Na cidade, a economia circular faz-se da reciclagem e da separação de resíduos, mas também da partilha dos objectos e dos meios de transporte. Abraçar a circularidade é colocar um travão no desperdício e nas oportunidades de um novo modelo de consumo que preenchem os centros urbanos. Neste desafio, não são só as autarquias a mostrar o caminho. Todos têm um papel a desempenhar: os cidadãos estão a fazer compostagem nas suas casas e há várias associações, colectivos e cooperativas que operam numa lógica de sustentabilidade, e que investem numa economia mais verde com trabalho, recursos e ideias.

No caminho para a sustentabilidade, as cidades querem abraçar a economia circular. Querem reduzir o desperdício e aumentar a eficiência no seu funcionamento sistémico. As metas europeias, estabelecidas em Janeiro de 2018 e patentes no Plano de Acção para a Economia Circular, são ambiciosas no que diz respeito à separação e reciclagem de resíduos urbanos: até 2030, 65% dos resíduos urbanos e, 75% das embalagens devem ser reciclados e apenas 10% dos resíduos produzidos na cidade poderão ter como destino o aterro. Mas há metas que não se reflectem em números, porque nem só de reciclagem se faz o esforço para a circularidade. É preciso, também, impedir o desperdício e a produção de resíduos.

Em Portugal, as cidades vão, de forma mais ou menos rápida, replicando esses esforços. Porto e Lisboa já firmaram compromissos importantes neste campo. A primeira publicou, em finais de 2017, um mapa para a circularidade e a segunda está a atacar o desafio do desperdício alimentar, no âmbito do projecto europeu Force. Para além da necessidade de incidir no aumento das taxas de reciclagem, a acção deve deslocar-se igualmente para a prevenção de resíduos e cabe às autarquias encontrar formas de o fazer. Na maior cidade do país, o programa Lisboa a Compostar está a colocar os munícipes no papel de agentes de mudança, desviando das incineradoras e dos aterros centenas de toneladas de resíduos orgânicos por ano, que acabam por ser devolvidos à terra na forma de fertilizante natural de auto-produção doméstica – é, pelo menos, essa a expectativa do projecto que quer chegar a quatro mil lares até 2020. Na capital, há ainda o Lisboa Limpa – um projecto que está a criar uma rede de partilha de copos reutilizáveis por toda a cidade – e uma biblioteca de ferramentas em Campo de Ourique, destinada a promover a partilha de ferramentas e objectos entre fregueses.

Abandonar a linearidade numa cidade tem de ser muito mais do que um mero chavão político e um conjunto de medidas avulsas. Para se chegar perto de uma economia circular – isto é, da integração dos princípios da regeneração e da restauração nos processos produtivos e no funcionamento de todos os aspectos de uma cidade – é preciso agir com determinação em todas as frentes. Não é só reciclar ou acabar com os copos de plástico. Economia circular é muito mais do que isso. É também partilhar as formas de mobilidade e, até, aproveitar as coberturas dos edifícios para a retenção das águas da chuva e o melhoramento do isolamento térmico das estruturas, como acontece no Norte, com o projecto Quinto Alçado do Porto. Para se fazer economia circular, é preciso fechar o ciclo e isso faz-se através da reciclagem e da prevenção, mas também da partilha e da reutilização.

A mudança implica “questionamento”

O caminho para a circularidade urbana faz-se em várias frentes. Na mobilidade partilhada, no aumento da proximidade nos circuitos de produção e distribuição de alimentos, nas oficinas de partilha e na criação de alternativas à contínua “oferta de coisas” que as cidades apresentam nos seus espaços de consumo. Quem o diz é Andreia Barbosa, membro da associação sem fins lucrativos Circular Economy Portugal (CEP). Esteve 14 anos fora de Portugal, maioritariamente em Paris e Amesterdão. Trabalhou como jornalista e repórter de imagem, argumentista e realizadora de documentários, e foi quando leu um artigo sobre uma iniciativa portuguesa – enquanto vivia nos Países Baixos – que começou a interessar-se pelas “economias alternativas” e por “maneiras mais socialmente justas de criar valor, de levar a cabo as actividades económicas”. O artigo falava sobre a Fruta Feia, uma iniciativa que está a alterar padrões de consumo e a diminuir o desperdício alimentar – uma maleita que, nos países industrializados, ascende a 1,3 mil milhões de toneladas por ano, segundo dados da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) da Organização das Nações Unidas (ONU). E como é que o faz? Simplesmente criando um mercado para as frutas e vegetais que não correspondem aos padrões de estética convencionados. Confrontada com o artigo, Andreia Barbosa percebeu “que aquele projecto tinha uma série de componentes interessantíssimas: a forma cooperativa, a identificação de um desperdício bastante importante e de uma solução”. Foi assim que entrou no “terreno do empreendedorismo social e da economia social e solidária” e chegou, em 2016, à Circular Economy Portugal, a organização dedicada à divulgação do conceito de economia circular e à implementação de estratégias circulares fundada por Lindsey Wuisan, que também chegou a Portugal vinda da Holanda. A Smart Cities foi encontrá-la num espaço de trabalho partilhado, em Alcântara, Lisboa.

