Numa altura em que a utilização do transporte público na cidade de Lisboa desceu 70% e em que o objectivo é impedir o aumento da poluição do ar e da utilização do automóvel particular, a capital portuguesa quer acelerar a implementação de ciclovias durante o desconfinamento e até ao início do ano escolar. No total, até ao início de 2021, a cidade vai contar com mais 105 quilómetros de vias para a bicicleta e estão previstas mais de 100 intervenções no espaço público, com vista a libertar as ruas para os peões. “Lisboa Ciclável” e a “A Rua é Sua” são os dois grandes planos da equipa de Fernando Medina para melhorar o espaço público e a mobilidade activa no pós-pandemia.
“Fazer mais e mais depressa” – foi com estas palavras que Fernando Medina, presidente da câmara municipal de Lisboa, anunciou a ambição da autarquia na transformação e “humanização” do espaço público para o período pós-pandemia. Numa sessão realizada on-line, às 16 horas desta quarta-feira, o presidente da câmara municipal de Lisboa justificou a aceleração da construção da rede ciclável planeada para a cidade com uma “urgência” que ganhou “mais sentido com a pandemia”. Perante o esforço do país para evitar a propagação do novo coronavírus (covid-19), o autarca sublinhou a que “responsabilidade” de fazer “o mesmo esforço” para evitar o elevado número de mortos que o nosso país tem por causas directamente associadas à poluição. “É o momento de sermos claros com isto”, afirmou peremptoriamente o governante. Só em Portugal, a poluição atmosférica terá causado a morte prematura de cerca de seis mil pessoas, em 2016. Na Europa, e segundo a Agência Europeia do Ambiente (AEA), esse número terá sido de 412 mil.
Perante a descida na utilização dos sistemas de transportes públicos, que terá alcançado os 70%, Fernando Medina quer evitar que os passageiros que o transporte colectivo perdeu optem, agora, por recorrer ao automóvel privado, apontando para a relação entre a poluição do ar gerada pelo sector dos transportes e as milhares de mortes prematuras resultantes da exposição aos poluentes atmosféricos. Optar pelo automóvel no período de desconfinamento, diz, “é uma péssima solução a nível colectivo” e que resultará “numa cidade mais congestionada e com mais poluição que nos vai atingir a todos”. Assim, e enquadrada na estratégia da Capital Verde Europeia, a câmara municipal de Lisboa anunciou a intenção de “dar nova centralidade à utilização da bicicleta” com a implementação de mais 105 quilómetros de ciclovias, num processo que se distribuirá por três fases.
Até Julho, mais 26 quilómetros de vias pop-up para bicicletas
Na sua primeira fase, a aceleração da construção da rede de ciclovias manifesta-se em vários eixos importantes da cidade de Lisboa. A Avenida da Liberdade vai ganhar uma ciclovia e o mesmo acontecerá com a Avenida da Índia e a Avenida 24 de Julho, numa intervenção que vai permitir ligar Algés ao Parque das Nações, a totalidade do corredor ribeirinho lisboeta. Nesta fase, nascem ainda ciclovias na Avenida Almirante Reis, na Alameda dos Oceanos e na Avenida do Uruguai, em Benfica.
A estratégia da cidade de Lisboa passa por “criar uma rede estruturante de ciclovias que liga os principais pontos e cobre os grandes eixos de deslocação”. Será uma rede de “seis eixos estruturantes”, “uma rede segura”, garante Fernando Medina, e “segregada, que assegura que as pessoas podem utilizar [a bicicleta] sem receio do automóvel”. Vai nascer, num sistema pop-up, à semelhança das recém-inauguradas ciclovias da Avenida de Berlim, junto ao Parque das Nações, e das ruas Castilho e Marquês de Fronteira, junto ao Parque Eduardo VII. Sendo pop-up e à semelhança do que tem acontecido em várias cidades de mundo durante a pandemia, a ambição é “que possam transformar-se em definitivas” e que o traçado e o desenho possam ser adaptados, consoante a situação e os níveis de utilização registados.
