As cidades existem há milhares de anos. Muitas delas foram sendo abandonadas, mas, pelo menos, desde 9000 a.C. que há cidades permanentemente povoadas, apontando-se que a mais antiga seja Jericó. Desde o momento da sua fundação até aos dias de hoje, as cidades sempre tiveram de mudar e se adaptar a novas realidades.
Muitas dessas mudanças se deveram a alterações na forma de locomoção. Desde a invenção da roda e a chegada de carroças ao meio urbano à introdução de transportes públicos, seguindo-se de velocípedes, as cidades sempre se foram adaptando, sem nunca perder a necessidade de manter a “humanidade” da cidade. Todavia, nos últimos 100 anos, muita dessa “humanidade” se foi perdendo. A face das cidades foi-se transformando, deixando de se ver tantas pessoas a usufruírem dos espaços públicos e passando estas a deslocarem-se em carros.
As pessoas fazem tudo de carro, porque têm medo de sair a pé, de ir de bicicleta ou de usar o autocarro. Com tudo isso, deixaram de conhecer a cidade. Conhecem o elevador, a garagem do prédio e o parque de estacionamento da escola ou do trabalho. No caminho entre os pontos de partida e de chegada, a cidade passou a ser apenas paisagem. E é a este cenário que muita gente tem habituado os filhos: elevador – garagem – carro – escola. Perante isto, apenas podemos concordar com o escritor Carlos Neto, quando este diz que estamos, de facto, a criar totós. Totós que desconhecem completamente a cidade, os seus encantos e recantos, as suas características e pormenores. Estamos a matar as cidades e o futuro.
“É, então, aqui que entram as novas políticas de mobilidade das cidades e é aqui que é preciso haver coragem política para restringir o uso do carro e mudar a face da cidade, adaptando-a para que as pessoas possam, sem medo, adotar a bicicleta e o transporte público como o seu meio de transporte”.
Em Braga [cidade onde vivo], destruiu-se a muralha para fazer crescer a cidade e voltar a torna-la atrativa. Deitaram-se casas abaixo para alargar ruas e transforma-las numa avenida. Construiu-se uma enorme avenida, na altura com ciclovia, pelo meio de descampados para atrair mais pessoas para essas zonas. E, em todo este processo urbanístico, muita coisa falhou, porque ninguém foi célere o suficiente para apresentar um plano. E ninguém teve visão suficiente para traçar um plano. Esta falta de visão a médio/longo prazo levou a que tivéssemos uma cidade completamente desenhada para os carros.
Mas este não é um mal exclusivo de Braga. É um mal de todas as cidades portuguesas. E, contra isso, urge tomar medidas drásticas, medidas que nos façam saltar 50 a 60 anos e ficarmos a par das cidades europeias, para onde a “nata” portuguesa tem fugido.
É, então, aqui que entram as novas políticas de mobilidade das cidades e é aqui que é preciso haver coragem política para restringir o uso do carro e mudar a face da cidade, adaptando-a para que as pessoas possam, sem medo, adotar a bicicleta e o transporte público como o seu meio de transporte. Tudo isto feito com base em verdadeiros Planos de Mobilidade Urbana, Planos de Promoção do Uso da Bicicleta, feitos por equipas multidisciplinares nas quais se encontrem técnicos dos municípios, elementos de associações locais, e todas as partes interessadas, podendo estas equipas ser apoiadas por especialistas na área. Mas o conhecimento tem e precisa de ficar nos municípios, caso contrário, apenas teremos mais estudos engavetados.
Reforço que, para tudo isso, é preciso coragem política, coragem para mudar a cidade, para termos mais ciclovias, mais vias BUS, mais bicicletas nas cidades e menos carros, menos sinistralidade, menos velocidade. Para termos mais crianças nas ruas, mais crianças autónomas, mais pessoas sem medo de atravessar a estrada. Precisamos de devolver a cidade às pessoas, precisamos de uma desintoxicação do uso do carro.
#CIDADÃO é uma rubrica de opinião semanal que convida ao debate sobre territórios e comunidades inteligentes, dando a palavra a jovens de vários pontos do país que todos os dias participam activamente para melhorar a vida nas suas cidades. As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.