Para Andreia Barbosa, a passagem do actual sistema linear de produção e de funcionamento da sociedade para o modelo circular implica “um questionamento importante” do sistema capitalista, mas não implica, necessariamente, o abandono da economia de mercado. O questionamento deve incidir sobretudo na “ideia do crescimento económico” constante, na ideia muito propalada de que é possível um crescimento perpétuo, quando na realidade exploramos um planeta com recursos finitos. “Se realmente temos de extrair, e obviamente que tem de haver sempre uma parte de extracção”, o desafio passa a ser entender “como é que podemos fazer com que esses recursos não se transformem, depois, em lixo e consigam permanecer na economia o máximo de tempo possível”. É “óbvio” que este tipo de crescimento “que implica esta voracidade toda em recursos e esta produção toda de lixo é impossível”.

“É interessante verificar como é que se aproveita e distribui o espaço dentro das cidades e como é que isso pode incentivar em fazer acontecer a economia circular”.

Andreia Barbosa

Circular Economy Portugal

Reciclar e incinerar mais não resolve

Por mais ambiciosas que sejam as metas, reciclar não chega. É preciso reduzir a produção de resíduos. Em Portugal, o instrumento de referência para a gestão dos resíduos urbanos, o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2020+), define como meta para a prevenção de resíduos uma redução mínima da produção por habitante em 10%, relativamente ao verificado em 2012. O mesmo documento faz notar que “em 2017 o valor per capita diário” registava “um crescimento de 10% face ao valor verificado em 2012”. Em Lisboa, essa é uma realidade visível, com Fernando Medina, presidente da câmara municipal, a anunciar que, nos últimos sete anos, a produção de resíduos na capital subiu 40%, encontrando-se a aumentar a um ritmo de 5% ao ano.

Para Andreia Barbosa, a razão por que isto acontece é a “ausência de estratégia para se trabalhar na área da prevenção”, estando actualmente todo o peso das campanhas de sensibilização orientado para a separação. “É quase irónico” falar-se em prevenção de resíduos, diz a membro da CEP, já que há “todo um sistema montado para a pessoa consumir embalagens e levar as coisas dessa forma para casa”. Apesar de considerar importante a sensibilização para a separação dos resíduos, sabe que estas campanhas não impedem o aumento da sua produção: “O que pode sair dali é um aumento da taxa de recolha selectiva, mas não vai fazer nenhuma prevenção”, acrescentando que um documento como o PERSU “não muda fundamentalmente nada, não aborda de maneira nenhuma o excesso de consumo que caracteriza a nossa maneira de viver e que produz estes resíduos”. “Há aqui um certo abismo entre aquilo que está patente no discurso e na visão política que temos à volta do ambiente e da economia circular e naquilo que, de facto, conseguimos implementar, que são sempre pensos rápidos”.

“Há imensa resistência à mudança”. Se, por um lado, há visões que, para Andreia Barbosa, são “extremamente positivas”, como é o caso do Roteiro para a Neutralidade Carbónica, que esteve – em fase de consulta pública até 28 de Fevereiro – e que “parece estar alicerçado em pressupostos que são concretizáveis”, há outros planos que entram em conflito directo com o caminho que deve ser percorrido para o estabelecimento de uma economia circular e que o próprio roteiro propõe. É o caso do “incremento da capacidade de incineração”, prevista no PERSU 2020+. As causas parecem ser óbvias: “temos os resíduos em alta”. E para isto parece contribuir não só o crescimento da actividade turística do país – com o aumento da produção de lixo que daí decorre –, mas também a melhoria da actividade económica e o aumento do rendimento disponível dos portugueses. Apesar de reconhecer que a incineração de resíduos contribui para “reduzir substancialmente” a percentagem destes que acaba em aterro, permitindo, ainda, a sua valorização através da produção de energia, Andreia Barbosa considera que o aumento desta capacidade de incineração “vai pedir resíduos”. Deste modo, “não se está a fazer nada para prevenir” a sua produção. São “planos incompatíveis”, considera.