A segunda fase, a concretizar até ao início do novo ano lectivo, em Setembro, prevê a construção de 30 quilómetros de novas ciclovias em artérias como a Avenida Ceuta, a Avenida Marechal Gomes da Costa, a Avenida de Berna, a Avenida Conde Almoster, a Avenida Lusíada ou a Avenida de Roma, local onde esta quarta-feira de madrugada foi pintada uma via ciclável por um grupo de utilizadores da bicicleta. Este grupo de “utilizadores de bicicleta anónimos, sem qualquer associação entre si”, organizou-se on-line e teve como objectivo passar “um sinal de encorajamento à câmara municipal de Lisboa” para a aceleração da concretização da rede ciclável da cidade, celebrando ainda o dia mundial da bicicleta. Durante a conferência desta tarde, Fernando Medina comentou o sucedido e anunciou, em resposta a uma questão colocada pela Smart Cities, que “a ciclovia que vai nascer é melhor do que aquela que foi criada, porque é segregada e protegida”.
A terceira e última fase de construção dos 105 quilómetros de ciclovias tem a sua concretização agendada para o primeiro trimestre de 2021, com a implementação de mais de 20 quilómetros de vias dedicadas ao trânsito de velocípedes em artérias como a Avenida Gago Coutinho ou, a Avenida da Torre de Belém, Avenida Helena Vieira da Silva e a Avenida Álvaro Pais.
Incentivos à aquisição de bicicletas e mais lugares de estacionamento
A expansão da rede ciclável é apenas uma das dimensões da aposta de Lisboa na bicicleta. A autarquia anunciou, ainda antes da realização da conferência, a criação de um fundo com 3 milhões de euros para apoiar a aquisição de bicicletas em lojas do município. Ao apoio estatal, de até 350 euros na aquisição de bicicletas eléctricas, junta-se agora o apoio da câmara municipal de Lisboa. No caso da aquisição de bicicletas eléctricas, o município compromete-se a apoiar a aquisição em 50%, até ao máximo de 350 euros. A cidade compromete-se ainda a apoiar a aquisição de bicicletas de carga, num montante que pode chegar aos 500 euros. Para bicicletas convencionais, o apoio será de até 100 euros, embora, neste último caso, seja aplicável apenas a estudantes dos vários níveis de ensino. O presidente da autarquia anunciou que “esta medida começa hoje”, pelo que “quem adquirir [bicicletas] a partir de hoje está elegível para este incentivo”, disse, alertando para a necessidade de os compradores guardarem as respectivas facturas.
Já no que respeita à disponibilização de estacionamento seguro para bicicletas, o município anunciou que vai proceder à instalação, até ao final do ano, de 7750 lugares de parqueamento. Desses, 1700 lugares serão implementados em interfaces de transporte público da cidade, enquanto 1050 ficarão disponíveis em parques subterrâneos da EMEL e parques concessionados pela autarquia. Os restantes cinco mil serão instalados em escolas, clubes desportivos e outras entidades de interesse público que os solicitem.
Mais espaço para os peões e ZER em suspenso
Para incentivar os modos activos – as deslocações a pé e de bicicleta – a câmara municipal de Lisboa, no âmbito do programa A Rua é Sua, anunciou “mais de 100 intervenções” no espaço pedonal, tendo em vista o aumento do espaço disponível e da segurança para os peões da cidade. As novidades vão surgir ao nível do alargamento de passeios, da criação de espaços de sombra, mitigação de ilhas de calor e do apoio ao comércio local, através da instalação de esplanadas em lugares de estacionamento automóvel.
A Avenida da Igreja, na freguesia de Alvalade, será uma das artérias a sofrer mudanças: aos fins de semana, parte da rua será destinada à “fruição” de residentes e visitantes.
Sobre a Zona de Emissões Reduzidas (ZER), anunciada pelo município no final de Janeiro e que previa a implementação de medidas de restrição à circulação automóvel, Fernando Medina anunciou uma “recalendarização do seu desenvolvimento”. O autarca revelou que vai propor ao município que assuma, “desde já”, a realização das obras previstas como a execução de corredores cicláveis e alterações ao espaço público, mas a “dimensão da limitação da circulação automóvel, que estava definido que ocorresse agora” fica, por enquanto, em suspenso.
“É a solução mais razoável, mais ponderada, para todos os comerciantes, residentes e todos os que vivem e habitam a cidade de Lisboa. Temos de ter a noção que muitas lojas ainda não abriram, muitos trabalhadores ainda estão em casa, em lay-off e não sabem como será o regresso da sua vida. Não queremos ser um factor de dificuldade e de perturbação, sobre uma vida que, neste momento, está muito alterada”, esclarece o autarca. No entanto, garante: “o projecto será levado até ao fim”. Recorde-se que, segundo o plano inicial, quando for concretizada, a ZER Avenida Baixa Chiado prevê tirar do centro da cidade 40 mil automóveis por dia e devolver ao tráfego pedonal e ciclável uma área de 4,6 hectares.