De asas azuis e peito laranja, o guarda-rios é uma das aves aquáticas mais comuns nas margens das linhas de água portuguesas. Mas esta história é sobre outro “guarda-rios”. Responsável por trazer para Portugal o Projecto Rios e coordenador geral da empresa de empreendedorismo social Engenho e Rio, Pedro Teiga juntou o saber técnico da engenharia à preocupação social e ambiental e está, hoje, empenhado em “dar o seu segredo aos municípios” para que estes possam, de forma autónoma, dar continuidade à sua missão: devolver os rios e ribeiras às pessoas.
Tudo começou nos tempos de faculdade. Sempre preocupado com as questões ambientais no geral, foi na tese de mestrado que Pedro Teiga se debruçou sobre a gestão dos recursos hídricos e dos problemas existentes nas linhas de água de Portugal. Mas rapidamente se sentiu desiludido – “queria uma coisa prática e, afinal, tinha feito uma coisa teórica e que não tinha a aplicação e o impacto que eu desejava”, conta.
Foi na expectativa de ajudar a resolver problemas sociais e ambientais que começou a dar aulas na universidade. Não foi suficiente, pois, ainda assim, “os rios continuavam na mesma”. Dedicou-se à investigação, durante a qual concluiu que “a grande falha estava na participação pública por parte da sociedade, que não detectava que os rios estão negligenciados – um problema ambiental grave”. Para além disso, faltava ainda “o domínio técnico da parte dos operativos, daqueles que estão a melhorar o rio para resolver esses problemas”.

O Projecto Rios, um conceito de adopção de troços de rios que começou na Catalunha, foi a resposta que Teiga encontrou para tentar colmatar estas falhas e, durante nove anos, fez dos rios locais de aprendizagem e sensibilização para as comunidades escolares. Quando deixou o projecto, em 2013, já estavam mais de 300 grupos inscritos, mais de cinco mil pessoas envolvidas em actividades, recorda.
Cumprida a parte da participação pública, para resolver o problema, estava na altura de olhar para a componente técnica. “A participação pública e o envolvimento da comunidade por si só não chegam para resolver o problema, é preciso a engenharia entrar e essa foi a ponte com o trabalho de doutoramento que tinha feito para resolver o problema dos técnicos, da gestão de obras e operacionalização dos trabalhos”, conta. Assim, nasceu, em 2010, a Engenho e Rio.
E como é que se requalifica uma área muitas vezes negligenciada, tornando-a num espaço de lazer, de forma sustentável e conservando o seu estado natural, ao mesmo tempo que se sensibiliza e educa a população nesse sentido? Tudo começa com um projecto de reabilitação à escala municipal, acompanhado em todas as fases pelos técnicos municipais, “para que eles aprendam”, diz Teiga. “Existe uma ligação entre o proprietário, o técnico, o projectista e o expert que pode dar a solução e ajudar a resolver os problemas. Isto para que, tecnicamente, o know-how fique no município, para que este consiga resolver estes problemas e ser autónomo”, explica.
Do ponto de vista empresarial, Pedro Teiga reconhece que a estratégia não é a melhor, no entanto, há a componente do empreendedorismo social, alinhada com aquilo que a empresa pretende: “melhorar, metro a metro, quilómetro a quilómetro, e, assim, contribuir para a melhoria dos rios e da qualidade de vida das pessoas”. Da sua experiência no Projecto Rios, sabe que quase tão importante como o saber técnico é o envolvimento da comunidade nestas acções. Por esse motivo, neste processo são incluídas sessões de participação pública, para que as pessoas compreendam o que vai acontecer e por que vai ser feito. Afinal de contas, são elas que vão também usufruir do resultado final.
Quando questionado sobre os benefícios para as cidades, Pedro Teiga ilustra com um exemplo prático de uma intervenção feita no Porto: “era uma zona degradada onde existia droga, estava contaminada. Com a intervenção, criaram-se percursos pedonais, espaço para o rio, desfizeram-se ligações ilegais de saneamento para resolver o problema de contaminação do rio – cuja qualidade não está ainda completamente boa, mas está nesse caminho. Os terrenos na envolvente ficaram valorizados – as construções que estavam previstas na envergadura eram de bairro social e, neste momento, há um novo projecto para colocar uma tipologia já para classe média alta. As pessoas dos bairros e das proximidade vão passear ali ao fim do dia e têm um parque para poder usufruir desse espaço e observar a biodiversidade existente”. E este não é caso único: um projecto semelhante foi feito em Santa Maria da Feira, numa área de 2,5 quilómetros.
A paixão deste “guarda-rios” pela sua missão cativa quem o escuta. Uma linguagem acessível e a multidisciplinariedade têm sido pontos fortes do seu percurso, aponta. Para isto tudo, é preciso também uma boa dose de teimosia. “Se não fosse teimoso, provavelmente, em 2003, tinha desistido e parado esta viagem”, confessa. Mas, assim, não foi e, das acções concluídas, a Engenho e Rio conta já com 230 quilómetros de rios estudados, dois de intervenções acompanhadas e 5,5 de percursos pedonais/cicláveis criados e está, actualmente, a trabalhar com o município de Pombal, onde deverá concretizar 50 quilómetros de intervenção.