Tal como tem sido abertamente mediatizado nos últimos meses, o valor do metro quadrado não cessa de aumentar no centro das principais cidades portuguesas, com particular destaque para Lisboa e Porto. Ressalve-se, contudo, que esta subida generalizada já não está limitada às duas maiores cidades (e ao seu centro histórico), mas é, na verdade, uma realidade que extravasa para os concelhos limítrofes, como tem sido apontado por dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística.

Quer isto dizer que o fenómeno de gentrificação – que começou por transformar o tecido social dos bairros históricos de Lisboa e Porto – tornou-se numa situação insustentável, suportada por um cenário de selva imobiliária, com repercussões à escala metropolitana. Actualmente, procurar casa a preços acessíveis, sem colocar em causa uma taxa de esforço minimamente sustentável, tornou-se numa tarefa penosa para todos aqueles que sempre optaram por viver em casas arrendadas, que necessitam de o fazer por situações circunstanciais, ou que procuram casa própria.

Embora a realidade seja indubitavelmente mais complexa, existem dois grandes motivos que sustentam a transformação que as nossas cidades estão a passar. Por um lado, as alterações providenciadas à lei do arrendamento em 2012, que precarizaram os contratos de arrendamento, fragilizaram a posição dos inquilinos e contribuíram para milhares de despejos; por outro, a crescente pressão turística, em particular o famigerado alojamento local (que é, na verdade, alojamento turístico).

 

“Afigura-se, pois, como essencial voltar às concepções mais elementares: uma casa destinada a alojamento turístico não é habitação; um edifício totalmente destinado a alojamento turístico é hotelaria”.

Para o primeiro caso, a solução não parece difícil, bastando prolongar o período de transição dos antigos contratos para o novo regime, para proteger, em particular, os reformados que residem há várias décadas na mesma habitação e que têm, genericamente, uma situação económica frágil. No caso da disseminação do alojamento turístico, é urgente regular este novo modelo de negócio, de forma a corrigir as várias perversidades sociais e urbanas criadas ao longo dos últimos anos. Actualmente, poucos conseguem compreender como edifícios inteiros, anteriormente destinados em exclusivo a habitação, estejam transformados em hotelaria informal, sem que qualquer habitação seja ocupada como residência permanente. A apropriação da cidade pelo turismo, sem que exista qualquer regulação do sector, está a permitir a substituição do tecido social, o que acarretará, inevitavelmente, a perda de identidade e de autenticidade dos nossos centros históricos, transformando-os numa qualquer mega estância turística sem habitantes e sem interesse cultural. Hoje, onde tínhamos um edifício de habitação, temos um edifício de alojamento turístico; amanhã, será toda a rua; depois, todo quarteirão; no futuro, todo o bairro. Afigura-se, pois, como essencial voltar às concepções mais elementares: uma casa destinada a alojamento turístico não é habitação; um edifício totalmente destinado a alojamento turístico é hotelaria.

Por toda a Europa, as maiores cidades já começaram a apertar o cerco ao alojamento turístico, proibindo-o ou condicionando-o, acima de tudo, colocando os exercícios de morar, residir, e viver acima de visitar. Berlim foi uma das primeiras cidades a restringir o alojamento turístico e muitas outras seguiram o exemplo (ou estão perto de o fazer), como Amesterdão, Barcelona e Londres. Mesmo destinos, cuja economia é baseada no turismo, como Ibiza, já compreenderam as perversidades da disseminação excessiva deste modelo de negócio. Nos Estados Unidos da América, país insuspeito em matéria de regulação da actividade privada, também o alojamento turístico tem sido sujeito a diversas restrições (e.g. Nova Iorque).

Podemos, então, perguntar-nos do que se está à espera para, no nosso país, passar a gestão e regulação do alojamento turístico para o poder local, para que este decida onde, quando e como pode estar espacialmente disseminado na cidade. Cabe aos municípios (e não ao poder central) perceber as dinâmicas locais, compreendendo onde existe excessiva concentração de alojamento turístico e onde seria vantajoso para a comunidade que este se expandisse.

Não agir é ser complacente. Neste momento, no qual o tecido urbano consolidado das principais cidades portuguesas enfrenta uma pressão imobiliária sem precedentes, é necessário reflectir sobre a cidade que queremos. Acima de tudo, será necessário garantir medidas que protejam e coloquem no topo das prioridades os cidadãos e trabalhadores locais. O centro histórico das nossas cidades não precisa de políticas para promover o alojamento temporário, precisa, isso sim, de jovens em habitação permanente.

#CIDADÃO é uma rubrica de opinião semanal que convida ao debate sobre territórios e comunidades inteligentes, dando a palavra a jovens de vários pontos do país que todos os dias participam activamente para melhorar a vida nas suas cidades. As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.