O tema “inteligência”, em concreto a dita “artificial”, tem feito manchetes dos jornais, blogs, sites, videos do Youtube, posts do Twitter e Facebook, etc.

Uma questão que sempre me coloco quando me cruzo com este tema, é a diferença subtil entre três termos: Inteligência, Esperteza e Consciência?

Para falar de cidades inteligentes, acredito que temos de mudar substancialmente a metáfora ou o paradigma que usamos para as descrever. E isto não é uma questão menor. A espécie humana está condicionada a entender o mundo ao seu redor como parte de uma história. Usamos metáforas ou modelos para descrever a realidade e o paradigma vigente guia esses modelos. Ora, o paradigma vigente na nossa sociedade ocidental é o do reducionismo e determinismo nascido com a Revolução Científica. A metáfora é a de que o mundo é uma máquina composta por vários elementos e que basta compreender o funcionamento de cada um deles para compreender o todo. Esta poderosa metáfora guia a nossa sociedade e infiltra-se na nossa visão colectiva do Mundo em todos os domínios da acção humana. Dois exemplos: a gestão e a medicina. Os modelos ensinados nas escolas de gestão baseiam-se no “predict and control”: desenvolvemos técnicas de previsão sofisticadas que nos permitem antecipar, controlar e manipular o futuro. Mas, será que algum desses modelos, em 2007, previu que hoje estaríamos perante o Brexit ou um Donald Trump?

“Dotar uma cidade de tecnologia sofisticada de recolha e processamento de “big data” e de sistemas integrados de gestão, de transporte e de monitorização não torna, no meu entender, uma cidade mais inteligente”.

Na medicina, o reducionismo permitiu-nos enormes avanços no entendimento do corpo humano e das doenças. Criamos centenas de hiper especialidades, super eficazes na tratamento de sintomas. Mas, quando entro num hospital, questiono-me quem está a olhar para o todo da minha vida? Não só para os sintomas que levo às urgências, mas para todo o sistema subjacente que o provocou.

Dotar uma cidade de tecnologia sofisticada de recolha e processamento de “big data” e de sistemas integrados de gestão, de transporte e de monitorização não torna, no meu entender, uma cidade mais inteligente. Torna-a, talvez, mais “esperta”. A inteligência é uma propriedade emergente dos sistemas complexos vivos. Uso a palavra complexo com intenção distinguindo-a do “complicado”. Talvez esta seja uma questão mais filosófica do que técnica, mas não gosto de pensar que o que me torna inteligente é apenas a combinação linear de sensores, actuadores e algoritmos de aprendizagem sofisticados.

Discutir a inteligência é discutir a vida. Discutir a inteligência obriga a discutir a consciência e a colocar os dois termos, lado a lado, para comparação. Coisa que não farei aqui, mas deixo para reflexão.

Mas não será a cidade também um sistema vivo? Eu gosto de pensar que sim. Um sistema vivo com um corpo, uma mente e consciência colectiva. A “inteligência” das cidades emerge de quem nelas vive e de como interagem entre si, usando os elementos dos seus ecossistemas. Emerge, fundamentalmente, da intrincada rede de relações (sociais, comerciais, familiares, etc.) que em cima dela se criam.

Se queremos entender cidades inteligentes, temos de entender o paradigma dos sistemas adaptativos complexos, as suas características e fenómenos típicos: comportamento emergente, incerteza fundamental, auto-regulação, não-linearidade, mecanismos de feedback, caos, padrões fractais, redes sociais, etc.

#CIDADÃO é uma rubrica de opinião semanal que convida ao debate sobre territórios e comunidades inteligentes, dando a palavra a jovens de vários pontos do país que todos os dias participam activamente para melhorar a vida nas suas cidades. As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.