“É um verdadeiro génio e, ao olhar para ele, ainda vejo o típico jogador de futebol de rua”. As palavras são de Zé Gomes, antigo defesa do Rio Ave, sobre Rúben Ribeiro, jogador que trocou recentemente a equipa de Vila do Conde pelo Sporting. Podia ser apenas mais um elogio de um antigo “companheiro” de clube, a desejar sucesso no desafio de um atleta já com cartas dadas na Primeira Liga do futebol português, mas a referência ao futebol de rua não é casual…

 

Na génese da modalidade que no nosso país é considerada o “desporto rei” estão os dribles, as jogadas sem ensaio, o “futebol no pé”, e que reportam à vida de tantos jovens cuja primeira experiência com o futebol se resume a uma bola num qualquer campo improvisado. Pelé, Romário, Eusébio, Cruyff, Maradona, Ronaldo, Messi, Robinho, Cristiano Ronaldo são só alguns dos grandes nomes do desporto mundial que deram os primeiros passos no espaço público e cujo talento começou a dar sinais ainda nas (promissoras) peladinhas de rua… No Brasil, em particular, o futebol desenvolveu-se em muito nas favelas, onde a integração com os pares se fazia por meio de uma assistência para o golo mágico de uma criança, que, orgulhosa, sabia a receita para a finta ao guarda-redes adversário.

“O potencial das cidades para a prática desportiva poderá ser medido à luz desses gestos simples, quase espontâneos, daqueles cuja felicidade se resume durante anos a uma bola de papel caprichosamente reinventada”.

O reconhecimento desse potencial levou inclusive à criação da Associação Nacional de Futebol de Rua, em 2007, cuja intervenção nas áreas sociopedagógicas e cultural tem trilhado um caminho de sucesso através da inclusão dos cidadãos na esfera pública por via do desporto. Pioneira em Portugal, esta Associação é a primeira a aproveitar as características da modalidade para promover estilos de vida mais saudáveis e ao mesmo tempo reduzir os problemas associados à pobreza, exclusão social e xenofobia. Para isso, organiza torneios e ações locais, elevando ao mesmo tempo o Futebol de Rua, cujas regras são específicas e distintas do Futebol e do Futsal…

O crescimento da modalidade no nosso país já foi premiada e com pompa e circunstância: em Manchester, em Inglaterra, Portugal sagrou-se campeão europeu da modalidade em 2016, ano de estreia da competição e arrecadou, assim, o primeiro título internacional da equipa das quinas, promovida desde 2004 pela Associação CAIS. Em 2017, a seleção portuguesa garantiu o 6º lugar no Mundial de Futebol de Rua, um incentivo para jogadores com percursos de vida tocados pela falta de integração social, experiências que se querem erradicar pela via do desporto. Aliás, o talento é apenas um dos fatores avaliados pelos responsáveis pela seleção nacional, que olham para os atletas na procura por capacitá-los, quer em termos desportivos quer no que respeita a valores como a confiança, o espírito de equipa e a cooperação. E é aí que as nossas cidades podem fazer a diferença.

A consciência de que o futebol pode significar mais do que um investimento em dispendiosos estádios, eventualmente escrutinado a posteriori sobre a viabilidade dos mesmos, e a identificação do potencial que existe no Futebol de Rua como fator de união social e desenvolvimento humano devem ser equacionados por aqueles com responsabilidades no plano urbanístico.

A análise às cidades atuais envolve essa visão abrangente e dinâmica. Reconhecer outras formas de ser interventivo e de reaproximar o cidadão do espaço público é um desafio que terá tanto de aliciante como de arriscado. Mas o sucesso implica o esforço daqueles que, com poder para tal, têm a ousadia de fazer diferente, recuar ao passado e compreender que atenuar fragilidades e cisões na sociedade pode fazer-se com um simples remate, tão bem direcionado e cuja ambição é tão verdadeira que se torna impossível contrariar o alvo.

 

Foto: @Nike, https://news.nike.com/news/inside-small-sided-santiago-de-chile

#CIDADÃO é uma rubrica de opinião semanal que convida ao debate sobre territórios e comunidades inteligentes, dando a palavra a jovens de vários pontos do país que todos os dias participam activamente para melhorar a vida nas suas cidades. As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.