 

O que está a ser feito

Andreia Barbosa tem dúvidas sobre se a meta de prevenção de resíduos proposta pelo PERSU 2020+ é, ou não, alcançável, mas sabe que os resíduos orgânicos têm “um peso enorme no sistema todo”. “Vai ser espectacular quando se conseguir, de facto, fazer a sua recolha selectiva, levar para compostagem, para valorização orgânica”, diz.

Os municípios portugueses têm algumas estratégias na manga. Uma delas é a compostagem – isto é, a transformação de resíduos orgânicos em fertilizante natural, num processo natural que acontece dentro de um depósito. Em Lisboa, há um projecto que promete “diminuir a quantidade de resíduos que encaminhamos para incineradora”. A intenção é avançada pela própria directora municipal de higiene urbana do município de Lisboa, Filipa Penedos, em entrevista à Smart Cities.

“Basicamente, estamos a fazer economia circular”. Garante-se, assim, “que tudo aquilo que poderia ser decomposto não vai para a incineradora”. O projecto, chamado Lisboa a Compostar, assenta na compostagem doméstica e o objectivo da iniciativa, integrada no projecto europeu Force, é o de distribuir, até 2020, quatro mil destes caixotes de compostagem. Começou em Maio de 2018 e, desde então, distribui compostores domésticos por munícipes que se mostrem interessados.

Para além de demonstrar interesse, há que dispor, no local de residência, de condições para realizar a compostagem: um processo que requer terra e espaço ao ar livre, como um quintal ou um logradouro, e demora entre “quatro a seis meses”, conta Catarina Rebelo, do departamento de higiene urbana da capital. Conta “meia dúzia de desistências” e os poucos que desistem só o fazem porque “não têm condições”. Ou “não têm terra suficiente” ou “mudaram de casa”, nunca desistem “porque não querem fazer”. Antes de receber o compostor, os munícipes são convidados a participar numa acção de sensibilização. Os equipamentos que o município está a distribuir são o resultado do investimento da câmara na prevenção de resíduos, enquanto que as acções de sensibilização “é o Force que paga”, o projecto europeu que junta as cidades de Lisboa, Copenhaga, Hamburgo e Génova em iniciativas pela economia circular.

Mas não é só em Lisboa que as coisas estão a acontecer. Na ilha de São Miguel, nos Açores, o município da Ribeira Grande está a promover o projecto Ribeirinha – Zero Waste, um piloto que quer transformar em composto os resíduos produzidos em dois bairros. Em declarações à Smart Cities, Alexandre Gaudêncio, presidente do município, revela que o objectivo é utilizar o produto da compostagem de “certos restos de comida, folhas do jardim, plantas secas, restos de legumes, vegetais ou tubérculos” nas hortas comunitárias do concelho. E o projecto está a resultar. O autarca garante que “os munícipes aderem à campanha e guardam os resíduos orgânicos”, recolhidos pela autarquia “duas vezes por semana”.

Mas vamos às contas. Filipa Penedos sabe bem que “temos vindo a assistir a um aumento exponencial da produção de resíduos”, mas acredita também que o Lisboa a Compostar, enquanto parte integrante da estratégia municipal patente no Plano Municipal de Gestão de Resíduos da cidade, pode ter um impacto palpável na redução dos resíduos enviados para incineração. Segundo estimativas da autarquia, “em princípio cada família retira dos indiferenciados 350 kg por ano”. A expectativa, conta Filipa Penedos, é animadora e sugere que os números finais deverão “superar bastante” os cálculos iniciais, que apontavam para “mil toneladas por ano de resíduos” desviados das incineradoras.

Entretanto, a iniciativa começou a tomar outras dimensões e, para além da compostagem doméstica, que funciona numa perspectiva de economia circular à escala do cidadão, passou agora a contar com “uma segunda fase”, a maior escala, com a implementação de um projecto piloto orientado para a compostagem comunitária. Ainda não está “a funcionar activamente”, mas são já quatro os compostores comunitários instalados e prontos a arrancar: nos Olivais, na Ajuda, em Campolide e no Areeiro. “Tivemos a percepção de que havia muitas famílias que gostavam de fazer compostagem mas não tinham condições em casa” – foi assim, explica, que nasceu esta variante do projecto municipal de compostagem doméstica.

