No dia 30 de Maio, foi anunciada, em Cascais, a criação da Associação Nacional para a Limpeza Urbana – Parceria para Cidades + Inteligentes e Sustentáveis. Para já, são 14 as entidades associadas*, na sua maioria municípios, que assumem o título de fundadoras. No futuro, espera-se que tanto a academia, como o sector privado, adiram a esta associação, cujos objectivos passam por posicionar a limpeza urbana como ferramenta de transição para as cidades inteligentes e impulsionadora de políticas públicas sustentáveis. Em entrevista, Luís Capão, presidente do Conselho de Administração da Cascais Ambiente e dirigente da recém-criada Associação Nacional para a Limpeza Urbana, explica a urgência de unir este sector, dando-lhe voz e visibilidade suficientes para aproveitar as oportunidades que existem.

Qual a necessidade da criação de uma Associação Nacional para a Limpeza Urbana?

Acima de tudo, porque esta é uma área que tem imenso impacto a nível urbano e para o projecto de felicidade e de qualidade de vida de todos nós e que, há muitos anos, não estava a ser valorizada o suficiente em Portugal. Fala-se muito dos sectores da água, de tratamento de resíduos, da neutralidade carbónica na área das alterações climáticas, mas verifica-se que a limpeza urbana, com todos os seus desafios e também oportunidades, estava a ser esquecida. Há um manancial enorme de técnicos qualificados e competentes que estão a desenvolver, país fora, seja em câmaras municipais, seja em juntas de freguesia, empresas municipais ou privadas, um trabalho notável, com imensos recursos envolvidos, mas para o qual, de facto, não há um encontro, conhecimento, não há indicadores de gestão, não há capacidade de medir o que cada um faz. Daí, [a associação] poder também canalizar a oportunidade de sensibilização e de transformar cada um de nós, cidadãos, em co-criadores, co-decisores, mas, acima de tudo, como parte integrante da solução para os enormes problemas que têm surgido na limpeza urbana, na qual, hoje em dia, se vêem bons exemplos.

O sector da limpeza urbana é um dos que está mais próximo do cidadão. Essa é uma oportunidade que a associação quer aproveitar?

Claramente, o cidadão é uma parte fulcral de um serviço com uma enorme capilaridade – os cantoneiros de limpeza, os operadores de uma varredoura ou de um camião lava-ruas são pessoas que passam por todos os locais de qualquer cidade ou vila e têm uma capacidade de contacto com os munícipes acima daquilo que é outro tipo de serviços. Isso deverá transformar-se numa oportunidade, quer do ponto de vista do contacto para a sensibilização, quer enquanto, eles próprios, cidadãos, já que têm a capacidade de melhorar em conjunto aquilo que são as respostas aos desafios da limpeza urbana, que, como se tem sentido ultimamente, são bastante relevantes.

De que forma os municípios poderão beneficiar da criação desta associação?

Esta associação não está focada só nos municípios, quisemos fazer uma rede de cidades, vilas, mas, acima de tudo, na qual envolvêssemos o sector privado. Achamos que as cidades, por si só, não são donas da limpeza urbana, mas, em conjunto com o sector privado, poderão obrigar ou criar tendências que permitam ao sector privado ter uma maior capacidade de exigência dos produtos ou serviços que servem. Por exemplo, uma autarquia sozinha não consegue influenciar o modelo de uma marca de um qualquer equipamento que é feito numa escala de milhares e fora de Portugal. Mas se um conjunto de 200 ou 300 autarquias ou uma associação com massa crítica pedir uma determinada solução – e dou o exemplo do glifosato –, talvez, uma grande empresa multinacional ou um prestador de serviços consiga influenciar a sua estratégia e dar uma resposta a um país como Portugal, porque está unido. Juntos teremos uma capacidade completamente diferente de influenciar o sector naquilo que são as boas praticas da limpeza urbana e, obviamente, com o respeito pela neutralidade carbónica, a economia circular, as cidades inteligentes, a eficiência e também a valorização dos colaboradores, sejam eles operacionais, sejam parte do corpo dirigente e técnico.

“Havendo uma associação que congregue cidades e empresas privadas, podemos, de certa forma, influenciar a abertura de mais linhas de financiamento para esta área”.

Como será feita a abordagem aos municípios? Vão trabalhar com alguma associação, como a Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP)?

A ideia é que os municípios, pela sua própria representatividade e ao fazerem parte da associação, trabalharão directamente connosco. Associações, como a ANMP ou a Associação Nacional de Freguesias, serão parceiros estratégicos naquilo que é a divulgação da associação e o convite à angariação de membros.

Um dos objectivos que apresentou é que esta associação sirva de impulso à definição de políticas públicas mais sustentáveis. Como pretendem que isso aconteça?

