Enquanto santuários de biodiversidade e de bem-estar humano, os espaços verdes trazem benefícios ecológicos, económicos e sociais à cidade. Recuperar esta ligação entre o homem e a natureza nas áreas urbanas pode ser determinante para sobreviver à crise climática. No entanto, “colorir” a cidade de verde é mais do que plantar árvores e aproveitar as mais-valias depende muito da forma como estes espaços são planeados.

Foi um espectáculo diferente: onde, habitualmente, se joga futebol, estavam 300 árvores, dispostas para contemplação, como se de algo raro se tratasse. Durante quase dois meses, a chegada do Outono encarregou-se de mudar as cores das folhas, enquanto o local se tornava um habitat para algumas espécies, que “reproduziram” ali o seu ecossistema. Nós, humanos, seguíamos sentados nas bancadas a observar, sentindo as várias emoções que este espectáculo fora do comum provocava. A instalação artística temporária “For Forest – The unending attraction of Nature”, da autoria do suíço Klaus Littmann, transformou, entre os meses de Setembro e Outubro, o Wörthersee Stadium, em Klagenfurt, na Áustria, numa pequena floresta. O objectivo foi proporcionar uma nova perspectiva para o entendimento da floresta, alertando que, talvez, um dia, possamos ter de admirar estes elementos da natureza em locais específicos, como acontece hoje com algumas espécies nos zoológicos. Em causa, está a relação entre a natureza e o homem. Será este o lugar que queremos para a natureza no mundo dos homens? O lugar de museu?

Num mundo cada vez mais urbanizado, no qual 50% da população mundial vive em cidades, as fronteiras entre a cidade e o campo vão-se esbatendo e, ao longo deste processo, a dureza do ambiente construído, dos edifícios e das infra-estruturas marca as áreas urbanas, substituindo o que é natural. “A cidade que se constrói é, ao mesmo tempo, a cidade que se destrói”, escreve Goitia. O desenvolvimento urbano sustentável inclui a minimização dessa destruição e pressupõe a harmonia entre o homem e o ambiente que o rodeia. Encontrar esse equilíbrio implica que a actividade humana e a cidade se integrem com a natureza, recuperando a sua ligação essencial, debaixo do chapéu daquilo que é a ecologia urbana.

“FOR FOREST”, a instalação artística de Klaus Littmann levou 300 árvores para um estádio de futebol na cidade de Klagenfurt. © Gerhard Maurer

No actual momento de crise climática, encontrar esse equilíbrio é imperativo. Vários especialistas defendem que a luta contra as alterações climáticas irá ser ganha (ou perdida) nas cidades. Os argumentos são vários, começando pelo facto de as áreas urbanas serem os maiores consumidores de recursos, em particular de energia (mais de dois terços do consumo global), o que resulta também numa grande emissão de gases com efeito de estufa (mais de 70%). Isto significa que é aqui que se deve agir para minimizar estes valores. Ao mesmo tempo, a concentração de pessoas e talentos faz com que as cidades sejam os palcos mais favoráveis para a inovação e onde, provavelmente, serão criadas as soluções de futuro.

Nesta batalha, os espaços verdes estão entre as principais armas que as cidades têm à sua disposição para enfrentar a grande crise dos nossos dias, ajudando na mitigação dos seus efeitos e na adaptação às alterações climáticas. Como se não bastasse, as áreas verdes em ambiente urbano são factores indispensáveis ao humano, contribuindo para o seu bem-estar físico e mental e para a qualidade de vida, recuperando, na sua essência, a ligação do homem à natureza.

Serviços de ecossistema

A actividade e construção humanas, das quais as cidades são o expoente máximo, têm contribuído para a destruição da biodiversidade e para a alteração dos ecossistemas naturais. No passado, a importância destes elementos nem sempre foi reconhecida, mas as circunstâncias actuais têm levado a um repensar deste papel e há a necessidade de mitigar os efeitos da actividade humana no planeta. Uma das formas para o fazer é através da renaturalização das cidades e do aumento dos espaços verdes existentes. Mas há muito trabalho pela frente: segundo dados do Eurostat, referentes a 2013, apenas quatro grandes cidades na Europa tinham uma percentagem de área verde superior a 20%. Na primeira posição está a cidade termal de Karlovy Vary, na República Checa, com 26,3% da sua área ocupada por espaços verdes e equipamentos desportivos, seguida pela capital sueca, Estocolmo, com 24,1%, Paris (23,2%) e Hannover (22,3%).