“O importante é reutilizar”

No ano em que a cidade será a Capital Verde Europeia os plásticos descartáveis vão despedir-se de vez das ruas de Lisboa. A medida foi anunciada em Janeiro pelo vice-presidente da autarquia e responsável pelos Serviços Urbanos, Duarte Cordeiro, e, segundo Filipa Penedos, “aquilo que se pretende é que seja proibida a venda de alimentos ou bebidas em plástico para uso no exterior”. O presente ano será “de adaptação”, “para que as entidades [e] os comerciantes se adaptem e encontrem soluções”, com a medida a efectivar-se já a partir do dia 1 de Janeiro do próximo ano.

“As cervejeiras começaram a dar copos grátis e o bar nunca tinha trabalho a lavar ou gerir os copos”. Esta era parte do problema – é, pelo menos, a opinião de Bianca Beyer, a fundadora do Lisboa Limpa, uma associação sem fins lucrativos que, em 2017, começou a implementar uma rede de partilha de copos reutilizáveis. Numa perspectiva de sustentabilidade, Bianca Beyer não sabe “se é melhor usar um prato feito de milho uma vez ou usar um prato de plástico muitas vezes”. “O importante”, sublinha, “é reutilizar. Não é usar uma vez e deitar fora”. Partilhar copos também é prevenir resíduos e é precisamente esta lógica circular de reutilização que serve de base à rede de partilha de copos que está a alavancar em Lisboa.

Hoje, os copos do Lisboa Limpa – “talvez, três mil” já em circulação – estão em 26 bares e cafés de Lisboa, mas o objectivo, que Bianca Beyer ainda não sabe se será possível de alcançar, é chegar aos 80 até ao final de 2019. O financiamento para o projecto chegou através do BIP/ZIP, um programa municipal destinado a intervir na vida da cidade através do apoio a parcerias locais, associações ou colectividades, e, mais recentemente, da Fundação Calouste Gulbenkian.

“Não pego num copo descartável há muito tempo”, contou à Smart Cities, num café de Alcântara, em Lisboa. O objectivo do Lisboa Limpa não é fazer dinheiro, é promover a implementação e o crescimento de uma rede de partilha de copos entre os estabelecimentos comerciais da cidade. Por ser livre de marcas comerciais, o copo pode usar-se para qualquer bebida e a inspiração surgiu de iniciativas alemãs como a Recup, que conta já com centenas de estabelecimentos parceiros. Por cá, as grandes cervejeiras já começam timidamente a apostar na ideia do copo reutilizável, mas adoptaram uma abordagem diferente da de Bianca Beyer. Enquanto o Lisboa Limpa procura “poupar e sensibilizar para a devolução”, há cervejeiras nacionais “a dar dois mil copos” aos clientes. Estes copos, embora reutilizáveis, não operam numa lógica de rede e, à partida, a sua utilização está limitada às bebidas da marca que ilustra o copo. “Nós não damos dois mil copos a um bar que precise, talvez, de 50”.

Para Bianca Beyer, em Lisboa há seis anos, a questão é simples: “se quiseres implementar um sistema de depósito, o mais importante é fazer dele o mais igual possível – o mesmo em todo o lado”.

Tornar a mudança “apetecível” e partilhar

A proibição do consumo de plásticos descartáveis no espaço público, tal como Lisboa anunciou, é “possível” de concretizar. “Só tens de proibir. E as multas são óptimas” – é assim que Bianca Beyer encara a acção política sobre o consumo massificado de plásticos de utilização única.

Mas como é que deve ser traçado o caminho para a sustentabilidade no consumo e para a aproximação à circularidade? Andreia Barbosa considera a existência de uma “base de apoio popular” para chegar às reformas necessárias “a melhor maneira” de agir e acredita que um dos melhores argumentos para tornar as mudanças “apetecíveis” é o da criação de emprego. “Muitas vezes, a resistência à ideia de sustentabilidade está associada ao medo de que se não houver crescimento não há empresas, se não há empresas não há trabalho”. Este tipo de discurso “só pode ser combatido com esta ideia de que abordar as alterações climáticas de forma efectiva é uma oportunidade de gerar emprego”, acredita. E há estudos que sustentam esta visão. Números avançados pela Organização Internacional do Trabalho (ILO) da ONU, no seu relatório 2018 Greening with jobs – World Employment and Social Outlook, falam num potencial de criação de empregos de promoção de uma economia mais amiga do ambiente estimado em 24 milhões. O mesmo relatório realça o potencial da economia circular no que respeita aos empregos criados: largar o tradicional modelo linear da extracção, utilização e desperdício pode significar a criação de seis milhões de empregos nos sectores da reparação, reciclagem ou reutilização de bens.

