Corria o ano de 1885 quando Karl Benz decidiu instalar um motor numa espécie de triciclo. No ano seguinte, Daimler e Maybach introduzem inovações na carroçaria e eis que surgem as caixas de metal com 4 metros e meio de comprimento por 2 e meio de largura. Até 1970, estas conquistam o território das cidades e reinam sem dó nem piedade, matando quem se atravessa à frente com toda a impunidade inerente a um acidente.
Por causa destes caixotes de metal e dos seus perigos, foram inventados os passeios, os semáforos, as regras da estrada, os seguros. As estradas não, essas já existem há muitos milhares de anos enquanto rotas comerciais.
Estas caixas de metal são equipadas com máquinas desenhadas para converter uma forma de energia em energia mecânica. Este processo tem normalmente o efeito secundário de poluir o ambiente em redor da caixa de metal, mas também, e sobretudo, o seu interior.
As mesmas estão paradas, em média, 23 horas por dia. Ou seja, o espaço que estes caixotes ocupam para estarem meramente paradas é grande. Para além desse facto, elas estão paradas durante 90% do seu tempo de vida. Ou seja, o espaço público utilizado para estas caixas pararem deixa de ser público. E não há espaço público para tantos caixotes privadas. A única forma de gerir esta situação é com o número de lugares de estacionamento controlado, limitado e pago.
Só existem há 100 anos, mas evoluíram bastante e acompanharam os avanços tecnológicos. Ainda assim, e apesar de poderem transportar cinco pessoas de cada vez, a média europeia ronda os 1.62 pessoas por cada caixa. Em Braga, o número médio é de 1.42 pessoas por cada caixa. Muitas vezes, bastava um cavalo para fazer o trabalho desta caixa de metal.
“O que torna tudo pior é o individualismo inerente à caixa de metal. Com uma máquina de marketing poderosíssima por trás, há até pessoas que querem ter uma, duas, três caixas de metal – e quanto mais caras melhores. E fazem tudo com elas, até percorrer 500 metros para irem ao café ou para o trabalho, tudo para mostrar algum poder económico ou pela preguiça de ir a pé, ou de bicicleta”.
E, com isto tudo, a caixa deixa-nos ainda mais sedentários. E isto leva a um aumento da obesidade e de outros problemas de saúde, não só problemas respiratórios e cardíacos, mas também a problemas mentais. A caixa de metal leva mesmo à existência de um fenómeno conhecido como “Road Rage”, a “Fúria da Estrada”. Estamos quase sempre chateados quando andamos nela.
Claro que há situações em que a caixa de metal é útil e deve ser utilizada, mas aí estamos a falar de uma utilização inteligente, natural de animais racionais, como nós, humanos, somos. Mas não é isso que acontece, muito pelo contrário, a utilização desta caixa de metal leva-nos muitas vezes a sermos irracionais.
No entanto, desde a década de 70 do último século, muitas foram as cidades (e os países) que voltaram a dar prioridade às pessoas. Por cá, continuamos a levar um atraso de uma geração.
Sim, as caixas e caixotes são os carros. E desenganem-se se acham que os carros elétricos ou os autónomos são a resolução dos problemas de mobilidade das cidades. Podem mudar a fonte de energia, mas todos os outros problemas estão lá, especialmente o da ocupação do espaço público e dos problemas de saúde.
Para termos um futuro inteligente, inclusivo e sustentável nas cidades, temos de garantir que o uso do carro como bem privado é racionalizado. Para isso precisamos de alternativas, como seja a bicicleta ou um transporte público confiável. E no tempo do investimento nas infraestruturas é fundamental que se dê prioridade à bicicleta retirando espaço aos lugares de estacionamento e vias de circulação dos carros. Se construirmos mais vias para carros, só vamos conseguir atrair e acumular mais carros.
Se construirmos redes viárias para bicicletas e redes de transporte público seguindo os melhores padrões de planeamento e construção dos mesmos, então teremos menos carros e uma cidade mais liveable. Temos muito que aprender no que toca à mobilidade urbana e as cidades europeias têm muito para nos ensinar. O modelo de cidade americana está, definitivamente, ultrapassado. É tempo de termos as cidades com mais pessoas a andar de bicicletas com embrulhos azuis, de autocarro a vivenciar experiências sociais e menos enfiadas na depressiva caixa de metal.
#CIDADÃO é uma rubrica de opinião semanal que convida ao debate sobre territórios e comunidades inteligentes, dando a palavra a jovens de vários pontos do país que todos os dias participam activamente para melhorar a vida nas suas cidades. As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.