Os números são do IHRU – Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana e estimam que é preciso um investimento de cerca de 1700 milhões de euros para dar resposta às carências habitacionais existentes no território nacional. O mais recente diagnóstico sobre o tema revela que a situação afecta mais de 25 mil famílias.

 

Segundo o Levantamento Nacional das Necessidades de Realojamento Habitacional, publicado na semana passada, existem, em Portugal, 187 municípios com carências habitacionais sinalizadas, 25 762 famílias em situação habitacional claramente insatisfatória e 31 526 fogos sem as condições mínimas de habitabilidade. Segundo o diagnóstico, as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto apresentam uma “forte concentração” de carências habitacionais, com 74% do total das famílias identificadas.

 

Os números divulgados ilustram a preocupação do investigador do CICS.NOVA Gonçalo Antunes – “[No que se refere à habitação] O problema prioritário parece-me estar na existência, em pleno século XXI, de bairros de habitações precárias que subsistem nas duas grandes áreas metropolitanas. Estamos a falar de direitos humanos elementares que ainda não são salvaguardados para todos. É um problema que necessita de ser resolvido com a maior urgência”.

 

O especialista, cujo trabalho de investigação se tem debruçado sobre as políticas de habitação nacionais desde 1820 até ao presente, foi um dos oradores da conferência “Habitação in Foco: da Comunidade aos Decisores”, que teve lugar na semana passada em Lisboa, organizada pelo projecto Urbanólogo, e na qual esteve também a secretária de Estado da Habitação, Ana Pinto.

 

Nos últimos tempos, o tema da habitação tem estado debaixo dos holofotes, tendo ganho especial mediatismo nas últimas eleições autárquicas. “A habitação é um direito consagrado na Constituição, mas que não tem uma base legal que o sustente (…). Actualmente, pessoas continuam a viver em condições pouco dignas em termos de habitabilidade, que é o ponto de partida para uma cidadania plena. Ao mesmo tempo, a habitação é cada vez menos acessível mesmo para a classe média”, esclarece a equipa do Urbanólogo, da qual fazem parte Maria João Gomes, Marianna Monte e Madalena Corte-Real. Como sugestões possíveis para a atenuar o problema, as investigadoras apontam a disponibilização de “mais dinheiro do Orçamento de Estado para a habitação”, a reabilitação e direccionamento de edifícios públicos devolutos para a habitação e a implementação de medidas de estímulo ao mercado imobiliário para o arrendamento a longo prazo, atenuando a diferença de rentabilidade quando comparado com o arrendamento de curta duração.

 

Perante as soluções no horizonte, as expectativas de Gonçalo Antunes face ao trabalho desenvolvido estão “elevadas”, nomeadamente no que se refere à “Nova Geração de Políticas de Habitação“, apresentada e alvo de discussão pública ainda no final de 2017. “É uma oportunidade para definir uma nova estratégia para a acção do Estado no sector da habitação e adaptar os instrumentos já existentes às necessidades actuais, assim como de resolver uma série de questões que subsistem e que a legislação actual não foi capaz de solucionar”, considera.

 

E qual deve ser a abordagem de uma cidade inteligente à temática da habitação? “O conceito de cidade inteligente deve assentar nas pessoas e na melhoria da sua qualidade de vida, que deve ser sustentável, equilibrada, saudável e segura. Qual o tema mais importante para a qualidade de vida dos cidadãos do que a (nossa) habitação e todo o espaço urbano que a envolve?!”, refere o também docente da Faculdade de Ciência Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (Nova FCSH). Por isso, o “número de oportunidades e a complementaridade são quase inesgotáveis”. Como exemplo, o investigador aponta a plataformarecentemente criada pelo INE que permite conhecer o valor mediano do metro quadrado para algumas das cidades do nosso país. “Quer isto dizer que quem quer comprar casa já não está dependente da avaliação que as imobiliárias fazem do território, e pode aceder a informação oficial do valor mediano do metro quadrado para determinado local em específico. É a cidade inteligente ao serviço das pessoas”.

Um encontro para “desbravar caminhos comuns”

 

Com o tema “Habitação in Foco: das Comunidades aos Decisores”, a conferência organizada pelo Urbanólogo, no dia 19 de Fevereiro no CIUL, contou com sala cheia, sendo que as inscrições esgotaram poucos dias após a divulgação.

 

Segundo a organização, o  objectivo foi o de “desbravar caminhos comuns”, juntando opiniões e perspectivas diversas. “Procurámos envolver no evento representantes de diferentes partes interessadas nesta temática, nomeadamente decisores políticos, técnicos, representantes de moradores e de movimentos sociais, empreendedores e também investigadores. Pela postura dos intervenientes que tiveram a abertura de participar e ouvir partes para muitos consideradas opostas, pela troca de informação e a pertinência das questões colocadas em debate, cremos que esta cumpriu o objectivo pretendido de enriquecimento da visão desta temática pelos diferentes actores”, referem.

 

Envolver as comunidades locais e a sociedade civil foi uma das razões do sucesso da conferência. “As comunidades locais não podem estar desfasadas das decisões políticas que afectam as cidades, ou seja, o território onde vivem e trabalham”, esclarece Gonçalo Antunes, que integrou também a organização do evento. “Quisemos um evento heterogéneo, plural e democrático, que potenciasse a auscultação da população local e a participação cívica. Os cidadãos interessados, quando convidados de forma genuína, aparecerem e contribuem para as reflexões que são sempre necessárias nas decisões a tomar”.

 

No seguimento da conferência, o projecto Urbanólogo está ainda a desenvolver uma publicação com a colaboração de académicos convidados, na qual se pretende reflectir sobre o passado, o presente e o futuro das políticas de habitação, sendo que alguns desses conteúdos serão publicados na plataforma on-line do projecto.