Tem havido muito pouca canalização de fundos ou oportunidades para a limpeza urbana. Se não existir uma associação, continuaremos a assistir a fundos europeus ou linhas do Fundo Ambiental focados noutras áreas, que são tão importantes como a limpeza urbana. Apesar de o Fundo Ambiental ter tido um papel de excelência na dinamização de soluções para o desenvolvimento sustentável do país, a única iniciativa relevante que teve para a limpeza urbana foi a medida dos equipamentos eléctricos. Há uma quantidade de criação de know-how, de potenciar o capital intelectual, partilha de sistemas de informação que permitem optimizar toda esta gestão de todos estes interlocutores da limpeza urbana… Há oportunidades que não têm sido aproveitadas. Havendo uma associação que congregue cidades e empresas privadas, podemos, de certa forma, influenciar a abertura de mais linhas de financiamento para esta área, que tem, de facto, imensas oportunidades, consome imensos recursos, emite muitas emissões, lida com muitas pessoas – portanto, são várias linhas de acção, nas quais, com financiamento, se poderá apoiar as autarquias que mais necessitarem, dando resposta a isso no novo quadro comunitário que surgirá.

Quais são os próximos passos?

Até ao final de 2019 e durante 2020, vamos apostar na criação de massa crítica. A associação não funciona com duas ou três pessoas a pensar. Neste momento, somos 14 membros fundadores, mas a ideia é que, quantos mais membros a associação tiver, entre público e privado, melhor serviço esta fará e mais capacidade de cumprir o seu programa. Outra ideia é criar as parcerias estratégicas com os organismos institucionais, com o mundo académico, com outras redes de cidades ou redes internacionais, e fazer um estudo de caracterização do sector – isto é crítico! Em França, através de indicadores de qualidade de limpeza das cidades, é já possível perceber onde estão os pontos críticos e fazer um ataque com um target [específico] para dar melhor resposta. Um exemplo: na APVU [Association des villes pour la propreté urbaine], aperceberam-se que, nas várias cidades, as beatas de cigarros e os dejectos caninos eram os factores com menor sucesso e rapidamente surgiu a ideia de se fazer uma campanha de sensibilização especificamente para o tema. Nós, em Portugal, não temos a noção de quais são as prioridades e as de Cascais podem ou não ser as mesmas de Viana do Castelo ou do Funchal. Através deste estudo de caracterização, a associação, pode perceber qual a dimensão do sector, mas, acima de tudo, direcionar campanhas de sensibilização para targets específicos, para dar resposta a esses problemas. Assim, conseguimos fazer o verdadeiro serviço público que está na génese desta associação, criada por servidores e gestores públicos, câmaras, mas com o foco de fazer serviço público e melhorar o projecto de felicidade e qualidade de vida nas cidades actuais.

As empresas mais tecnológicas das cidades inteligentes podem ajudar nessa missão?

É uma oportunidade sem limite neste momento, com a Internet das Coisas, o machine-2-machine, as plataformas que vão fazer a gestão de todas as sensorizações que estão espalhadas pela cidade…! Com toda a integração e com a recolha, as smart cities permitem-nos capacitar melhor os actores que fazem a gestão do território e obter um custo-benefício bastante elevado, daí o desafio fundamental de [alcançar] outras iniciativas de financiamento para as autarquias ou empresas da componente de QI e sistemas de gestão de informação e plataformas de orquestração de business intelligence que possam juntar todas estas sensorizações e potenciar no custo-benefício.

Temos já exemplos no terreno disso?

Sim, em Cascais. Com a interligação da aposta no eléctrico com sensorização, com sistemas que permitam medir quando a varredura está ou não a varrer, qual a percentagem do circuito que foi feita, se ficou por fazer ou foi feita a mais. Daqui, podemos evoluir para os indicadores que ainda não temos e que nos vão permitir perceber que tipo de escova, de equipamento ou máquina são mais adequados, que tipo de condução, de motorista ou cantoneiro são mais adequados àquele serviço. Temos também a sensorização nos carrinhos de varredura, agora, com protocolo de comunicações narrowband IoT. Nessa matéria, estamos a fazer um projecto pioneiro em Portugal com a Vodafone, no qual os 150 carrinhos de varredura em Cascais têm um sensor de geolocalização que permite começar a aferir indicadores de produtividade e de serviço – isso é excelente! E uma oportunidade adicional é que podemos ter um botão que permite diálogo entre o operador e toda a plataforma que faz a gestão. Pode ser um botão de pânico ou de oportunidade, como lhe chamamos na Cascais Ambiente, com o qual podemos identificar lacunas, como grafitis, despejos ilegais de determinado resíduo, etc. Por último, temos a componente da lavagem de ruas que, em Cascais, é feita com água reciclada que vamos buscar à ETAR da Guia.

 

 

*AGERE, CM Águeda, CM Amadora, CM Castelo Branco, CM Estarreja, CM Lagoa (Açores), CM Loulé, CM Madalena (Pico, Açores), CM Mafra, CM Santarém, CM Viana do Castelo, CM Funchal (Madeira), Cascais Ambiente, EMARP.