Catarina Selada, directora da Unidade de Cidades da INTELI, não tem dúvidas: “nos últimos anos, muito mudou na área das smart cities em Portugal”. Os autarcas estão mais sensibilizados, as estratégias municipais tomam forma e as empresas nacionais destacam-se não só no mercado nacional, mas também além-fronteiras. Num conceito de cidade inteligente centrado nas pessoas, a especialista reforça que “ainda são necessários esforços adicionais de promoção da participação dos cidadãos na co-criação de soluções para os problemas urbanos e de ideias para responder aos desafios de futuro das cidades”.

 

Como tem evoluído o sector das cidades inteligentes nacional?

Nos últimos anos, muito mudou na área das smart cities em Portugal, nomeadamente no âmbito da governação, sensibilização, cooperação e mobilização de actores. Ao nível dos municípios, os autarcas estão bastante mais sensibilizados para o impacto das smart cities na vida urbana. Para ilustrar este fenómeno, podemos referir que, em 2013, a RENER – Rede Portuguesa de Cidades Inteligentes integrava 46 municípios e, em 2016, inclui já 124 municípios, tendo as manifestações de interesse sido apresentadas pelas próprias cidades. De acordo com os resultados da 2ª edição do Índice de Cidades Inteligentes (INTELI, 2016), no seio da amostra de cerca de 40 municípios analisados, 25% já definiu estratégias e planos de acção na área das smart cities, sendo que 31% criou departamentos ou grupos de trabalho específicos para as cidades inteligentes. Por exemplo, Águeda definiu a estratégia “Águeda is a smart city” e Cascais criou uma Divisão Cidades Inteligentes. Grande parte dos municípios encontra-se a desenvolver projectos piloto em áreas verticais, como a mobilidade e eficiência energética, sendo ainda escassos os projectos estruturados e integrados de inteligência urbana.

As empresas estão a acompanhar?

Ao nível da indústria, existem diversas empresas com competências e capacidades para operar no mercado das smart cities. De acordo com o “Smart Cities Portugal Roadmap” (INTELI, 2014), no seio da amostra de 100 empresas inquiridas, destacam-se o desenvolvimento e a produção de soluções nas áreas da governação, mobilidade e energia, sendo que 28% exporta esses produtos, serviços ou aplicações para os mercados da Europa, África e América Latina. Acresce que 29% já registou patentes no domínio das cidades inteligentes. E não estamos a falar apenas de multinacionais, mas também de PME e start-ups. Aliás, o movimento do empreendedorismo urbano tem vindo a intensificar-se muitas vezes com o apoio dos próprios municípios que disponibilizam espaços criativos, lançam programas de apoio, tornam os dados acessíveis (open data) e organizam concursos de apps e hackatons. Como exemplos, podemos apontar o Scale up Porto ou o Made-in Famalicão, assim como a estratégia de Lisboa Start-up City, que culminou na organização do Web Summit este mês. A recente aprovação do Cluster Smart Cities Portugal como Cluster de Competitividade, no âmbito das Estratégias de Eficiência Colectiva, demonstra, também, uma maior apetência para a colaboração intersectorial e interinstitucional, dado que integra municípios, empresas, universidades, centro de Investigação e Desenvolvimento, associações e incubadoras. Em particular, pretende potenciar-se um novo ambiente cooperativo entre cidades e indústria, à semelhança do preconizado nos projectos farol da Parceria Europeia para a Inovação “Smart Cities and Communities”, financiados pelo Horizonte 2020.

O que é ainda preciso melhorar?

É preciso melhorar a vários níveis, até porque a construção de smart cities é um processo, não um fim em si mesmo. Para potenciar as vantagens associadas às cidades inteligentes em Portugal, importa apostar na coordenação, convergência e integração. É necessário promover o desenvolvimento de projectos smart city mais abrangentes e estruturados, integrando soluções diversas como energia, mobilidade e TIC, assim como ultrapassar a escala piloto e replicar estas soluções na cidade como um todo e/ou noutros territórios. Os municípios ganham se apostarem mais no potencial dos dados e informação para suportar a tomada de decisão e apoiar a definição de políticas públicas.

“Considerando um conceito de smart city centrado nas pessoas, ainda são necessários esforços adicionais de promoção da participação dos cidadãos na co-criação de soluções para os problemas urbanos e de ideias para responder aos desafios de futuro das cidades”.

