#CIDADÃO é uma rubrica de opinião semanal que convida ao debate sobre territórios e comunidades inteligentes, dando a palavra a jovens de vários pontos do país que todos os dias participam activamente para melhorar a vida nas suas cidades. As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.

Recentemente o problema da habitação ganhou grande relevância mediática, que pouco tem a ver com a quase ausência da agenda pública que o tema teve ao longo de vários anos. As alterações providenciadas em 2012 ao regime do arrendamento urbano, o aparecimento e a disseminação do alojamento turístico, a especulação imobiliária, a flexibilização e a simplificação de normas técnicas em obras de reabilitação, entre outros factores, levaram à criação de uma nova dinâmica económica que tem transformado as cidades, fenómeno bem perceptível no elevado número de edifícios reabilitados.

Contudo, além da – sempre de salutar – reabilitação do património, estamos hoje perante diversas perversidades sociais e urbanas, entre as quais se destacam a passagem forçada dos antigos contratos de arrendamento para o novo regime (e a actualização das rendas para valores de mercado); a saída involuntária de famílias que habitam há várias décadas no mesmo local (fenómeno visível num “centro” cada vez mais alargado); a especialização da economia na actividade turística; a modificação do comércio local (convertendo estabelecimentos de apoio à população em lojas de souvenirs e similares); e a uniformização do espaço público, cada vez menos identitário, com tendências de arquitectura paisagista contemporâneas (de conforto muito duvidoso), que podem ser encontradas em qualquer cidade europeia.

“(…) Os movimentos sociais foram essenciais para dar visibilidade mediática aos fenómenos que hoje afectam o centro das nossas áreas metropolitanas, aumentado a pressão social e política para que surjam instrumentos que (re)equilibrem o cenário actual”.

Sobre estes problemas, muito haveria a dizer e, aliás, já aproveitei este mesmo espaço para o fazer. Hoje, gostava de salientar o trabalho que tem sido realizado por diversos movimentos sociais, que têm lutado pela defesa do direito à cidade e do direito à habitação. Toda a acção que tem sido providenciada é desinteressada do ponto de vista económico, pelo contrário, envolve, muitas vezes, custos para os próprios activistas. Ao invés de se moverem por interesses económicos, movem-se por valores de cidadania e por políticas públicas justas. A mobilização social tem sido visível em acções de rua, conferências, fóruns, nas redes sociais e em redes de solidariedade junto dos moradores afectados. Este tipo de acções são essenciais para a consciencialização colectiva sobre o problema da habitação, seja daqueles que estão em risco de despejo (ou que já foram despejados), seja das mais de 20 mil famílias que, no nosso país, continuam a residir em habitações com condições de enorme precariedade.

Nada disto é extraordinariamente novo, mas é o reflexo de uma sociedade mais crítica (e com mais massa crítica), mais interventiva e menos crente em discursos políticos evasivos e repletos de lugares comuns. Não tenhamos dúvidas de que os movimentos sociais, que funcionam como representantes da sociedade civil, têm sido fundamentais para dar voz aos moradores, permitindo que estes se façam ouvir e que o tema ganhe mediatismo nacional e internacional.

Quer isto dizer que os movimentos sociais foram essenciais para dar visibilidade mediática aos fenómenos que hoje afectam o centro das nossas áreas metropolitanas, aumentado a pressão social e política para que surjam instrumentos que (re)equilibrem o cenário actual. Sendo verdade que, do ponto de vista legislativo, ainda se aguardam as novidades que estão a ser discutidas no Parlamento, sem a acção que os movimentos sociais realizaram ao longo dos últimos anos estaríamos certamente num cenário de reflexão e de reivindicação mais frágil e menos consolidado.