Mas porque são as áreas verdes tão importantes? “Quando nos referimos às áreas verdes urbanas, estamos, sobretudo, a falar de jardins, parques, bosques urbanos, coberturas ou revestimentos verdes”, explica Helena Freitas, docente da Universidade de Coimbra e coordenadora do Centro de Ecologia Funcional, “o espaço verde é uma forma de ligação à natureza, que é essencial à natureza humana”.

De forma a compreender melhor os benefícios das áreas verdes, é preciso olhar para os diferentes serviços de ecossistema que estes proporcionam. De acordo com os especialistas da Comissão Europeia, estes podem ser divididos em quatro tipos – de fornecimento, de regulação, culturais e de apoio. Os serviços de fornecimento providenciam bens (alimentos, matérias-primas, etc.), enquanto os de regulação ajudam a equilibrar o clima e a pluviosidade, a água, os resíduos e a disseminação de doenças. Por sua vez, os serviços de apoio estão na base de tudo e incluem a formação de solo, a fotossíntese ou a renovação de nutrientes. Por fim, existem ainda os serviços culturais que dão resposta à procura de lazer e de bem-estar humano, podendo incluir a contemplação, o recreio ou a beleza.

Esta “prestação de serviços” pode ser traduzida em inúmeros resultados positivos. As áreas verdes são particularmente importantes na mitigação dos efeitos das alterações climáticas, graças à sua capacidade de sequestro de carbono da atmosfera, mas também pelo facto de disponibilizarem áreas permeáveis num ambiente altamente construído, o que aumenta a capacidade de absorção da água da chuva e reduz o risco de cheias. Ao mesmo tempo, a criação de bolsas de sombreamento contribui para o arrefecimento da temperatura, minimizando os efeitos das ondas de calor que se prevêem.

Helena Freitas elenca alguns dos benefícios ecológicos, como “a melhoria da qualidade do ar, com a remoção efectiva de poluentes, e o sequestro de carbono, a diminuição do efeito de escoamento superficial das águas da chuva, a mitigação do efeito das ilhas de calor e a sua importância para preservar a biodiversidade em contexto urbano”. As mais-valias acontecem também nos domínios económicos e sociais: um parque na cidade pode valorizar as áreas envolventes, ao mesmo tempo que promove a integração comunitária, a harmonia e a coesão social, e é um espaço de lazer e da prática desportiva.

Se, enquanto jardins de biodiversidade, “a cidade pode ser um refúgio para a promoção de algumas espécies”, também para a saúde do ser humano o seu contributo é relevante, começando pela melhoria da qualidade do ar, através da produção de oxigénio e da retenção de partículas poluentes, mas não só. Segundo a Organização Mundial de Saúde, “ter acesso a espaços verdes pode reduzir as desigualdades ao nível da saúde, melhorar o bem-estar e ajudar no tratamento de doenças mentais”, como a depressão ou a ansiedade.

Para além disto tudo, os espaços verdes na cidade podem ter uma função alimentar. “E vão ter”, garante Helena Freitas, “as nossas cidades vão ter de privilegiar a produção de alimentos e, num futuro muito próximo, vamos ter muita produção local nas cidades, com hortas urbanas e comunitárias”.

Apesar deste potencial, tirar o máximo partido dos benefícios dos espaços verdes na cidade pressupõe mão humana, isto é, planeamento. “Começa a haver mais interesse [no tema], mas esta é uma área que ainda não se incorpora no planeamento da cidade, porque há outras prioridades”, lamenta Helena Freitas. “Toda a organização das cidades, e das próprias câmaras municipais, está feita com base num planeamento que olha, sobretudo, para o edificado, para as estradas, e não tanto para harmonização entre os espaços verdes e o edificado”. Para a especialista, é preciso um planeamento integrado da cidade que contemple também os espaços verdes e que permita, assim, aproveitar da melhor forma as suas funcionalidades. E as possibilidades são várias, desde a localização mais adequada à escolha das espécies a implementar. No entanto, o futuro dos espaços verdes na cidade não se resume ao nível do solo e, segundo a docente, iremos cada vez mais valorizar soluções como fachadas e coberturas verdes.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, “ter acesso a espaços verdes pode reduzir as desigualdades ao nível da saúde, melhorar o bem-estar e ajudar no tratamento de doenças mentais”, como a depressão ou a ansiedade.