Os projectos que estão em andamento ainda não têm essa visão integrada?

De acordo com o Índice de Cidades Inteligentes (INTELI, 2016), nenhum dos municípios inquiridos tem em funcionamento uma plataforma integrada de gestão urbana, sendo que apenas 6% disponibiliza um dashboard com indicadores urbanos críticos. Importa, no entanto, referir que o Porto é um dos dez municípios europeus envolvidos na iniciativa  “Plataformas Urbanas” da Parceria Europeia para a Inovação “Smart Cities and Communities”, que visa a criação de um modelo de referência que potencie o desenvolvimento de plataformas escaláveis, interoperáveis e abertas.

E no que respeita à ligação com os cidadãos?

Considerando um conceito de smart city centrado nas pessoas, ainda são necessários esforços adicionais de promoção da participação dos cidadãos na co-criação de soluções para os problemas urbanos e de ideias para responder aos desafios de futuro das cidades.  O Índice de Cidades Inteligentes mostra-nos que 53% dos municípios analisados possui Orçamento Participativo e 22% lançou outras formas de democracia participativa, sendo que 25% ainda não utiliza estas ferramentas de participação pública. Utilizar práticas inovadoras de colaboração e apoiar movimentos cívicos bottom-up são também áreas a explorar.

O tamanho reduzido do mercado português tem afectado as empresas nacionais que operam nas cidades inteligentes ou, em contrapartida, pode ajudar a que o território se posicione como laboratório?

Portugal tem, de facto, uma escala apropriada para se posicionar como laboratório, como living lab, não só pelas suas características geográficas e demográficas mas também porque os Portugueses são considerados early-adopters de tecnologias. As empresas podem testar, experimentar e demonstrar soluções, produtos e serviços em contexto real, com forte participação dos utilizadores, favorecendo a respectiva replicação e aplicação em larga escala.

Qual será o papel do Cluster aqui?

O Cluster Smart Cities Portugal tem como visão afirmar Portugal como palco de desenvolvimento e experimentação de tecnologias, produtos e sistemas de elevado valor acrescentado para cidades inteligentes a nível global, promovendo a competitividade, capacidade de inovação e internacionalização das empresas. Pretende, assim, promover o desenvolvimento e exportação de soluções urbanas inteligentes e integradas com vista à estruturação da oferta das empresas e respectiva valorização nos mercados internacionais. Esta plataforma vai ter um papel importante ao nível da eliminação de barreiras de mercado, em áreas como a intelligence, modelos de negócio, financiamento, regulamentação, estandardização, compras públicas ou o envolvimento dos stakeholders. O cluster integra cerca de 50 entidades, incluindo empresas, universidades, municípios, associações e incubadoras.

Qual é o ponto de situação para o arranque do Cluster?

Nas próximas semanas, será criada a associação gestora do cluster, ao que se seguirá a assinatura de contrato-programa com o IAPMEI, no âmbito do Programa Clusters de Competitividade – Estratégias de Eficiência Colectiva. As entidades da plataforma poderão, assim, ter acesso a financiamento específico no âmbito do Portugal 2020 para o desenvolvimento de actividades de natureza colectiva. Poderão, também, posicionar-se ao nível europeu, com a apresentação de propostas de projectos a programas como o Horizonte 2020, COSME, LIFE+, entre outros.

A publicação da 2ª edição do Índice de Cidades Inteligentes está para breve. Que conclusão se pode tirar dessa análise?

É fundamental salientar a evolução que se regista, de uma forma global, nas cidades portuguesas e os municípios que participaram em ambas as edições do índice demonstram essa tendência. Gradualmente, nos últimos anos, as cidades portuguesas e, também, os territórios de baixa densidade, no interior, por vias diversas e de acordo com as suas especificidades, têm vindo a identificar e a implementar os melhores processos, metodologias e políticas, com o objectivo de contribuírem activamente para melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes. Ao contrário de cidades de outros países, em Portugal o movimento das smart cities está enquadrado na visão holística sobre o território, focada no cidadão, utilizando a informação, o conhecimento, a criatividade e a tecnologia para atingir objectivos sociais, económicos e ambientais para responder aos desafios urbanos do futuro.