A adopção da circularidade significa, obrigatoriamente, evitar o desperdício. Uma forma de o fazer é partilhando. E podemos partilhar uma série de objectos, máquinas e ferramentas, numa opção que leva não só à diminuição do desperdício, mas conduz também ao aumento da eficiência e a poupanças na carteira. “Há uma série de objectos que são de uso ocasional e, de facto, não há qualquer necessidade de uma pessoa os adquirir”, conta Andreia Barbosa. “Seria óptimo se houvesse um acesso fácil a esse objecto”, que pode ser “uma tenda de campismo, um colchão de campismo, um equipamento de desporto para uma ocasião específica, equipamentos de limpeza, ferramentas, o berbequim”. “Em vez de haver uma multiplicação pelo número de famílias desses objectos, haveria um ou dois ou três por bairro e a coisa funcionaria assim”. É um conceito que a Circular Economy Portugal “tenta promover”. A CEP está, aliás, envolvida num projecto, promovido pela junta de freguesia de Campo de Ourique, que materializa precisamente o conceito de biblioteca de ferramentas. É o Pólo de Economia Circular de Campo de Ourique. “Ainda não está a funcionar”, as ferramentas “estão a ser catalogadas”, mas está já a ser “implementado um sistema de empréstimo e a ver-se como é que vai funcionar”. É o tipo de coisas que Andreia Barbosa gostava de ver “multiplicadas”, “a nível do bairro”, mas também em maior escala.

A importância da partilha não se fica, contudo, por aí. Para a membro do CEP, questões como a energia e a mobilidade requerem soluções “em que essas lógicas da partilha, reutilização e democratização” tenham de estar presentes.

“Não sei se é melhor usar um prato feito de milho ou arroz uma vez, ou usar um prato de plástico muitas vezes. O importante é reutilizar – não é usar uma vez e deitar fora”.

Bianca Beyer

Fundadora , Lisboa Limpa

“Fazer acontecer a economia circular”

Hoje, observa-se uma tendência “interessante”: “a ideia de poder aceder a um veículo partilhado” passou a ser “desejável” entre as “gerações mais novas”, numa nova forma de encarar as deslocações que parece estar “um bocado a substituir a ideia da posse do veículo automóvel como trajectória desejável”, diz a responsável. E há também a questão de redemocratização do espaço público, da “inversão da proporção entre o espaço destinado à mobilidade dos transeuntes e das bicicletas e aquele que é deixado para os veículos motorizados”. Andreia Barbosa quer ver “uma cidade mais acolhedora para a brincadeira das crianças” e acha que “o futuro é mesmo andar a pé”, que “essa é a forma essencial e mais desejável de mobilidade”.

Se é preciso “tirar progressivamente espaço ao veículo automóvel individual” – e Andreia Barbosa considera que esse deve ser um “desígnio político” –, há também que libertar espaço para a economia circular aparecer. A forma “como se aproveita e distribui o espaço dentro das cidades” tem o potencial de “fazer acontecer a economia circular”, diz. Os fenómenos de gentrificação e especulação imobiliária têm a “exclusão” como efeito colateral e o que temos hoje no espaço urbano “é uma oferta de coisas. São supermercados, são lojas, é aquilo que a cidade nos seus espaços privilegiados oferece às pessoas – oportunidades de consumo”. Mas continua a existir “imenso espaço vazio, abandonado e subaproveitado” – uma situação “inadmissível” para a membro do CEP, que considera ser necessário “um reforço de políticas para disponibilizar estes espaços” para outras actividades. É assim que a economia circular pode ir penetrando num ambiente urbano, caracterizado pelo domínio das leis de mercado: através da “contratualização da cedência destes espaços a entidades que não sejam só os operadores de mercado e que sejam colectivos, cooperativas”. Isto porque, para acontecer, a circularidade precisa de encontrar espaço físico nos centros das cidades, “é preciso um fair deal”, para que iniciativas como as apoiadas pela associação a que Andreia Barbosa pertence, que investem com “trabalho e recursos”, possam, “durante um certo número de anos”, saber “que vão poder ali ficar e vão poder ali viver ou desenvolver actividades em prol da comunidade”.