No bairro de Alfama, é hoje difícil escapar à febre do turismo, mas duas investigadoras portuguesas estão determinadas a olhar além do fenómeno e encontrar, trabalhando com a comunidade local, soluções integradoras que respondam também a outro grande desafio: as alterações climáticas. “Alfa-AMA Smart Sustainable District” é o nome da iniciativa que, até Dezembro, vai traçar possíveis caminhos para uma “Alfama saudável e sustentável para todos”, apostando nos espaços públicos, no edificado e nas formas de mobilidade.
Até ao final do ano, o objectivo é o de construir uma agenda consolidada de soluções técnicas inovadoras, acomodando também as expectativas sociais da comunidade, e que inclua propostas de modelos de financiamento para estas mesmas soluções. “É uma forma de empowerment económico local”, explicou Júlia Seixas, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL), que se junta à investigadora Vera Gregório, da Lisboa E-Nova, nesta acção. “Vamos fazer um levantamento da informação existente nas diversas entidades e, com esse diagnóstico e até algum mapeamento das variáveis que iremos recolher, será elaborado um relatório que será depois utilizado para o workshop final”, explicaram à Smart Cities.
Espaços urbanos resilientes às alterações climáticas, edifícios eficientes e resilientes e mobilidade de baixo carbono são os três pilares do projecto, que, garantem as coordenadoras, procura ter uma abordagem integradora que não deixe de fora as preocupações sociais. “Queremos pensar de forma integrada estes três pilares com os grupos que compõem Alfama, que são os turistas e as pessoas residentes. E, dentro destas últimas, temos duas categorias muito diferentes: os locais com condições socioeconómicas de classe baixa e as pessoas que estão a chegar para ocupar os edifícios que, entretanto, foram reabilitados e que são [perfis] completamente diferentes, mas que, por algum motivo, foram viver para o bairro. O desafio maior é pensar de forma integrada nisto. Se o fizermos com estes três pilares e os três grupos de pessoas que ali vivem, as soluções que viermos a encontrar vão responder de forma vencedora o mais possível para cobrir tudo isto”, afirma Júlia Seixas.
Turismo, especulação imobiliária e envelhecimento
Outra das premissas do Alfa-AMA SDD é o envolvimento da comunidade e dos agentes locais. “Este é um projecto que vai viver da participação dos stakeholders”, diz Vera Gregório. O primeiro passo para essa participação foi dado logo na sessão de apresentação do projecto, que teve lugar a 28 de Setembro, no showroom do Sharing Cities, na Praça do Município, e na qual estiveram representantes da comunidade local e outros stakeholders municipais, como a câmara municipal de Lisboa, a Carris ou a InvestLisboa.
Neste primeiro contacto, as preocupações locais ficaram bem expressas e passam, na sua maioria, pela forma como o turismo está a condicionar a vida dos residentes. Só na junta de freguesia de Santa Maria Maior, à qual Alfama pertence, 22% das habitações destina-se a alojamento local, sendo que a fatia maior se situa em Alfama, relata Anabela Monraia, representante da freguesia. Aliado a isso, surgem outros problemas, como a especulação imobiliária, com as rendas a subir de forma drástica e a tornarem-se incomportáveis para os residentes, levando também ao despovoamento da freguesia. “De 2011 a 2013, perdemos 17% da população local, o que representa cerca de 3500 eleitores durante o último mandato”, lamenta a responsável.
Entre relatos de senhorios que “procuram” formas legais de expulsar inquilinos, de lojas que são remodeladas para fins de habitação e colocadas no mercado de arrendamento a mil euros e da existência de vários edifícios devolutos, Alfama tem ainda de lidar com o desemprego – com base no Censos 2011, a freguesia registava uma das taxas mais elevadas de Lisboa, 13,2% – e com uma população residente envelhecida, com um índice de envelhecimento (o número de pessoas com 65 e mais anos por cada 100 pessoas menores de 15 anos), em 2011, na ordem dos 315,3, segundo o Diagnóstico Social da freguesia. O isolamento é uma das grandes preocupações, já que muitas destas pessoas não têm sequer condições, para sair das suas casas, quer por motivos de saúde, quer devido à fraca acessibilidade dos edifícios.
Neste cenário, como se coloca a adaptação às alterações climáticas na agenda de uma comunidade? A ligação é simples e a palavra chave é, mais uma vez, integração. “Qualquer solução que saia daqui não é especifica e unicamente para resolver o problema das alterações climáticas. São visões sistémicas e, por isso, têm de ter todas estas componentes integradas”, refere Vera Gregório.
“A invasão turística esmaga qualquer outro problema em Alfama, mas isso não quer dizer que os outros tenham desaparecido”, sublinha, por sua vez, Júlia Seixas. “A ponte entre o turismo e as alterações climáticas vai ter de existir. Como? Isso compete a alguns órgãos de governo e compete a quem estuda estes problemas, que é o nosso caso. Mesmo num bairro como Alfama, que está a ser invadido pelos turistas, vai ter de haver a preocupação de perceber como se adapta um bairro à questão das alterações climáticas”.
Como adaptar?
Em áreas urbanas, falar de alterações climáticas, aponta a especialista, significa conforto térmico, dentro e fora de casa. “Dentro de casa, tem a ver com o tipo de edificado em que as pessoas vivem, e que pode estar mais ou menos adaptado e não podemos pensar – é errado – que vamos resolver o problema do conforto térmico no Verão instalando ar condicionado… Convém pensar que, talvez, tenhamos de reabilitar ou reconverter janelas, colocar janelas duplas, etc., ou seja, apostar em medidas passivas. Fora de casa, terá muito a ver com os espaços públicos e, por isso, elegemos como uma das áreas deste projecto soluções inovadoras para espaços públicos adaptados às alterações climáticas. Existem imensas soluções em que a intervenção dos espaços públicos chega a baixar a temperatura máxima em termos médios de um bairro alguns graus, o que, em ondas de calor, é capaz de ser o suficiente para aumentar muito o conforto, não apenas de quem está fora de casa, mas também de quem está dentro de casa”, explana.
A próxima sessão do Alfa-AMA está já agendada para 16 de Outubro e espera-se que a validação do diagnóstico seja feito em inícios de Novembro. Para além da comunidade local, as duas investigadoras não estão sozinhas neste trabalho. O projecto conta com o apoio da iniciativa europeia Climate KIC, promovida pelo Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT) da Comissão Europeia e liderada em Portugal pela própria Júlia Seixas. Nesse âmbito, especialistas internacionais vão também ajudar no trabalho e a equipa poderá “beber” o conhecimento de experiências anteriores em bairros de Londres e Berlim.
“Na nossa experiência, o mais interessante que aprendemos é que a chave está nas soluções integradoras, não podemos trabalhar apenas numa solução de cada vez. Não podemos pensar em silos, nem de forma isolada”, afirma Luciana Miu, uma das especialistas da equipa internacional do SSD District, que esteve também em Lisboa. Ser criativo na busca destas soluções é outra das recomendações da responsável, que, embora considere que, no caso de Alfama, o maior desafio será encontrar o equilíbrio entre o turismo e os locais, está convicta de que essa poderá ser também a “maior oportunidade” do projecto.