispostas a ajudar num investimento de 350 mil euros no arranque da Coopérnico. “Era a base sólida de que precisávamos para avançar”, recorda. “Não se trata de um empréstimo, o que fizemos foi criar um consórcio e, durante três anos, a Coopérnico vai comprando as quotas das outras cooperativas até deter os 100%”. O objectivo deste acordo, garante Nuno Brito Jorge, não é o lucro, mas sim a entreajuda entre as cooperativas. Dados da RESCoop mostram que existem 278 cooperativas no sector das energias renováveis em toda a Europa, tendo o movimento particular expressão na Bélgica, Holanda e Alemanha.

A composição dos órgãos sociais para formação de uma cooperativa exigia mais do que os quatro fundadores e, rapidamente, outras 12 pessoas com “competências completamente diferentes” se juntaram à iniciativa. Em Novembro de 2013, nascia a Coopérnico.

O turismo rural Quinta do Caracol, a Associação João Santos, o Centro de Actividades Ocupacionais Júlia Moreira e “A Lebre e a Tartaruga” da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM) fazem parte do portfólio da Coopérnico. Porém, ao início, não foi fácil convencer as instituições a aderir. “Começámos por bater às portas”, conta o co-fundador, “mas, a partir do momento que começamos a ter mais visibilidade, o processo inverteu-se”. A selecção do projecto faz-se agora com base em dois critérios: o económico e o social. “Se for uma instituição social e for financeiramente rentável, faz sentido avançarmos”, explica.

A escolha das empresas subcontratadas para a concretização dos projectos é também sujeita a algumas condições: são sempre pedidos três orçamentos, mas as empresas devem ser locais e membros da Coopérnico. “Podem ser pessoas ou empresas, mas, se quiserem participar, faz sentido que acreditem no movimento e não colaborem com a Coopérnico só por interesse financeiro”, justifica o porta-voz.

Motivação

“O amor à arte” é, de acordo com o fundador da cooperativa portuguesa, a principal motivação dos cidadãos que, à sua semelhança, têm por toda a Europa sido o motor de organizações deste tipo. “O que nos move é efectivamente a consciência ambiental e social. Por isso é que tentamos que os nossos projectos sejam nos telhados de IPSS, para envolvermos directamente a economia social”, refere Nuno Brito Jorge. “Não só por sermos uma associação sem fins lucrativos, mas para trazer os nossos benefícios ainda mais próximos das pessoas de que precisam e das associações que fazem um bom trabalho nesta área. O que nos motiva é o ambiente e a sociedade”, exclama.

Já para levar os outros a aderir, os argumentos variam conforme o interlocutor.  “O melhor argumento de venda, digamos, é aquele que não queremos transmitir — a luta contra o oligopólio da energia ­—,  mas não queremos ir por aí, queremos que as pessoas se revejam na nossa causa — mais energias renováveis, maior protecção ambiental e a gestão democrática e social”, explana.

“Para convencer alguém a fazer parte da Coopérnico, tenho de ter a certeza de que aquilo que estou a dizer faz sentido para essa pessoa. Não precisamos de achar todos que as alterações climáticas são culpa do homem, não precisamos pensar que a protecção ambiental se tem sempre de sobrepor ao ambiente e até podemos achar que a fase das bicicletas é tudo uma loucura e que estas andam só a ocupar o espaço dos carros, mas temos de concordar que o sucesso sabe melhor quando é partilhado, que é bom sabermos que investimos o nosso dinheiro numa boa causa, e que as fontes de energia renováveis têm benefícios inegáveis a longo prazo, do ponto de vista social, ambiental, de independência energética e de segurança de abastecimento”, conclui Nuno Brito Jorge.

Os sete princípios cooperativos

  1. adesão livre e voluntária;
  2. controlo, organização e gestão democrática;
  3. participação económica dos membros;
  4. autonomia e independência;
  5. educação, capacitação e informação;
  6. cooperação entre cooperativas;
  7. compromisso com a comunidade.

 

*O artigo foi publicado, originalmente, na edição #02 da revista Smart Cities. Aqui, com as devidas adaptações.