Vois ce bleu profond que te fondre. França em tons de azul. | Fotografias de Agata Wiórko

 

Qualquer percurso pela Bienal de Veneza – seja de pavilhão em pavilhão, seja ao atravessar a exposição principal nos Giardini e no Arsenale – faz tanto mais sentido quanto mais soubermos relacionar pequenas e grandes narrativas, tendências culturais e acontecimentos praticamente invisíveis. Sendo este equilíbrio o objectivo desta breve ‘visita guiada’, convido os leitores a estabelecer relações produtivas entre coisas que, à partida, poderiam parecer distantes; seja a Bienal essa montra de ideias e prácticas projectuais que, pelo mediatismo e investimento, vale sempre a pena conferir. Até 24 de Novembro.

PARTE III

Os problemas ambientais e os valores da ecologia marcam presença no elegante pavilhão dos Países Nórdicos. É de sublinhar a forma como o duo finlandês nabbteeri, a norueguesa Abe Graaf e a sueca Ingela Ihrman interligam as artes visuais, as humanidades e as ciências naturais. No espaço sempre arejado e luminoso, nabbteeri procuram produzir arte rigorosamente ecológica – trabalhando com matérias in situ e considerando questões como a dos excessos orgânicos e mesmo de lixo indiferenciado produzidos nos próprios Giardini durante a Bienal. O objetivo é demonstrar a importância do imperativo de criar-se eco-sistemas autosustentáveis e produtores de vida. O título da obra é autoexplicativo: Compost.

Ane Graff é influenciada pelo campo da microbiologia e da química, que integra numa perspectiva feminista. As situações que cria confrontam as classificações tradicionais da ciência através de novos-materialismos feministas que têm o condão de nos tornar mais conscientes de fenómenos como o da toxicidade do ambiente.

Finalmente Ingela Ihrman tece (literalmente) ligações entre técnicas de artesanato, textos e imagens em movimento, como que contando a história das nossas origens aquáticas. Curiosamente, faz parte da obra a produção de um jornal que, ao lermos, ficamos a saber que foi igualmente distribuído gratuitamente a toda a população na área residencial onde a artista vive. Gestos que fazem a diferença.

Países Nórdicos. Inspiradas ligações entre o Natural e o Artificial. | Fotografias de Mário Caeiro

Latinos, os Franceses, propõem uma instalação imersiva de Leure Provost que ocupa integralmente o Pavilhão. Vois ce bleu profond que te fondre – um título que apela ao nosso envolvimento nos ‘tempos interessantes’ que vivemos (e os ainda mais interessantes que aí vêm) – pode dizer-se que também aborda a questão do equilíbrio entre o Homem e o Meio Ambiente.

No pavilhão, a luminosidade nas zonas de acesso dá lugar a espaços interiores de uma obscuridade azulada que nos coloca no mood adequado para dos dissolvermos em instalações em que nos podemos sentar, deitar, delongar, como que para dar tempo ao mar para falar connosco. A abordagem da artista é eminentemente misteriosa, sugestiva, em suma mais poética e menos ‘científica’. Numa espécie de gabinete de discrepâncias e por vezes surreais situações quase teatrais, em que nada é realmente estático, sentimo-nos filosófica- e experiencialmente ‘debaixo do mar’. Lá está – liquidificados – e com os sentidos alterados pelo tentacular ambiente. Aliás, a artista faz questão de sublinhar: a instalação escultórica tem como ponto de partida metafórico o polvo, um molusco, cuja especificidade é a de nos seus tentáculos ostentar os seus cérebros e membros simultaneamente.

Vois ce bleu profond que te fondre. França em tons de azul. | Fotografias de Agata Wiórko