O parque verde inteligente

Aplicar o conceito smart city às áreas verdes é uma novidade, mas com grande potencial. “A tecnologia pode fazer uma diferença enorme nos espaços verdes”, considera Helena Freitas. Soluções de sensorização e com base na Internet of Things podem melhorar significativamente a eficiência destes locais, em particular no que se refere ao uso da água.

Em 2018, o Luskin Center da Universidade da Califórnia, lançou um toolkit para a criação de smart parks, áreas verdes urbanas que usam as novas tecnologias para os tornar mais inteligentes. A ferramenta, que pode ser usada por gestores municipais, projectistas, arquitectos ou qualquer outra pessoa, ensina como integrar e tirar partido destas soluções nos espaços verdes, contemplando diversas dimensões: paisagem, irrigação, gestão das águas da chuva, infra-estrutura construída, espaços de actividades, mobiliário urbano e outras soluções, iluminação e componentes digitais.

Segundo a entidade, o conceito smart park é novo e apresenta diversos benefícios, nomeadamente a redução dos custos de manutenção e melhoria da eficiência destes espaços, ao mesmo tempo que se maximizam os benefícios dos parques urbanos convencionais. Adicionalmente, a nova abordagem apresenta-se com potencial para atenuar alguns dos problemas comuns associados aos espaços verdes, tais como os poucos recursos financeiros para introduzir melhorias, a falta de aderência às necessidades de quem os utiliza e das comunidades envolventes, a existência de barreiras de acesso, quer físicas, quer emocionais, e a obsolescência das infra-estruturas.

Como pode a introdução de novas tecnologias resolver tudo isto? Segundo o manual, no que se refere ao uso de recursos, como energia e água, soluções como sistemas de rega inteligente ou compactadores de lixo alimentadas a energia solar podem ajudar a reduzir custos e a manutenção necessária. Através da recolha de dados dos utentes dos parques e dos bairros envolventes, é possível compreender como as pessoas os usam e, desta forma, adequar a oferta programática aos interesses locais. Para tornar o espaço verde acessível a todos, a simples instalação de Wi-Fi gratuito pode servir para atrair mais visitantes (aumentando, assim, também o acesso à Internet), mas não só: o uso de determinados materiais nos pavimentos ou de iluminação inteligente melhora factores como o conforto e sensação de segurança, e a analítica de dados sobre o uso do parque fornece informações preciosas para incrementar o seu acesso às pessoas. Por fim, a obsolescência da infra-estrutura pode apresentar-se como uma questão complexa, ainda para mais quando se fala de novas tecnologias. Nesta matéria, o potencial está em compreender como manter o parque relevante para os seus utilizadores, acompanhando, assim, a evolução das suas necessidades.

Mas projectar um smart park tem igualmente desafios, sendo o custo uma das preocupações mais prementes. Nessa medida, é necessário que os gestores destes espaços selecionem conscientemente as tecnologias a adoptar, mediante os seus orçamentos e objectivos, e que prevejam a sua obsolescência e os custos associados. A formação dos técnicos para trabalhar com estas tecnologias pode ser uma necessidade, isto de forma a assegurar que os equipamentos cumprem as suas funções. Todavia, no longo prazo, estas competências podem mostrar-se uma mais-valia aplicável a outros contextos. A gestão dos smart parks pode, igualmente, ser um desafio, já que estes são, tipicamente, geridos por entidades públicas. Sendo sabido que o sector público é mais resistente à introdução de novas tecnologias, uma cultura aberta à inovação pode ser determinante para implementar o conceito.

Boas práticas

O smart park é ainda um conceito no papel, no entanto, por todo o mundo, as cidades estão a investir não só na melhoria dos seus parques urbanos, mas também em aumentar o número de áreas verdes nos seus territórios. Em Viena, na Áustria, a previsão do aumento da temperatura, em particular no Verão, está a ser levada muito a sério. A cidade espera que o número de dias por ano com temperaturas superiores a 30ºC chegue aos 100, o que representa um aumento de 550% face à média registada entre 1981-2010.

