Em 25 de Abril de 2019, irá assinalar-se o 45.o aniversário da Revolução dos Cravos e o 43.o aniversário da Constituição da República Portuguesa (CRP). No que respeita em particular à Lei Fundamental do nosso país, consagra-se no Art. 65.o o direito à habitação, afirmando-se, de forma peremptória, que “1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”.

Desde 1976, os vários Governos Constitucionais (21, para ser exacto) implementaram as mais variadíssimas políticas de habitação, nos domínios da habitação social, do arrendamento e do apoio à reabilitação. Deixarei para a próxima oportunidade o percurso das políticas de arrendamento desde 1974, para, nesta ocasião, focalizar nas políticas de habitação social de promoção directa.

Após a entrada em vigor da CRP, a consagração do direito à habitação e restantes disposições do Art. 65.o não foram suficientes para que se criasse em Portugal uma estratégia a longo prazo para as políticas de habitação social. Pelo contrário, até ao final da década de 1980, os passos dados nesta matéria foram marcados pela indefinição – devido a um conjunto alargado de factores que não vale aqui a pena abordar –, sendo que pouco se concretizou ou promulgou.

“Quase 45 anos depois da Revolução dos Cravos e 43 anos depois da entrada em vigor da CRP, em pleno Portugal Democrático integrado na União Europeia, ainda temos famílias portuguesas a viver em casas abarracadas, muitas vezes, em bairros sem água canalizada, saneamento básico ou electricidade, afrontando a mais elementar dignidade humana e os direitos humanos”.

Este cenário apenas foi alterado depois da entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia, mais concretamente com um diploma em 1987 que estabeleceu o regime de cooperação entre a administração central e local para a celebração de protocolos para a construção de habitação social para arrendamento e, em 1993, o conhecido Programa Especial de Realojamento (PER).

O PER, em particular, permitiu a construção de 34 759 fogos em diversos municípios das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, que tinham como destino o realojamento das famílias residentes nos chamados “bairros de barracas” que existiam nestas duas áreas metropolitanas. Note-se que o desenvolvimento do PER foi bastante díspar de concelho para concelho, sendo que muitos tiveram dificuldades (ou desinteresse) em implementar esta medida e outros construíram a totalidade dos fogos protocolados com o Estado. Nos anos seguintes, ainda surgiria o PER Famílias (1996) e o PROHABITA (2004), ou, muito recentemente, o Primeiro Direito e o Porta de Entrada (2018), sempre no sentido de melhorar as medidas e os instrumentos que alavancassem a construção de fogos públicos para o segmento mais carenciado da população.

Não obstante a significativa diminuição de alojamentos familiares não clássicos nas últimas quatro décadas (ou seja, construções precárias, abarracadas ou amovíveis), segundo o INE, em 2011, subsistiam 6 612 destes alojamentos, sendo 2 052 identificados como “barracas”. Mais recentemente, adoptando outros critérios, o IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana) elaborou o “Levantamento nacional das necessidades de realojamento habitacional”, apresentado no início de 2018, que identificou 25 762 famílias a residir em “situações claramente insatisfatórias”. Deste total, 19 050 famílias residem nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, com clara predominância para a AML, na qual foram identificados 13 828 agregados familiares, ou seja, mais de 50% do total.

Quase 45 anos depois da Revolução dos Cravos e 43 anos depois da entrada em vigor da CRP, em pleno Portugal Democrático integrado na União Europeia, ainda temos famílias portuguesas a viver em casas abarracadas, muitas vezes, em bairros sem água canalizada, saneamento básico ou electricidade, afrontando a mais elementar dignidade humana e os direitos humanos. Quanto tempo demorará a democracia portuguesa para corrigir esta situação?

#CIDADÃO é uma rubrica de opinião semanal que convida ao debate sobre territórios e comunidades inteligentes, dando a palavra a jovens de vários pontos do país que todos os dias participam activamente para melhorar a vida nas suas cidades. As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.