Perante este cenário, a capital austríaca está a tomar uma série de medidas. Para os anos de 2019 e 2020, Viena aprovou um orçamento de emergência com oito milhões de euros destinados à plantação de árvores e à expansão da infra-estrutura verde da capital austríaca. A localização exacta das novas árvores está a ser planeada, de forma a identificar onde estes espaços poderão ter mais impacto. Para além disso, Viena está a desenvolver um kit “tudo em um” para a implementação de fachadas verdes. Através do projecto de investigação “50 green houses”, os habitantes do bairro de Favoriten – que é frequentemente afectado pelo efeito de ilha de calor urbana – candidataram-se, na Primavera do ano passado, a receber, gratuitamente, a BeRTA, uma solução para fachadas verdes modulares, composta por cochos, treliças, substracto e plantas trepadeiras.

Projecto de fachadas verdes num bairro de Viena.

O conjunto foi especialmente desenhado para funcionar em edifícios existentes e transformar as fachadas em elementos vivos, com um esforço limitado da parte do proprietário, tendo-se ainda dado atenção à durabilidade e sustentabilidade do tipo de materiais utilizados. A entrega dos kits está agendada para este Outono e, segundo os estudos realizados, espera-se que os edifícios verdes ou com estas fachadas reduzam a temperatura em até 13ºC e melhorem a qualidade do ar na cidade.

Outra das capitais mundiais que lidera este movimento é Paris. Em Junho de 2019, a cidade anunciou a intenção de criar florestas urbanas em quatro locais icónicos – Hôtel de Ville, Gare de Lyon, Palais Garnier e as margens do Sena. Numa entrevista ao Le Parisien, Anne Hidalgo, presidente da câmara da capital francesa, reforçou a vontade de que, durante o seu mandato, “a natureza possa encontrar o seu direito à cidade de Paris, através da agricultura urbana nas coberturas e fachadas, mas também nas ruas e nas praças”. O propósito é muito claro para a governante: adaptação climática. A isto, a cidade francesa junta uma estratégia também com vista à alimentação e, nesse ponto, as coberturas dos edifícios são os locais de eleição. Entre os projectos no horizonte está aquele que se prevê ser a maior horta urbana do mundo e que será implementada numa cobertura no pavilhão de exposições Paris Expo Porte de Versailles. No total, são 14 mil metros quadrados de área, onde serão cultivadas mais de 30 espécies diferentes e se prevê a produção de cerca de uma tonelada de frutas e legumes.

A maior horta urbana do mundo vai nascer na cobertura do Paris Expo Porte de Versailles.

Desde 2010, a Comissão Europeia reconhece, anualmente, o trabalho feito por uma cidade no que se refere aos espaços verdes e biodiversidade e também à sua abordagem a desafios como a qualidade do ar, a gestão de resíduos e o ruído. Para o ano de 2020, a grande vencedora foi a cidade de Lisboa. As razões para a atribuição deste título à capital portuguesa prendem-se com os esforços feitos para a redução do uso de energia, a aposta na mobilidade sustentável e com o compromisso feito para reforçar a infra-estrutura verde e o contínuo entre estes espaços. Em Lisboa, 76% da população já vive a 300 metros de um espaço verde.

Do outro lado do Atlântico, em Nova Iorque, podemos encontrar um dos mais originais espaços verdes do mundo: o High Line. Construído sobre uma antiga linha férrea elevada, este parque público prolonga-se por 2,3 quilómetros, na zona Oeste de Manhattan. Na década de 1980, quando a linha deixou de ser usada, a infra-estrutura esteve prestes a ser demolida, mas a comunidade local juntou-se para reivindicar a utilização do espaço. Quando a vegetação começou a tomar conta do espaço, os sinais de abandono deram a inspiração para o que viria a ser o local.

High Line em Nova Iorque.

Hoje, o High Line é um dos espaços verdes mais emblemáticos e um exemplo de como as cidades podem aproveitar recursos dormentes. Para além das mais de 110 mil espécies de plantas existentes no local, o espaço dispõe de um programa de actividades e expõe regulamente obras de artistas contemporâneos.